quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Mais lutas na Grécia

As cenas da greve na Grécia mostram o nível de descontentamento da população com relação ao governo que se faz de surdo aos desejos de quem o elegeu. Desde que os primeiros sintomas da crise começaram a aparecer, o governo principiou a colocar em prática o mesmo velho receituário de tirar do povo o valor da conta que servirá para pagar aquilo que uma pequena parcela da sociedade usufruiu. Os movimentos de trabalhadores, as paralisações e as greves gerais não são coisas que brotaram do nada, como faz parecer a mídia comercial brasileira, que se limita a mostrar as cenas de “violência” do povo. Toda essa luta é fruto de uma longa batalha das gentes gregas contra o que ficou configurado como uma nova onda de acumulação capitalista.

Muito dos problemas que o país enfrenta hoje é fruto das escolhas equivocadas do governo desde o final dos anos 90, culminando com os fabulosos empréstimos recebidos para a construção de infra-estrutura para as olimpíadas de 2004. O dinheiro rolou, poucos encheram os bolsos, obras faraônicas foram feitas e muito pouco segue sendo aproveitado. O povo grego agora está sendo chamado para pagar a conta, cobrada com juros astronômicos pelos bancos “amigos”. A solução encontrada pelo governo é fazer novos empréstimos, o que elevará ainda mais a dívida, aliado a uma série de cortes unicamente na carne dos trabalhadores.

A gente grega é uma gente valente. As centrais sindicais, a despeito de todos os problemas e diferenças que historicamente têm, seguem se expressando e têm conseguido juntar as gentes nas lutas de rua. São manifestações impressionantes, que levam milhões de pessoas para as grandes passeatas. São como uma força da natureza, sem medo e sem hesitações. As gigantescas caminhadas são formadas por grupos muito bem preparados para os embates. Sabedores da brutal repressão policial, as pessoas já saem de casa com suas máscaras de gás e uns enormes porretes de madeira. Nas passeatas, avançam de braços enganchados, formando uma corrente humana de difícil desmanche. A grande maioria é formada por jovens. Eles sabem que, ou cuidam do futuro, ou estão fritos. Mas também se pode ver os velhos trabalhadores, gente das periferias que não aceitam mais pagar pelos ricos.

As primeiras medidas do chamado “ajuste” do governo começaram ainda em 2009 e em 2010 as coisas foram se aprofundando. O Congresso Nacional votou leis que permitem o arrocho dos trabalhadores, mudou a previdência, fez reforma trabalhista e tudo isso sob protestos das gentes. A cada sessão, a imensa praça Syntagma, em frente ao Parlamento, se enche de gente a dizer “não”. Mas, lá dentro ninguém ouve. Nem lá dentro, nem nos palácios. As leis seguem sendo aprovadas mesmo que toda a Grécia se levante em imensas manifestações. Não é sem razão que o povo seja obrigado a atuar de forma mais incisiva diante desta incapacidade auditiva crônica dos governantes.

Como bem diz Enrique Dussel, a sede do poder não está em quem está no posto de mando. Ela reside no povo organizado que decide sobre as coisas. E o povo grego já decidiu que não quer pagar essa conta. Por isso toda semana eles enchem as ruas com suas impressionantes e organizadas passeatas. Esta semana um ministro foi ferido. A cena correu o mundo como a dizer da “selvageria” do povo. Mas os atos infames destes ministros não são registrados pelas câmeras ávidas de espetáculo.

Eu andei com o povo grego pelas ruas de Atenas, atenta às vozes e aos reclamos. Eu vi o rosto inflamado de uma juventude valente e, no meio da massa de gente, que irrompe pelas avenidas da capital pode-se perceber, em construção, a figura de tantos Alexandros Panagulis, o inesquecível lutador grego que, em 1968, tentou matar o ditador Georgios Papadopoulos. “Eu não queria matar um homem, e sim um tirano”, disse Alekos, depois de ser preso e passar por terríveis torturas. Nascido nas imediações de Atenas, Alekos era um destes meninos inconformados com as injustiças, com a guerra, com a ditadura. Hoje, tal como nos terríveis tempos da ditadura militar na Grécia (de 1967 a 1974), o povo afirma o seu “não” a ouvidos moucos. Mas, tanto naqueles dias como agora, o cerco popular foi apertando e as revoltas devolveram à Grécia ao povo. É nisso que as entidades de trabalhadores apostam. Na capacidade do povo grego de superar todos os entraves e, mesmo sob a mira das armas e da repressão, caminhar na direção da soberania.

O governo socialista da Grécia atual vai nadando contra a corrente popular, cada dia mais afastado dos desejos de sua gente. Aplicou reformas, diminuiu direitos e agora prepara-se para votar o orçamento do ano de 2011, com mais cortes nos serviços públicos e arrocho salarial. Os parlamentares insistem em dizer que isso é necessário, porque se não for assim, a Grécia não recebe o último lote do empréstimo de mais de 100 bilhões de euros. Mas as gentes sabem muito bem o que significam mais dívidas. A conta fica sobre suas mesas. O grito na Grécia, desde 2009 é: Que os ricos paguem! Ninguém do poder parece ouvir, mas chega um dia em que a casa cai...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Só jornalista!


Outro dia, numa dessas atividades acadêmicas fui confrontada com uma situação da qual quase não me lembro, mas que outras pessoas fazem questão de lembrar. Não sou professora. Convidada que fui para dialogar com um aluno sobre seu projeto de mestrado que trata do povo boliviano, lá fui toda serelepe, porque gosto de saber que na academia ainda tem gente que se preocupa em estudar coisas que verdadeiramente interessam, como neste caso, a retomada da identidade do povo aymara e a proposta do Sumac Qamaña (o bem viver).

Então, foi a vez de me apresentarem. Como sempre eu abrevio a apresentação. Elaine Tavares, jornalista. Ao que a professora responsável pela atividade redargüiu, torcendo o nariz: “- só jornalista?” Pois é. Sou isso. Só jornalista. Nem doutora, nem professora, nem coisa nenhuma mais que jornalista. Talvez, para a academia, coisa menor. Mas, para mim, coisa maiúscula. Sou jornalista, destas que pensa o mundo, que narra, que contextualiza, que estuda a história, que busca nexos, que caminha com os empobrecidos, que rastreia a vida das gentes, que opina, que interpreta, que se emociona, que sente raiva, que investiga.

Sou jornalista. E é bom repetir isso. Porque, afinal, esse fazer humano anda tão desgastado. Sou jornalista e me compraz esse comprometimento com a vida mesma, essa coisa sublime que é decodificar os discursos prolixos e compartilhar o conhecimento com as pessoas, doutoras ou não. Encanta-me encontrar alguém na rua que, sabendo da minha condição de jornalista diz: “gostei daquele texto teu. Tão `simplinho´ que eu entendi tudo”. Esse é meu prêmio, minha estatueta de ouro. Quando as palavras que eu faço nascer caminham nas gentes. 

Dentro da universidade parece que não importa muito o que a gente faz, e sim os títulos que temos. Isso às vezes incomoda, mas é só um segundo, porque nos faz lembrar a eterna rixa entre professores e técnicos, que não acaba nunca e que é tão burra. Mas, enfim, para aqueles que realmente importam, que são os estudantes que auscultam a vida real, pessoas como eu ainda têm valor. Não sou professora, nem doutora, e isso não me dói. São as escolhas. Sou jornalista, só jornalista, e isso é muito bom!