Roda de conversa sobre Saúde Mental - Ocupa CSE/UFSC
A mídia comercial não diz, mas são mais de 180 universidades
ocupadas no Brasil. Isso, por si só, já é uma notícia estarrecedora. Ainda
assim, nem o Fantástico, nem os programas da Record ou da Band discutem o tema.
Nenhuma novidade. A mídia corporativa é braço ideológico armado do sistema. E
ao sistema interessa que a opinião pública não seja informada das coisas que
acontecem e que podem fazer estremecer o mundo tão organizado para a
domesticação.
Mas, como sempre, todos esses meios haverão de ser engolidos
pela realidade. Pois, ainda que a mídia não mostre, a vida está acontecendo e
as pessoas veem.
Pois as universidades estão ocupadas e não é por professores
ou técnicos em greve. Não. São os estudantes. Empurrados pelas demandas e lutas
dos secundaristas, que decidiram ocupar escolas para salvá-las, os
universitários perceberam que era também chegada a sua hora. Então, começaram a
ocupar também. Não para salvar, mas para transformar. Afinal, como bem diz
Álvaro Vieira Pinto, é preciso fazer com que a universidade deixe de ser “um
centro distribuidor de alienação cultural para convertê-la no mais eficaz
instrumento de criação da nova consciência estudantil, direta e exclusivamente
interessada em modificar a estrutura social antiga e injusta, substituindo-a
por outra humana e livre”.
Quando Álvaro escreveu seu texto seminal “A questão da universidade”, essa era mesmo a
casa da elite brasileira, espaço praticamente vetado para a classe trabalhadora.
E era, sem questionamentos internos, o instrumento mais eficaz da classe
dominante para assegurar o comando ideológico.
As ideias produzidas na universidade ali estavam para justificar o poderio do
pequeno grupo que sempre mandou no país. De costas para a realidade brasileira,
os jovens aprendiam profissões e de lá saiam incapazes de dar respostas às
demandas concretas de um país dependente e subdesenvolvido. Europeizados, elitizados, alienados.
O tempo passou, veio a ditadura, a democratização e a
universidade seguiu igual. Usina ideológica do sistema dominante. E tanto que os
poucos jovens da classe trabalhadora que conseguiam entrar, através do injusto
e excludente vestibular, no mais das vezes vão se “convertendo” e incorporando
o mesmo modo de ser dos seus algozes, essa classe “ociosa e aproveitadora, cujo
intuito é reprimir a ascensão das massas”.
Com a vitória de um governo mais próximo dos trabalhadores
em 2003, a esperança da construção de universidade popular, visceralmente
ligada aos interesses da maioria, renasceu.
E vieram mudanças. Incompletas, inconclusas, insuficientes, mas vieram.
Houve a vitória das cotas, para negros, índios e alunos de escola pública,
novas formas de ingresso na universidade, novas universidades. O número de pessoas
da classe trabalhadora que conseguiu entrar para uma instituição de ensino
superior cresceu bastante. Em 2004, os
mais ricos representavam 55% nas
universidades públicas e 68% nas privadas. Em 2013, os mais ricos eram apenas
38% nas públicas e 43% nas públicas. Os negros saltaram de 16% em 2004, para
45% em 2013.
São dados importantes, mas não redundaram em mudanças no
perfil da universidade. Os currículos seguiram os mesmos, a lógica seguiu a
mesma, e o perfil colonizado, de costas para a realidade, não sofreu alteração.
A ideologia burguesa seguiu dominando, tanto no professorado quanto nos
técnicos. Aos empobrecidos, coube gastar seu tempo lutando para permanecer, o
que tirou bastante a capacidade de apontar mudanças. Muitos foram sendo
cooptados e a universidade seguiu tão reacionária e conservadora como sempre.
Agora, a vida lá fora está ululando. Veio um golpe, “brando
e de outro cariz”, mas, não se enganem. Golpe. Golpe contra a classe
trabalhadora. E as primeiras ações de caráter reformista/neoliberal, libertaram
as forças da reação. E elas vieram de onde menos se esperava. Daqueles que
sempre foram acusados de não “quererem nada com o peixe”, os estudantes
secundaristas das escolas públicas, meninos e meninas da periferia. Quando
todos os estudos se voltavam para a violência nas escolas, a impossibilidade de
ensinar, a falta de disciplina dos alunos, eles se levantam, como uma vaga tsunâmica,
com um único discurso: queremos estudar e nas nossas escolas. Mais uma prova de
que a universidade estava de costas para a realidade. Como os “pesquisadores”
não se deram conta da vontade de educação dessa gurizada? Como não viram seus
olhos cheios de desejo de aprender? Como não compreenderam que a “violência”
era um grito de protesto contra uma pedagogia rota e atrasada?
Os secundaristas, sabendo que nada tinham a perder, ousaram
a luta mais dura, contra o estado e contra todos os “papers” financiados pela
Capes. Ocuparam as escolas, viraram a mesa, apontaram novos caminhos,
enfrentaram a polícia. Mostraram na luta renhida que querem fazer parte da mesa
principal do banquete educativo. Nada de educação bancária, de segunda
categoria, para formar mão-de-obra. Querem educação amorosa, comprometida com a
realidade.
E foi essa lição ensinada pelos meninos e meninas das
escolas públicas que chegou à universidade. De alguma maneira tocou algum
espaço secreto no cérebro dos universitários formatados pela ideologia da
classe dominante. E havia só um caminho. Parar tudo, repensar as práticas,
discutir o ensino universitário que forma os professores dessa gurizada. Professores
cegos. Assim, a vida urgente que se expressa fora dos muros universitários
atingiu como um raio aqueles que ainda podem ver. Os que ainda se importam.
Então, a disputa por outro modo de ser no mundo contaminou a universidade. Bem
dizia Álvaro Vieira Pinto: estudante não é só pra estudar. Estudantes têm de
estar afinados com a arena política, com as causas nacionais. A educação só tem
sentido se for para mudar as coisas. Estudar também é um ato social. A realidade brasileira está a exigir dos de
todas as pessoas o engajamento na luta pela mudança. E os estudantes saem na frente.
As ocupações nas universidades são esse movimento de
transformação, de despertar. A esperança é que ultrapassem as demandas
particularistas e consigam perceber o cerne do problema: a universidade precisa
mudar na essência. Ele tem de ter uma finalidade política que é a de superar o
colonialismo mental, compreender o processo de dependência, e construir
caminhos de transformação.
Ou isso, ou nada.
Os estudantes já mudaram a temperatura do mundo em 1918, na
reforma de Córdoba, em 1968, na França, no México e na América Latina. Agora, o
Brasil, esse gigante sempre dormido, assinala que a vida pulsa e que a história
não acabou.
Avante, estudantes secundaristas e universitários. Quem sabe
essa força bonita contamine os trabalhadores.