O professor Daniel José da Silva, que é especialista em Hidrologia, pegou sua bicicleta e foi dar uma volta pelo Campeche, bairro onde mora. Seu objetivo era observar cada uma das quatro saídas de esgoto que estão infestando a praia de uma água escura e fedorenta. A hipótese até então levantada era de que o que estava chegando ao mar nada mais era do que o esgoto, puro e simples, que tem sido jogado nos riozinhos que cortam a planície. Daniel descobriu que essa é uma meia verdade. Mas, o problema é muito maior do que a simples e suposta falta de consciência dos moradores, trata-se do rebaixamento sistemático do lençol freático.
O professor Daniel explica que os rios do Campeche, que
somente escoavam para o mar quando a chuva vinha forte, agora estão lançando água
sistematicamente. E por quê? Porque está havendo um esgotamento do lençol
freático, visando secar os terrenos para a construção dos prédios. Com a compactação
do aquífero, a água escorre para o mar e leva com ela todo o material orgânico
que encontra pelo caminho, por isso a cor escura. “É claro que junto com esse
material orgânico também vai o esgoto secundário, que é a água poluída que sai
dos sumidouros. Tudo isso somado dá aquela água preta e fedida”.
Para Daniel o mês de fevereiro marcou definitivamente o
colapso do Campeche e está mais do que na hora de a comunidade assumir a luta
pelo saneamento básico, participando intensamente da discussão e da definição
de saídas par aos problemas. Ele lembra ainda que há uma ausência completa do
poder público com relação às áreas próximas à praia, pois a prefeitura não
assume aquele espaço como uma área pública. “Os donos de restaurante que tem
por ali não conseguem encontrar uma forma de fazer as coisas acontecerem no que
diz respeito ao tratamento do esgoto e do lixo. Estão abandonados”.
As constatações do professor da UFSC já foram motivo de
muitas mobilizações da comunidade viva do Campeche. Desde há uns quatro anos,
quando começaram as construções desenfreadas de prédios e condomínios, uma das
constatações que levantaram os movimentos sociais do bairro foi justamente o
esgotamento do lençol freático. As construtoras drenavam dia e noite a água
pura pelos canos, que ia parar no esgoto. Protestos foram feitos, denúncias
foram encaminhadas à polícia ambiental e o resultado foi o de sempre: os
lutadores eram acusados eco-chatos, gente que queria barrar o progresso do
bairro, e as obras prosseguiam. Numa das
manifestações acontecidas em frente ao prédio que fica no final da Pequeno
Príncipe, bem na boca da praia, alguns moradores chegaram a quase agredir os
que protestavam, ofendendo e chamando de atrasados.
Desgraçadamente, tudo aquilo que os manifestantes
denunciavam agora está acontecendo. Com a dragagem do lençol freático, feita
sem dó nem piedade para fincar as estacas dos prédios, o equilíbrio ambiental
do ecossistema da planície está em colapso. Mais uma prova de que os eco-chatos
são na verdade, os eco-certos. Somado ao desequilíbrio provocado pelas
construtoras, há a falta de um sistema de tratamento do esgoto, o que faz com
que muita gente jogue a água do sumidouro nos canos da água pluvial. Falta de
educação sanitária, como bem diz Daniel José da Silva.
“Não falta só educação da população, falta também a
política. O saneamento básico tem quatro sistemas: o tratamento da água, o
esgoto, o recolhimento do lixo e a condição da água da chuva. Tudo isso
combinado é o que nos humaniza. Sem esse quarteto de coisas realizado com
competência, perdemos a humanidade. Algo falha”.
O professor insiste que o poder público, além de atuar com
competência com relação aos quatro
sistemas, deveria ter um trabalho de educação sanitária, informando como
acondicionar o lixo, como cuidar do esgoto, educando a população. Mas, também a comunidade precisa participar da
vida pública, cobrar, discutir, se reunir e encontrar soluções locais. ”Quando
as pessoas entendem e usam com equilíbrio o bem comum, aí elas se humanizam de
verdade. Está na hora do Campeche acordar”.
E é justamente por conta de toda essa problemática e visando
fortalecer a participação popular, chamando para a luta também os novos
moradores, que um grupo de pessoas do bairro – os eco-certos - está chamando uma concentração para o dia 05 de março, sábado, na entrada da praia.
A intenção é juntar as pessoas, discutir o problema, passar informações e
buscar saídas coletivas.
O Campeche cresceu demais nos últimos anos, fruto da
construção desenfreada. Prédios foram erguidos por toda a planície, com as
construtoras fazendo seu lento trabalho de destruição. Vendiam a beleza enquanto
a destruíam. Agora, os que compraram os apartamentos justamente por conta da
praia limpa e saudável, estão tendo de conviver com o esgoto e a sujeira, fruto
da compactação do aquífero, da ganância dos empreiteiros e da cumplicidade de
vereadores e poder público.
Enquanto isso, a prefeitura volta a falar na construção de
um emissário que leve a merda da cidade para o alto mar. Isso não é a solução.
É caro, ineficiente e só servirá para enriquecer a empresa que o construir. Mais
um golpe das aves de rapina. A solução são estações locais de tratamento,
propostas descentralizadas, coisas que a comunidade já pensou e apresentou,
apesar de o governo seguir surdo.
“Já basta de destruição. É hora de tomar nas mãos o destino
da gente. Por isso, todos à manifestação do dia 5 de março, que começa às 9h da
manhã”, conclamam os moradores. E,
também é mais do que hora de as pessoas prestarem atenção nos que são
pejorativamente chamados de eco-chatos,
porque até agora eles nunca erraram. Todas as denúncias se confirmaram,
mostrando que estavam absolutamente certos do que diziam. Nada de bom poderia
vir com o rebaixamento do lençol freático. Os resultados estão aí, bem cada de
toda a gente.
Mas, ainda há tempo. Basta união e participação. O Campeche
se levanta mais uma vez em luta.
Veja entrevista com Daniel José da Silva
Veja entrevista com Daniel José da Silva