Mário Juruna - primeiro deputado federal indígena
As eleições estão às portas e em todo o Brasil as forças de
poder se movimentam para garantir espaços no executivo e legislativo. Como
sempre acontece no sistema capitalista, o domínio do processo está no dinheiro.
Quem tem mais grana consegue realizar a melhor propaganda, fazer os melhores
vídeos e circular pelos espaços com mais rapidez e eficácia. Além disso, é
também o dinheiro que compra o trabalho dos “militantes” que se espalham pelas
ruas com bandeiras, distribuindo os santinhos. O dinheiro ainda circula na
tradicional compra de votos, que se manifesta em uma série de pequenos
benefícios, como cestas básicas, tijolos, cimentos e outras coisas do tipo.
No campo dos “grande poderes”, o dinheiro aparece como
doações de campanha. Grandes empresas e grandes bancos, por exemplo, despendem
vultosas somas para os candidatos. Na dúvida, os mais ricos investem em vários,
um pouco mais ou menos, conforme a possibilidade de vitória, mostrando que a
eles pouco importa o programa de governo ou o partido ao qual representam, o
que vale é ficar bem com o eleito para depois cobrar o apoio em algum favor. É
o dinheiro que move a máquina dita "democrática".
Correndo por fora, mas igualmente dentro do processo
eleitoral, existem os grupos que tem interesses coletivos e que são
minoritários no jogo de poder, tais como os camponeses sem terra, os
trabalhadores informais, os indígenas. Esses também se organizam e tentam
encontrar algumas brechas na institucionalidade para defender propostas que
venham ao encontro de seus interesses. É certo que esses grupos, justamente por
sua fragilidade econômica, têm muito menos eficácia e sucesso na abordagem
eleitoral. Ainda assim, se movimentam e constituem fundos que garantem
campanhas modestas, mas importantes no sentido de que oferecem outras
possibilidades ao eleitorado.
No que diz respeito à defesa dos direitos e demandas
indígenas, esse ano, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
apresentaram-se 85 candidatos ao legislativo, incluindo aí o estadual como o
federal. Um número bem pequeno a considerar a população indígena que já
contabiliza quase 900 mil almas, mas, ainda assim, capaz de dar alguma visibilidade
às demandas dos povos originários, uma vez que ocupam o espaço gratuito de
televisão e podem repassar - em escala de massa - as suas reivindicações.
O espectro partidário onde se acomunam os indígenas varia
bastante, do PSTU ao DEM. Os partidos que juntam mais candidatos indígenas são
os da base governista, PT (16) e PC do B (11) – mas há um número expressivo no
PSOL (12) e no PSTU (5), mais à esquerda. Os demais estão distribuídos entre os
partidos menores e conservadores, apesar de serem esses partidos os que têm
historicamente empreendido toda uma cultura de ódio e preconceito contra o
indígena, bem como contra as demarcações de terras tradicionais. Também é digno
de nota que os partidos que acumulam maior número de indígenas sejam os da base
de governo - um governo que não tem sido muito receptivo com lutas dos povos
tradicionais.
Os candidatos indígenas aparecem em praticamente todos os
estados da federação, mas os que têm números mais expressivos são Amazonas (9),
Bahia (9), São Paulo (7), Mato Grosso do Sul (7), Roraima (6) e Pará (6). Santa
Catarina tem apenas um representante dos povos originários, é o cacique Hyral,
da etnia Guarani, que está concorrendo a uma vaga no legislativo estadual pelo
PV.
Dentre as demandas dos candidatos indígenas estão aquelas
que são também comuns aos não-índios: melhoria na saúde, na educação, na
estradas que levam às aldeias e a proteção do meio-ambiente. Mas, sem dúvidas,
as que mais mobilizam são a batalha pela demarcação das terras, a afirmação de
direitos, bem como a luta contra a proposta de lei que quer levar para o
Congresso Nacional a decisão sobre as demarcações. Mesmo disputando vaga nesse
congresso, os indígenas sabem que ali, são a minoria da minoria, e que contra a
bancada ruralista - grande e rica - pouca chance terão naquele campo.
De qualquer forma aí estão as candidaturas que precisam ser
acompanhadas e analisadas, caso algum venha a se concretizar. Até agora, em
nível nacional, a única experiência de um parlamentar indígena foi a de Mário
Juruna, um xavante de Mato Grosso. Ele acabou eleito deputado federal - com 30
mil votos - pelo Partido Democrático
Trabalhista (1983-1987), representando o estado do Rio de Janeiro, na época sob
a liderança de Leonel Brizola.
A ação de Juruna foi muito importante para o povo indígena,
ele foi o responsável pela criação da Comissão Permanente do Índio no Congresso
Nacional, fato que levou a questão indígena ao reconhecimento formal por parte
do governo brasileiro. Conhecido por sua desconfiança na palavra do homem
branco ( gravava todas as conversas e reuniões que fazia) Juruna foi uma
referência ética no congresso, chegando a denunciar publicamente o empresário
Calim Eid, que tentou suborná-lo para que votasse em Paulo Maluf, candidato dos
militares à presidência da república no colégio eleitoral. Juruna recusou o
suborno, denunciou a trama e votou em Tancredo Neves, candidato da oposição democrática.
Apesar de toda a sua ação na defesa da causa indígena,
Juruna não conseguiu se reeleger. Voltou para a aldeia onde morreu em 2002, por
conta do diabetes. Na verdade, durante todo seu mandato a mídia brasileira
buscou transformá-lo num elemento exótico, folclórico e bufão, tratando de ridicularizar
sua estratégia de gravar tudo o que acontecia. Com isso, desviavam o foco do
"problema" que era a figura e a ação de Juruna no Congresso Nacional,
colocando a nu o abandono da causa indígena pelos poderes instituídos. Mas,
quer queiram, quer não, Juruna entrou para a história como aquele que
colocou em pauta o tema da luta indígena no Congresso Nacional em pleno
estertor da ditadura militar. Falando na tribuna, na língua Xavante, Juruna
garantiu que a até então desconhecida voz indígena fosse respeitada, apesar de
todas as tentativas de ridicularização e da, essa sim ridícula, tentativa de
cassação do mandato por conta de ele não falar o "português"
corretamente.