Já faz algum tempo que pessoas que vivem a minha volta
incorporaram a palavra “gratidão” quando querem agradecer alguma coisa... Um
dos argumentos, me disse um amigo, é o de que a palavra “obrigado”, dá um
sentido de obrigação. E que as coisas que as pessoas fazem graciosamente por
alguém não podem obrigar que o outro tenha de retribuir ou pagar. Por isso,
gratidão. Eu, que tenho sangue e alma indígena, nunca gostei muito dessa
explicação. Sigo usando o “obrigada”.
Explico o porquê disso. Na cultura dos povos originários de toda
a franja oeste da América Latina existe um elemento fundante da cultura e do
modo de ser que é a reciprocidade. Ou seja, a cada coisa que alguém faz para
outro alguém, deve corresponder um ato recíproco. Isso quer dizer que o nosso “obrigado”
deveria ser mesmo a promessa de uma obrigação. Fazer pelo outro algo tão bom
quanto foi feito para nós. Porque na cosmovisão originária, a reciprocidade não
é um ato de vontade individual, mas um dever cósmico, coletivo, que reflete a ordem
universal da qual o ser humano é parte. Assim que a reciprocidade também deve
existir entre os humanos, os humanos e a
natureza, os humanos e as divindades. É isso que determina o senso de justiça. A
ética cósmica. Por isso que se dá pago à terra e se oferecem graças aos deuses e
aos animais.
Assim que mais do que nos sentirmos agradecidos, sempre que
alguém nos fizer algum bem, temos de nos sentir obrigados, sim... Obrigados a
estabelecer uma reciprocidade com aquele “bem”, mantendo assim o equilíbrio no
cosmo, na vida.
Falo isso porque hoje percebi que o facebook colocou um
botãozinho de “gratidão”. E fico cá comigo pensando se isso não reforça esse
absurdo individualismo que toma conta de nossa sociedade. Aceitar o “bem” sem
que nos sentirmos obrigados a uma recíproca? Apenas fruir o que nos agrada sem
se sentir obrigado a manter o equilíbrio cósmico? Talvez não, talvez sim...
Sei lá, ainda prefiro a sabedoria ancestral dos meus antepassados, que me é sussurradas na noites
desse meu lugar. E, amorosamente, prefiro seguir com meu “obrigada”, sempre
obrigada a retribuir, de alguma forma, todo o bem que me é dado, seja pelos
humanos, pelos bichos, pela natureza, pelos deuses... Na corda bamba
intergaláctica, equilibrando o cosmo.