terça-feira, 15 de novembro de 2016

Por que ocupar a universidade?



Roda de conversa sobre Saúde Mental - Ocupa CSE/UFSC

A mídia comercial não diz, mas são mais de 180 universidades ocupadas no Brasil. Isso, por si só, já é uma notícia estarrecedora. Ainda assim, nem o Fantástico, nem os programas da Record ou da Band discutem o tema. Nenhuma novidade. A mídia corporativa é braço ideológico armado do sistema. E ao sistema interessa que a opinião pública não seja informada das coisas que acontecem e que podem fazer estremecer o mundo tão organizado para a domesticação.

Mas, como sempre, todos esses meios haverão de ser engolidos pela realidade. Pois, ainda que a mídia não mostre, a vida está acontecendo e as pessoas veem.

Pois as universidades estão ocupadas e não é por professores ou técnicos em greve. Não. São os estudantes. Empurrados pelas demandas e lutas dos secundaristas, que decidiram ocupar escolas para salvá-las, os universitários perceberam que era também chegada a sua hora. Então, começaram a ocupar também. Não para salvar, mas para transformar. Afinal, como bem diz Álvaro Vieira Pinto, é preciso fazer com que a universidade deixe de ser “um centro distribuidor de alienação cultural para convertê-la no mais eficaz instrumento de criação da nova consciência estudantil, direta e exclusivamente interessada em modificar a estrutura social antiga e injusta, substituindo-a por outra humana e livre”.

Quando Álvaro escreveu seu texto seminal  “A questão da universidade”, essa era mesmo a casa da elite brasileira, espaço praticamente vetado para a classe trabalhadora. E era, sem questionamentos internos, o instrumento mais eficaz da classe dominante  para assegurar o comando ideológico. As ideias produzidas na universidade ali estavam para justificar o poderio do pequeno grupo que sempre mandou no país. De costas para a realidade brasileira, os jovens aprendiam profissões e de lá saiam incapazes de dar respostas às demandas concretas de um país dependente e subdesenvolvido.  Europeizados, elitizados, alienados.

O tempo passou, veio a ditadura, a democratização e a universidade seguiu igual. Usina ideológica do sistema dominante. E tanto que os poucos jovens da classe trabalhadora que conseguiam entrar, através do injusto e excludente vestibular, no mais das vezes vão se “convertendo” e incorporando o mesmo modo de ser dos seus algozes, essa classe “ociosa e aproveitadora, cujo intuito é reprimir a ascensão das massas”.

Com a vitória de um governo mais próximo dos trabalhadores em 2003, a esperança da construção de universidade popular, visceralmente ligada aos interesses da maioria, renasceu.  E vieram mudanças. Incompletas, inconclusas, insuficientes, mas vieram. Houve a vitória das cotas, para negros, índios e alunos de escola pública, novas formas de ingresso na universidade, novas universidades. O número de pessoas da classe trabalhadora que conseguiu entrar para uma instituição de ensino superior cresceu bastante.  Em 2004, os mais ricos representavam  55% nas universidades públicas e 68% nas privadas. Em 2013, os mais ricos eram apenas 38% nas públicas e 43% nas públicas. Os negros saltaram de 16% em 2004, para 45% em 2013.

São dados importantes, mas não redundaram em mudanças no perfil da universidade. Os currículos seguiram os mesmos, a lógica seguiu a mesma, e o perfil colonizado, de costas para a realidade, não sofreu alteração. A ideologia burguesa seguiu dominando, tanto no professorado quanto nos técnicos. Aos empobrecidos, coube gastar seu tempo lutando para permanecer, o que tirou bastante a capacidade de apontar mudanças. Muitos foram sendo cooptados e a universidade seguiu tão reacionária e conservadora como sempre.

Agora, a vida lá fora está ululando. Veio um golpe, “brando e de outro cariz”, mas, não se enganem. Golpe. Golpe contra a classe trabalhadora. E as primeiras ações de caráter reformista/neoliberal, libertaram as forças da reação. E elas vieram de onde menos se esperava. Daqueles que sempre foram acusados de não “quererem nada com o peixe”, os estudantes secundaristas das escolas públicas, meninos e meninas da periferia. Quando todos os estudos se voltavam para a violência nas escolas, a impossibilidade de ensinar, a falta de disciplina dos alunos, eles se levantam, como uma vaga tsunâmica, com um único discurso: queremos estudar e nas nossas escolas. Mais uma prova de que a universidade estava de costas para a realidade. Como os “pesquisadores” não se deram conta da vontade de educação dessa gurizada? Como não viram seus olhos cheios de desejo de aprender? Como não compreenderam que a “violência” era um grito de protesto contra uma pedagogia rota e atrasada?

Os secundaristas, sabendo que nada tinham a perder, ousaram a luta mais dura, contra o estado e contra todos os “papers” financiados pela Capes. Ocuparam as escolas, viraram a mesa, apontaram novos caminhos, enfrentaram a polícia. Mostraram na luta renhida que querem fazer parte da mesa principal do banquete educativo. Nada de educação bancária, de segunda categoria, para formar mão-de-obra. Querem educação amorosa, comprometida com a realidade.

E foi essa lição ensinada pelos meninos e meninas das escolas públicas que chegou à universidade. De alguma maneira tocou algum espaço secreto no cérebro dos universitários formatados pela ideologia da classe dominante. E havia só um caminho. Parar tudo, repensar as práticas, discutir o ensino universitário que forma os professores dessa gurizada. Professores cegos. Assim, a vida urgente que se expressa fora dos muros universitários atingiu como um raio aqueles que ainda podem ver. Os que ainda se importam. Então, a disputa por outro modo de ser no mundo contaminou a universidade. Bem dizia Álvaro Vieira Pinto: estudante não é só pra estudar. Estudantes têm de estar afinados com a arena política, com as causas nacionais. A educação só tem sentido se for para mudar as coisas. Estudar também é um ato social.  A realidade brasileira está a exigir dos de todas as pessoas o engajamento na luta pela mudança.  E os estudantes saem na frente.

As ocupações nas universidades são esse movimento de transformação, de despertar. A esperança é que ultrapassem as demandas particularistas e consigam perceber o cerne do problema: a universidade precisa mudar na essência. Ele tem de ter uma finalidade política que é a de superar o colonialismo mental, compreender o processo de dependência, e construir caminhos de transformação.

Ou isso, ou nada.

Os estudantes já mudaram a temperatura do mundo em 1918, na reforma de Córdoba, em 1968, na França, no México e na América Latina. Agora, o Brasil, esse gigante sempre dormido, assinala que a vida pulsa e que a história não acabou.

Avante, estudantes secundaristas e universitários. Quem sabe essa força bonita contamine os trabalhadores.  

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Pós do Serviço Social contra a PEC 55 e outras maldades


Nota de posicionamento dos estudantes do Programa de pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Nós, estudantes da pós-graduação em Serviço Social da UFSC, considerando a conjuntura e os processos históricos de movimentos golpistas seculares arquitetados pelas oligarquias que se mantém no poder, que coadunam com o acirramento das desigualdades e superexploração da classe trabalhadora, nos posicionamos contrárixs às tenebrosas ações e medidas em curso pelo governo golpista de Michel Temer, que colocam em cheque a, já restrita, democracia brasileira. Dentre elas destacamos a PEC 55 e a proposta de reforma da previdência que, fogem à legitimidade da Constituição Federal e se apresentam como um verdadeiro desmonte dos parcos direitos sociais garantidos pela classe trabalhadora, afetando radicalmente direitos básicos da população brasileira. Tais propostas visam atender aos mais escusos interesses do capital financeiro e das elites nacionais às custas do cancelamento de qualquer perspectiva de melhorias na vida dxs trabalhadorxs.

A Reforma do ensino médio e PL “escola sem partido”, promotoras do protagonismo do setor privado e instituídas sem debate prévio com a sociedade, constituem-se contra os interesses dos setores mais marginalizados da sociedade. Em consonância com a PEC 55, a MP 746 utiliza-se do discurso de “crise” com o propósito de enxugar gastos públicos com a Educação. Sob o discurso de livre escolha dos estudantes, fragmenta-se o Ensino Médio em “itinerários formativos específicos” e retira-se a obrigatoriedade de disciplinas fundamentais para o desenvolvimento integral dos estudantes, tendo por objetivo a formação precária dxs filhxs da classe trabalhadora para uma inserção laboral igualmente precária. O projeto que reivindica uma “escola sem partido”, sob a alegação de que há doutrinação no ambiente escolar, é na verdade é uma tentativa de bloqueio às perspectivas de educação crítica, diversa e includente e a imposição de um ensino conservador e tecnicista.

Posicionamo-nos veementemente contra o uso do poder coercitivo do Estado, empregado tanto pelo governo federal, como pelos governos estaduais e municipais. O monopólio do uso da força - prerrogativa tradicional do Estado - vem sendo usado de forma desmedida sem nenhum tipo de proporcionalidade ou justificativa. O uso de violências, ameaças, constrangimentos e a criminalização de movimentos sociais só constrói a certeza de que este é um governo autoritário de exceção e que repudia fortemente qualquer manutenção do Estado Democrático de Direito ou perspectiva ligada aos direito humanos e sociais.

Evidenciamos nosso apoio à todas as organizações que se articulam contra a manutenção do processo golpista e fundamentalista em curso. Com destaque para as ocupações realizadas por estudantes secundaristas e universitários; aos movimentos dos professores, técnicos e demais trabalhadores da educação. Apoiamos e nos somamos à paralisação nacional neste dia 11 de novembro e reforçamos a necessidade da construção de uma greve geral, pois esta é um instrumento legítimo de luta da classe trabalhadora, a qual pode nos possibilitar, para além do enfrentamento das demandas imediatas, um processo de reflexão e de reconstrução da perspectiva da classe trabalhadora na sua tarefa histórica de transformar esta sociedade. 

Diante de tais processos, cabe a nós, como classe trabalhadora, reconhecer e reivindicar a necessidade histórica da luta, sabendo que ela será árdua e que seu horizonte não se restringe apenas às pautas imediatas, deve visar sempre a construção coletiva e popular de uma sociedade livre de toda superexploração e opressão que nos golpeia há séculos.

Florianópolis, 11 de novembro de 2016.
Estudantes do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - UFSC.