sábado, 16 de julho de 2011

Sem dar mole para a solidão


Já faz um ano que dobrei o cabo dos 50 e, talvez por isso, por já ter vivido tanto, a gente vai ficando cheia de melancolia. O tempo se expande, as coisas mudam muito rapidamente e quando vem o fim da tarde, nos surpreende emaranhada em lembranças passadistas. Outro dia fiquei assim depois de ler um correio eletrônico de uma amiga do meu pai, uma adorável senhora de mais de 80 anos. Pois ela é uma mulher ligada no tempo, vive conectada na internet, espalhando e recebendo informações. Acredita que as coisas modernas são conquistas de todos e que ninguém deveria ter de abrir mão delas.

Quando a visitamos há cerca de dois anos, ela nos recebeu com um churrasco gordo – típico da fronteira gaúcha - e sua habitual energia. Falou mal dos políticos e lembrou que lá, para os lados de Uruguaiana, quando alguém dava um passo errado ou se mostrava bandido, era costume se tocar o vivente campo afora com uma tocha acesa, cutucando a bunda. “É o que tínhamos de fazer com esses vagabundos que não cumprem as promessas: tocar a tocha acesa e fazer sair num carreirão”.

Ontem recebi um correio dela, e vinha melancólico, como eu. Falava da alegria que era, nos tempos antigos, de se sair de casa e fazer visitas aos vizinhos e parentes. A família se arrumava, a gurizada botava sapato novo, e lá iam todos, “à pezito no más”, para uma visita familiar. A vida se fazia em comunidade, as pessoas se conheciam. Nas ruas pacatas das cidadezinhas, quando a noite vinha, nas primaveras e verões, as famílias sentavam à calçada enquanto o piazedo brincava pela rua afora, bem à vista dos pais. Ninguém tinha medo de seqüestro relâmpago ou de qualquer outro perigo externo. O máximo que se temia era a “velha da trouxa”, um tipo de mito que os pais inventavam para que as crianças não fossem muito longe.

Se era inverno, tempo de muito frio e vento gelado, a hora comunitária acontecia depois do almoço. O povo saia para a frente da casa, a comer bergamota e fuxicar, lagarteando (tomando sol). Os vizinhos se conheciam intimamente e todos cuidavam de todos, porque a vida se fazia em partilha e comunhão.

“Hoje, os mais novos, são formados em solidão”, diz Elza. Não há mais saídas em família. Os amigos se telefonam e se convidam para sair. Nunca para entrar. Não há jantares nas casas uns dos outros, ninguém se visita. Os encontros são feitos em bares, restaurantes, campos neutros, descomprometidos, impessoais. As pessoas têm amigos virtuais, se encontram pela rede, trocam emails e, em casa, afundam-se numa poltrona em frente à televisão. Nas ruas há o medo, ninguém mais senta às calçadas, as crianças brincam nos plays. E, nas gavetas dos armários proliferam os alprazolans (drogas químicas), porque, mesmo diante dessa realidade, é uma obrigação social que a pessoa seja “felizinha”.

As lembranças de Elza, e minhas também, são de um tempo outro, quando o sistema capitalista ainda não tinha aprofundado suas raízes no nosso país. Agora, diante do quadro de dependência econômica e superexploração do trabalho – típicos do capitalismo dependente - quem tem tempo para sentar às calçadas, comunitariamente, a contar histórias? Há que estar o tempo todo a trabalhar, ganhar dinheiro, para comprar mais, e mais, e mais. A roda do consumo girando loucamente, inclusive no que diz respeito às pessoas. Aquele que consegue manter um amigo por mais de cinco anos é quase um herói. As relações são fluidas, supérfluas, descartáveis.

Elza, que é otimista, não choraminga. Ela analisa seu tempo, fala com saudade do que já passou, mas afugenta a tristeza. “Esse é um tempo novo. Haveremos de encontrar caminhos. Mas que há muita solidão, isso há”. E tem horas que dói! Mas a solidão de que fala não é simplesmente essa de se estar sozinho no meio do nada. É a triste solidão de estar vazio, de não ter mais sonhos, projetos, essas molas que nos tocam para frente, a utopia. A certeza aparentemente absurda de se olhar um campo vazio e saber que ali nascerão flores. Assim andamos nesses tempos sombrios. Com olhos visionários, a vislumbrar o que ainda virá. E o que nos faz andar é isso mesmo: a certeza de que virá!

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Facundo, payador!

Aí está um clássico deste homem lindo... um destes mortos que nunca morrem....


quinta-feira, 14 de julho de 2011

Avante professores, de pé!


A cena apareceu, épica. Uma mulher, já de certa idade, rosto vincado, roupas simples, acocorada num cando da Assembléia Legislativa de Santa Catarina. Chorava. As lágrimas correndo soltas pela cara vermelha e inchada. Num átimo, a câmera captou seu olhar. Era de uma tristeza profunda, infinita, um desespero, uma desesperança, um vazio. Ali, na casa do povo, a professora compreendia que o que menos vale é a vontade das gentes. Acabava de passar no legislativo estadual o projeto do governador Raimundo Colombo, que vai contra todas as propostas defendidas pelos trabalhadores ao longo de dois meses de uma greve fortíssima. Um ato de força. A deputada Angela Albino chorava junto com os professores, os demais sete deputados que votaram contra – a favor dos trabalhadores - estavam consternados e, até certo ponto envergonhados por seus colegas. Mas, esses, os demais, os 28 que votaram com o governo, não se escondiam. Sob os holofotes das câmeras davam entrevistas, caras lavadas, dizendo que haviam feito o que era certo. Puro cinismo.

Na verdade o que aconteceu na Assembléia Legislativa foi o que sempre acontece quando a truculência do poder se faz soberana. Atropelando todos os ritos da democracia, o projeto do governador sequer passou por comissões, foi direto à plenário. Foi um massacre. Porque é assim que é o legislativo nos países capitalistas, ditos “países livres e democráticos“. Os que lá estão não representam o povo, representam interesses de pequenos grupos, muito poderosos. São eleitos com o dinheiro destes grupos. Aquela multidão que esperava ali fora – mais de três mil professores – não era nada para os 28 deputados bem vestidos que ganham mais de 20 mil por mês. Valor bem acima do que o piso que os professores tantos lutam para ter, 1.800 reais. E estes senhores tampouco estão se lixando para os professores estaduais porque certamente educam seus filhos em escolas particulares. Vitória, bradavam.

Mas os nobres parlamentares não ficaram contentes com isso. Ao verem os professores querendo se expressar, mandaram chamar a polícia de choque. E lá vieram os homens de preto com suas máscaras de gás, escudos e armas. Carga pesada para confrontar aqueles que educam seus filhos. Triste cena de trabalhador contra trabalhador, enquanto os representantes da elite se reflestelavam no ar condicionado. Por isso o olhar de desepero da professora, lá no canto, acocorada, quase perdida de si mesma.

Ao vê-la assim, tão fragilizada na dor, assomou de imediato em mim a lembrança da primeira professora, a mulher que mudou a minha vida. Foi ela quem me levou para a escola e abriu diante de mim o maravilhoso mundo do saber. Seu nome era Maria Helena. Naqueles dias de um longínquo 1965, ela era uma garota linda que morava do lado da nossa casa em São Borja (RS). Normalista das boas, ela não ensinava nas escolas privadas da cidade. Seu projeto de vida se constituiu ensinando nas escolas da periferia, com as crianças mais empobrecidas.

Por morar ao lado da minha casa ela percebeu que eu, aos cinco anos de idade, já sabia ler e escrever. Então, insistiu com minha mãe para que eu fosse para a escola, porque ela acreditava firmemente que ali, naquele ambiente, era onde se formavam as cabeças pensantes, onde se descortinava o mundo. Imagino que ela fosse até meio freiriana (adepta de Paulo Freire), por conta do seu modo de ensinar. Minha mãe relutou um pouco. A escola ficava longe, no bairro do Passo, e eu era tão pequena. Mas Maria Helena insistiu e venceu a batalha.

Assim, todas as tardes, mesmo nos mais aterradores dias do inverno gaucho eu saia de casa, de mãos dadas com a minha professora Maria Helena e íamos pegar o ônibus para o Passo. Numa cidade pequena como São Borja, só os bem pobres andavam de ônibus e assim também já fui tomando contato com o povo trabalhador que ia fazer sua lida no bairro de maior efervescência na cidade. O Passo era onde estava a beira do rio Uruguai, onde ficava a balsa para a travessia para a Argentina, os armazéns que vendiam toda a sorte de produtos, as prostitutas, os mendigos, os pescadores, os garotos sem famílias, as lavadeiras, enfim, uma multidão, entre trabalhadores e desvalidos. O Passo era um universo popular.

Maria Helena não me ensinou só a escrever, ela me ensinou a ler o mundo, observando a realidade empobrecida do bairro, a luta cotidiana dos trabalhadores, as dificuldades do povo mais simples. E mais, mostrou que ser professora era coisa muito maior do que estar ali a traçar letrinhas. Era compromisso, dedicação, fortaleza, luta. Conhecia cada aluno pelo nome e se algum faltava ela ia até sua casa saber o que acontecia. Sabia dos seus sonhos, dos seus medos e nunca faltava um sorriso, um afago, o aperto forte de mão. Com essa mulher aprendi tanto sobre a vida, sobre as contradições de um sistema que massacra alguns para que poucos tenham riquezas. E aqueles caminhos de ônibus até o Passo me fizeram a mulher que sou.

É esse direito que eu queria que cada criança pudesse ter: a possibilidade de passar por uma professora ou um professor que seja mais do que um “funcionário“, mas uma criatura comprometida, guerreira, capaz de ensinar muito mais do que o be-a-bá. Um criatura bem paga, respeitada, amada e fundamental.

Mas os tempos mudaram, os professores são mal pagos, desrespeitados, vilipendiados, impedidos de conhecer seus alunos, obrigados a atuar em duas ou três escolas para manterem suas próprias famílias. Não podem comprar livros, nem ir ao cinema ou ao teatro. São peças do sistema que oprime e espreme.

Os professores de 2011, em Santa Catarina, são acossados pela tropa de choque, porque simplesmente querem o direito de ver respeitada a lei. O governador que não a cumpre descansa no palácio, protegido. Mas aqueles homens e mulheres valentes, que decidiram lutar pelo que lhes é direito, enfrentaram os escudos da PM, o descaso, a covardia, a insensatez. E ao fazê-lo, estabelecem uma nova pedagogia (paidós = criança, agogé =condução).

Não sei o que vai ser. Se a greve acaba ou se continua. Na verdade, não importa. O que vale é que esses professores já ensinaram um linda lição. Que um valente não se achica, não se entrega, não se acovarda. Que quando a luta é justa, vale ser travada. Que se paga o preço pelo que é direito.

Tenho certeza que, aconteça o que acontecer, quando esses professores voltarem à sala de aula, chegarão de cabeça erguida e alma em paz. Porque fizeram o que precisava ser feito. Terão cada um deles essa firmeza, tal qual a minha primeira professora, a Maria Helena, que mesmo nos mais duros anos da ditadura militar, seguiu fazendo o que acreditava, contra todos os riscos. Oferecendo, na possibilidade do saber, um mundo grandioso para o futuro dos seus pequenos. Não é coisa fácil, mas esses, de hoje, encontrarão o caminho.

Parabéns, professores catarinenses. Vocês são gigantes!

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Segue a greve nas Universidades Federais

A greve dos trabalhadores das Universidades Federais chegou a um impasse. Passados 37 dias do início do movimento, o governo de Dilma Roussef encaminhou um ultimato aos trabalhadores: só com a saída da greve se dispõe a abrir uma mesa para discutir a pauta. Ao que parece a postura autoritária do governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, pode se tornar uma regra geral entre os governantes do país. No estado catarinense, os professores estaduais estão em greve há quase 60 dias, esperando que o governo simplesmente cumpra a lei que determina o pagamento do Piso Nacional. Colombo não cumpre a lei e tampouco se dispôs a negociar, exigindo que os professores saíssem da greve para apresentar qualquer proposta. Os professores não saíram e ele, autoritariamente, enviou um projeto de lei ao legislativo, sem considerar as propostas dos trabalhadores e cortando seus salários.

A presidenta Dilma Roussef age da mesma forma. Depois de literalmente enrolar os trabalhadores na famosa “Mesa de Negociação Permanente”, realizando reunião para organizar a próxima reunião, sem qualquer diálogo real, não restou aos trabalhadores qualquer alternativa, senão entrar em greve. E por quê? Porque desde o ano de 2004, quando o então governo Lula encaminhou um projeto de lei ao Congresso que tratava sobre cargos e salários do executivo, muitas foram as lutas que tiveram de ser travadas para arrumar o “monstro” criado. A lei melhorou o salário dos trabalhadores, mas ainda assim, os da educação seguem sendo os “primos pobres” do executivo. Para se ter uma idéia o piso da categoria é menor que o dos professores estaduais, que também estão em greve em Santa Catarina. Eles lutam por um piso de 1.800 reais enquanto que o dos Técnicos-Administrativos está em 1.030 reais. Não bastasse isso, a lei ocasionou uma série de problemas como a manutenção de vencimentos complementares, equivocados posicionamentos dos aposentados e erros na racionalização dos cargos, entre outros. Tudo isso está na pauta de greve, ou seja, questões que viraram problema em 2004 e que até hoje não tiveram solução por parte desse governo, em que pese a Federação dos Sindicatos Trabalhadores das Universidades Brasileiras estivesse “negociando” até maio deste ano. Fala-se negociação entre aspas porque se entende que negociar é um ouvir o outro e todos cederem em algum ponto. Até agora o governo não cedeu em nada e o que os trabalhadores conseguiram avançar foi única e exclusivamente na luta.

A greve nas universidades acontece num período difícil. Já está no fim o semestre letivo, os estudantes estão indo embora e este sempre é um tempo de refluxo na instituição. Tudo caminha lentamente. Mas, aos trabalhadores não restou opção. Com uma proposta de cargos e salários bastante defasada eles ainda enfrentam a possibilidade de o governo congelar em 10 anos os salários, a considerar um projeto de lei enviado ao congresso dentro da lógica de “ajuste” criada pelo governo para “economizar” 50 bilhões de dólares do orçamento.

O que parece incompreensível aos trabalhadores é que no mesmo momento em que a presidenta se nega a negociar um aumento salarial e melhorias no plano de cargos de quem sustenta o serviço público deste país, coloca à disposição do empresário Abílio Diniz, via BNDES, mais de 4 bilhões de reais para que ele possa realizar um projeto de expansão dos seus negócios privados. Além disso, o governo se compromete a injetar dinheiro nas obras que estão planejadas para a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016, drenando verba para a iniciativa privada enquanto arrocha o trabalhador.

Esta semana, depois de o governo tentar impor uma medida autoritária de não conversar com os trabalhadores em greve, as universidades de todo o país (49 estão em greve) realizaram assembléias para definir se seguiam a greve ou a suspendiam, para atender aos desejos do governo. Por maioria decidiram seguir com o movimento, sem aceitar a imposição. O governo promete endurecer e não conversar com os grevistas ameaçando inclusive não incluir os trabalhadores das universidades no Orçamento de 2012.

É uma queda de braço num momento muito difícil. Mas, os trabalhadores em greve estão firmes na certeza de que a luta forte e unificada pode fazer o governo ceder. “Não é possível que haja tanta disparidade entre os trabalhadores públicos. Por que um técnico na universidade tem de ganhar 1.030 reais enquanto um motorista no Judiciário ganha sete mil? Tem de haver mais justiça nos salários. Somos todos funcionários públicos!”, expressa um trabalhador que decidiu integrar o movimento paredista.

E, assim, enquanto os técnicos-administrativos das universidades resistem o governo segue tranqüilo. Greve nas universidades parece significar menos despesas para ele. Não há gasto com luz, com a comida dos estudantes. Então, não é sem razão que os movimentos dos trabalhadores tenham de durar dois ou três meses até se fazer ouvir. O governo leva os trabalhadores ao limite do desespero e só restam as ações mais contundentes como ocupações e fechamentos forçados. Porque no capitalismo é assim. Os patrões só conseguem ouvir os gritos dos trabalhadores quando estes soam alto e em uníssono.


Pode-se argumentar que no caso dos trabalhadores públicos não há patrão, já que quem paga o salário são os impostos do povo. Mas, nos governos dos estados capitalistas dependentes já se comprovou: a grande batalha entre capital e trabalho atinge fortemente os trabalhadores públicos porque os governos insistem em entregar os recursos que deveriam ir para a saúde, educação e outros serviços público, diretamente para os empresários. Assim, o povo é espoliado duas vezes: no dinheiro dos impostos que deveria reverter em melhorias nos serviços público e que vai para os empresários, e como trabalhador, uma vez que acabam sendo preteridos na questão salarial.

Agora, nos dias que se seguem, período de pouco movimento nas universidades por conta das férias escolares, os trabalhadores haverão de encontrar formas de confrontar o poder. Pois sabem bem, a história mostra, que só a luta faz avançar os direitos.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Conheça a Doutrina do Choque

Quando todo um povo fica apático por conta das artimanhas do poder. Baseado no livro de Naomi Klein: A Doutrina do Choque. Vale a pena ver...



A Doutrina do Choque from Muito Aterrorizado on Vimeo.