Povo indígena tem outro modo de organizar a vida
O presidente Michel Temer aprovou no dia 19 de julho, o parecer feito pela Advocacia-Geral da União e com isso, determina que toda a administração pública federal observe, respeite e dê efetivo cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Popular PET nº 3388/RR (caso Raposa Serra do Sol). Essa ação determina que o governo pode atuar, suspendendo, inclusive, a demarcação de terras indígenas, se for para garantir “salvaguardas institucionais”. O argumento do presidente é o suprassumo do cinismo: que isso “servirá para garantir a pacificação dos conflitos fundiários entre indígenas e produtores rurais, diminuindo a tensão social existente no campo, que coloca em risco a vida, a integridade física e a dignidade humana de todos os envolvidos”.
Com essa anuência formal ao parecer da AGU o presidente indica que o caminho está aberto para os latifundiários, a bancada do boi, o agronegócio, os grileiros de terra. Qualquer terra indígena, sob o argumento de que exista sobre ela “um interesse nacional” poderá ser tomada. Nelas podem ser abertas estradas e instalados equipamentos públicos. Ou seja, sem essa de respeitar o direito ou a vontade dos povos originários. Cabe lembrar que as terras indígenas conformam parcos 12% do território nacional, mas sob elas estão muitas riquezas, tanto minerais como vegetais.
Qualquer pessoa com um mínimo de compreensão sabe que o conceito de “interesse nacional” pode variar bastante conforme a direção que um governo dê a isso. Logo, a notícia mostra que Temer já sinaliza favoravelmente a grandes transformações no âmbito das terras indígenas. A assessoria do planalto, bem como a mídia comercial, que é servil ao Estado e ao capital, insistem em dizer que essa assinatura de Temer ao parecer da AGU, não muda nada na lei e nem no andamento das demarcações, sendo apenas a internalização de uma decisão do Supremo que já está tomada.
Isso é uma meia verdade. A decisão de intervir nas terras usando a desculpa de “interesse nacional” foi mesmo tomada pelo Supremo, mas as comunidades indígenas estão em luta contra ela. Eles sabem – com uma sabedoria de 500 anos – que qualquer coisa pode ser “interesse nacional”, inclusive o assassinato sistemático de indígenas para “limpar” as áreas, tornando-as presas do latifúndio. Lembram bem que isso já foi uma política nacional e que agora ainda segue, camuflada, mas segue. Basta ver a completa omissão do estado diante dos ataques dos latifundiários que, inclusive, fazem ações contra os índios em conjunto com as forças públicas.
Outro ponto de rechaço total é o chamado marco temporal. O Supremo quer reconhecer terras originárias apenas aos indígenas que estavam sobre a terra no ano da promulgação da Constituição, 1988. A ocupação anterior não vale. Pouco importa aos brancos togados se esses povos não estivessem sobre as terras porque tinham sido expulsos a ponta de bala. Isso não lhes toca o coração. A justiça, como qualquer outro poder instituído é representante do capital e como tal, não tem compaixão.
A terra é o elemento principal da acumulação capitalista. Foi a partir do roubo de terras, com a expulsão dos camponeses para a cidade que esse sistema começou. Jogando as famílias na cidade, sem qualquer possibilidade de manter a vida, o sistema capitalista de produção ofereceu a “liberdade” de essas pessoas venderem sua força de trabalho. Assim, lá foram elas para as fábricas, enquanto as ovelhas – que dariam a lã para os capitalistas - tomaram os campos que eram seus.
Esse processo de acumulação nunca parou. Cada vez que o capitalismo precisa se expandir, ele recorre ao roubo de terras. Porque uma família que tem um pedaço de terra, tem a condição de se manter. E é preciso tirar tudo dela, para que ela possa servir ao capital.
Esse é discurso do deputado catarinense Valdir Colatto, ferrenho defensor do agronegócio, para os povos originários. Segundo ele, “essa gente” precisa trabalhar e não ficar querendo uma terra que não é mais dela. O que ele quer é fazer o que sempre é feito: limpar as terras de gente para que elas possam ser tomadas pelo agronegócio. Aí, quem sabe, se os índios forem “bonzinhos” podem até ganhar um emprego na propriedade, desde que seja por comida e moradia, dentro do novo modelo trabalhista brasileiro. Ou seja, o que o agronegócio quer é tornar o indígena uma mãos de obra assalariada, para que dele possa ser extraída a mais-valia, coisa que hoje não acontece, porque os povos têm suas terras e têm outro modo de organizar a vida. Afinal, seriam mais de um milhão de pessoas entrando no sistema de exploração.
O estado brasileiro já fez vários experimentos com os indígenas. Tentou escravizar, não deu certo. Eles resistiram. Tentou exterminar, não deu certo. Eles sobreviveram. Tentou incorporar na sociedade branca, não deu certo. Eles são discriminados. E, ao longo de todos esses séculos as comunidades resistiram, encontrando formas de seguir vivendo, mesmo sem o território. O que move é a luta. Ainda que sem terra os povos se organizam e lutam. Muitos conquistaram o território à custa de muito sangue.
Agora, enfrentam mais um capítulo dessa acumulação selvagem. Sim, porque selvagem é o capital. Esse sistema que tudo que toca, destrói.
Por isso não há surpresa na decisão de Temer. Tornar capilar a decisão do Supremo, contaminar todas as instâncias, inocular o ódio aos indígenas como se eles fossem os responsáveis pelo atraso da nação. Tudo isso faz parte do golpe, dado para que essa nova reacomodação do capital possa se fazer. O ataque aos povos indígenas não está descolado do ataque aos trabalhadores - com a aprovação das leis trabalhistas e da previdência. É a “sétima cavalaria” chegando para “salvar” os latifundiários, os assassinos de índios, os ladrões de terra.
Esse é um tempo difícil para os indígenas, assim como para os trabalhadores. O que está em curso é o projeto de uma classe, a dos ricos, sobre outra, a dos empobrecidos. É tempo de entender que tudo está ligado e que essa é uma guerra de classes. Tanto aqueles que estão despojados dos meios de produção, os trabalhadores, como os indígenas, que também estão nessa condição, estão sob ataque, sistemático, desde a invasão. Por isso a luta tem de ser uma só. Os trabalhadores precisam entender o mundo indígena e defendê-lo, compreender que é outro modo de vida, e os indígenas precisam compreender que os trabalhadores são seus potenciais aliados nessa batalha. Esse encontro precisa se fazer para que a luta seja unificada. Todos estão em luta contra o capital.
Por isso a batalha contra esse projeto não se esgota na queda ou saída do atual governo. Essa é uma luta que só poderá ter vitória quando os trabalhadores, os indígenas, os negros, as mulheres e todos os excluídos caminharem juntos na construção de outra sociedade, que terá ser construída na compreensão das diferenças. Enquanto isso, resistimos!
Afinal, mesmo a sétima cavalaria, que era considerada imbatível sob o comando do general Custer, um dia caiu sob o heroísmo do povo indígena que uniu as forças para combater o assassino de índios. Cheyennes e Sioux, juntos, com Touro Sentado e Cavalo Louco à frente derrotaram Custer na batalha de Litlle Bighor. É assim: unidos, somos mais e podemos vencer.