quarta-feira, 1 de junho de 2011

Oração de jornalista

Minha oração: Que alegria da sátira se transforme em luta!

As vozes clamam, mas o dinheiro não tem ouvidos!





Os fatos registrados na última semana no Pará mostram claramente, com som e imagem, quem manda neste país. A oligarquia agrária, os grandes fazendeiros, as empresas estrangeiras que se apropriam a cada dia das terras brasileiras. Conforme relatórios da Comissão Pastoral da Terra, hoje, menos de 50 mil proprietários rurais possuem áreas superiores a mil hectares. E são estes os responsáveis pela produção do alimento e pela geração de emprego no campo. São as propriedades com menos de 100 hectares as que produzem 47% da comida que nos mantém vivos e empregam cerca de 40% da mão de obra.

Por outro lado, apenas 1% dos proprietários rurais detém em torno de 46% de todas as terras. Não bastasse essa ínfima minoria tomar conta de quase tudo, dos aproximadamente 400 milhões de hectares que aparecem como propriedade privada, apenas 60 milhões de hectares são usados para plantar comida. O restante das terras está ocioso ou subutilizado. O Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), aponta um dado significativo: existem 100 milhões de hectares de terras ociosas e cerca de 4,8 milhões de famílias sem-terra no Brasil. As grandes propriedades, com mais de 10 mil hectares aparecem nos relatórios como as que participam apenas 4% da produção de alimento e 4,2% de absorção de mão-de-obra.

A pergunta que fica batendo então é: como pode um pequeno grupo que sequer planta comida ou emprega gente ter tanto apoio governamental? Ora, a resposta é simples, eles têm grana e mantém as casas legislativas sob seu comando. No blog “Os donos da terra” (
http://donosdaterra.blogspot.com/), dirigido pelo jornalista Alceu Castilhos, pode-se encontrar muitos desses exemplos. Seja na Câmara de Deputados, seja nos legislativos estaduais, a bancada ruralista é puro poder. Quem duvida veja a votação do código florestal. 420 x 68. Goleada! Isso prova por A + B que o processo eleitoral no Brasil não tem qualquer relação com a democracia. O que vale é a força do dinheiro. E ponto final.

Outra coisa importante que a votação do código mostrou é o quanto as vozes das gentes, o tal do povo que os deputados falam tanto quando pedem voto, não são levadas em consideração para nada. Durante anos, as propostas do novo código florestal foram rebatidas, pessoas se mobilizaram, gritaram, fizeram protestos, especialistas ditaram os males que viriam, pitonisas previam desgraças e nada foi capaz de barrar a vitória dos grandes latifundiários.

Belo Monte é o quê?

Agora, no Brasil, uma nova queda de braço se faz entre a maioria e a minoria endinheirada. O mesmo velho e odioso massacre do capital contra a maioria das gentes. É a construção da Usina de Belo Monte. Quantos relatórios já foram formulados? Quantas análises? Quantos gritos de clamor e desespero já ecoaram na beira dos rios, nas florestas? Mas, o dinheiro é surdo. Não há como ouvir. O lucro de uns poucos (o 1%) vale mais do que a vida de milhares de pessoas que vivem do rio e da floresta. A usina segue em frente, devastando a floresta, alagando as terras, desalojando as famílias. Que farão? Para onde irão? Ninguém se importa. É o preço do progresso. Alguém tem de fazer algum sacrifício. Mas, esse “alguém”, é claro, nunca são os ricos.

Num tempo em que as tecnologias alternativas de energia já são realidades concretas, o Brasil insiste na mesma matriz das usinas gigantes. Elas geram muita energia, é certo. Mas a que custo? O lago de Belo Monte inundará mais de 500 quilômetros quadrados de terra. Destruirá rios, peixes, gentes e territórios sagrados. O lago mudará para sempre o curso do rio Xingu, que na língua kamaiurá quer dizer água limpa. Esse imenso rio, de mais de dois mil quilômetros, que nasce no Mato Grosso e vai até o Pará é sinônimo de vida para milhões de pessoas que vivem nas suas margens. Pois ao custo de 25 bilhões de reais, que engordarão as empreiteiras, o governo pretende construir uma obra que equivale a oito maracanãs. O impacto que a usina vai causar na floresta é a destruição de nove milhões de hectares, equivalente a duas vezes a cidade do Rio de Janeiro. Um gigante de concreto em meio à floresta. Um totem mítico de destruição. As autoridades falam em desenvolvimento. Mas não dizem para quem.

A fala dos indígenas é desprovida de som

Dentre os mais prejudicados com a obra de Belo Monte estão os povos indígenas. Para eles, a destruição das terras e do Xingu é muito mais do que o fim material do espaço de subsistência. O território é também espaço sagrado, é dos rios e matas que nascem os deuses, as coisas benditas. Com a obra, as máquinas não apenas destroem a natureza, elas invadem o mundo interior. Seria - para dar um exemplo que os católicos entendem - algo assim como uma retro escavadeira derrubar a catedral de Aparecida para ali erguer um shopping. Os arautos do progresso fazem vistas grossas a isso. Que importa meia dúzia de índios diante da grandiosidade da obra? Alguém tem de pagar o preço do desenvolvimento. E que sejam os pobres, como sempre. Ainda que seja preciso burlar a própria lei.

Diz a Constituição brasileira, no artigo 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Ora. Então a palavra dos povos indígenas deveria ser ouvida, levada em consideração. Até porque a lei é bem clara, caso haja interesse público da União em fazer uso das terras originalmente ocupadas pelos indígenas, isso só deve acontecer depois de um diálogo com eles. E diálogo pressupõe que os argumentos do outro sejam levados em conta. Não é o que tem acontecido.

Uma pesquisa rápida nos textos e vídeos onde aparece a voz dos povos indígenas sobre a obra já deixa bem claro que eles são contra a construção da usina aos moldes que está sendo pensada, como uma mega obra.

Diz o Cacique Kotoke, vivente no alto Xingu: “Isso aqui acabou o Xingu, né? Esse problema que está sendo feito tá deixando a gente não trabalhar direito e não dormir direito, pensando nisso, no mundo que vamos viver no futuro, se não tiver peixe. Porque vocês estão fazendo isso sem consultar as lideranças? Antes de ser elaborado qualquer documento, tem de ser consultado todo mundo. Eu vou falar aqui diante de todo mundo, das lideranças mais velhas, que já vinham lutando por nossos direitos. Estamos aqui tentando solucionar problema novo. O branco cada dia mais está querendo colocar as dificuldades para nossa comunidade indígena. Só que ele é outra pessoa. Não fala nossa língua. Ele pode tentar explicar para nós, mas nós não vamos entender. Foi criado um estatuto. Não sei quem criou isso. E enquanto a gente está aqui na aldeia, sem saber de nada que está acontecendo lá fora, fizeram estatuto. A lei do índio. Isso pegou nós também. Eu acho muito errado se o presidente da Funai fez isso. Ele tinha que ter vindo aqui consultar nós, as 14 etnias. Foi assinado pelo presidente da Funai, pelo presidente Lula. Lula nem chegou aqui para conhecer nós, a gente nem chegou a pegar a mão dele. E vem querer se meter na vida da gente?
(
http://www.youtube.com/watch?v=lW8E3WuKUqc&feature=fvst).

Até mesmo o programa Fantástico, da Globo, ao ouvir a voz indígena, ainda que de forma ritual, numa frase, se depara com a preocupação: “tem muitas crianças que quando chegar na idade adulta já vão encontrar o rio seco”.
(
http://www.youtube.com/watch?v=E4TUY5AJvC4).

Ao passar cada um dos vídeos que estão disponíveis na internet, pode-se perceber a perplexidade de uma gente que a lei brasileira acostumou a tutelar. Eles falam da obra, estupefatos, como se fosse impossível que o governo não os ouvisse, embora seja centenária a falta de cuidado e a mentira praticada pelo estado nacional. Ainda assim, mesmo perplexos, eles se dispõe a lutar. “Estamos preparados para o que der e vier. A gente já fez vários movimentos para chamar atenção do governo e a gente não vai recuar. Vai partir pra cima também pra mostrar como é o dia a dia das comunidades das áreas indígenas”. Em Altamira diz uma mulher das comunidades ribeirinhas, “A barragem vem trazer muita destruição pra nós”. “Aqui tem o milho, o arroz, o feijão, tem o cacau, que é como uma vaca de leite. Todo dia você tira e todo dia tá vindo”. Diz o Cacique Onça: “E se o rio secar, o que vão fazer conosco. Sem água a caça vai embora, não vai ter peixe nem água pra beber.
(
http://www.youtube.com/watch?v=aFrQ5CkxZkg).

No contraponto com a voz indígena aparece a do ministro Edson Lobão, afirmando categoricamente que a obra não vai prejudicar nem os índios nem o meio ambiente. “É de interesses nacional e preserva o meio ambiente”. Quanto cinismo. O ministro diz ainda que as reservas indígenas estão longe de Belo Monte, a mais perto ficando a 31 km. “Existem 2.500 índios para cerca de dois milhões e 500 mil hectares”. Insinua assim que é muita terra para pouco índio, mais uma vez desconhecendo o modo de vida e fazendo pouco da forma de organização das comunidades. Belo Monte produzirá 11 mil mega watts, diz o ministro. E isso basta para que milhares de pessoas percam seu mundo. (
http://www.youtube.com/watch?v=OkJfV4GqOA4)

Enquanto isso clamam as vozes como a de Sheila Juruna. “Estamos sendo desrespeitados no direito de sermos ouvidos. Nós queremos que todo o povo indígena seja ouvido para colocar nossa opinião contrária, dizer por que não tem viabilidade econômica, e não viabilidade social nenhuma.

No vídeo “Povo do Xingu contra a construção de Belo Monte”, as vozes se sucedem. “É minha terra, não é de Lula”, grita uma mulher magrinha, pintada para a guerra. “O que nós queremos? Que a mata, as florestas, a terras, os animais continuem vivos para servir nossa alimentação”, diz Amiloty Kayapó. “Nós temos filhos, netos, crianças e adultos e vivemos na floresta, nossa terra. Precisamos da floresta. Por isso eu, como mulher, estou lutando junto com os homens para impedir a construção da barragem de belo monte. Aqui no parque tem 15 povos. Diminui o volume da água, e a reporodução dos peixes”, diz Iredjo Kayapó

O Cacique Megaron Kayapó resume a dificuldade que enfrentam: “esse nosso movimento é para mostrar para as pessoas que as vezes não entendem muito nosso costume, como nós vive, de que nós vive. E nós, indio, depende do rio, depende da floresta, depende da terra para poder sobreviver. Na terra nós planta, na floresta nós caça e no rio tem os peixe que nós pesca pra alimentar nossa familia”. Também assim se manifesta o cacique Raoni: “Eu não quero a construção da barragem. Por que? Porque eu quero que o rio continue com vida, igual a nós. Eu quero que peixes, animais e outros seres vivos continuem vivendo em paz”.

Fala o Cacique Sadea Juruna, “se Belo Monte for construido muitas coisas vão ficar diferentes. O peixe vai desaparecer. O alagamento vai fazer o peixe se espalhar e vai ser difícil. Vai matar tudo o que a gente tem”. Diz Watatakalu Yawalapiti, “o índio não aguenta comer arroz e feijão, refrigerante, todo dia. Ele vive do beiju e do peixe. Minha comunidade vive do peixe. Morreu o Xingu a gente também morre junto. O rio é nossa vida, é tudo pra nós. Os brancos criaram uma lei que dizia que antes de fazer qualquer coisa em área indígena eles consultariam os indigenas”. E assim vai! Então, como é possível que essas vozes não sejam levadas em conta? Por que os desejos e o modo de vida destes povos não são respeitados. Por que é tão difícil entender sua lógica? É como diz um destes habitante das matas: “vocês não usam o mercado? Pois o nosso mercado é o mato, a água, a terra. É com isso que a gente sobrevive”.

Mas, apesar de todas as vozes clamarem contra a obra, ela segue seu curso. O gigante de concreto vai crescer em meio à floresta. Destruindo, devastando, apagando a vida. A menos que o povo unido pare Belo Monte. Mas tem de ser com todos juntos, estudantes, sindicalistas, lutadores sociais. Esta não pode ser uma luta só dos índios ou dos ribeirinhos. Ela tem de ser uma luta de todos. Ou a gente se move ou o futuro cobrará a fatura. Logo ali na frente...

O choro de Raoni não deve servir para comiseração, mas para ódio, ódio são, contra os vilões.. como já dizia Cruz e Souza!

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Festa no Campeche



Eita povo que gosta de fazer festa/política/luta
Viva o Campeche!
Via o sul da ilha,
que está cada dia mais afinado
na Aliança Popular do Sul pela Natureza
Todo mundo no Pacuca neste dia 05.

domingo, 29 de maio de 2011

O reencontro dos Dinossauros

De repente, num mesmo lugar, pelo menos quatro geração de jornalistas. E só uma delas (a dos estudantes da UFSC que faziam a cobertura) não viveu as emoções de um mundo em que a estrela era a máquina de escrever e o tempo era espremido e esticado ao bel prazer da notícia. Foi coisa bonita de ver. Amigos, adversários, representantes dos patrões, todos unidos por um sentimento de pertencimento que extrapolou as relações de classe e os pré-conceitos. Ter passado pelo jornal O Estado unificou o que, na vida real, nada unifica. A noite foi só sorrisos e rememoração.


Tanta história de um jornal que deixou sua marca na cidade e que seguiria firme não fosse a agressiva chegada da RBS, atrelada a incompetência do dono. Praticamente nenhum jornalista que se prezasse deixava de começar sua carreira no mais antigo. Cada um dos que ali se abraçaram naquela noite sem igual estavam cheios de boas lembranças de um tempo em que não havia google, nem internet e a notícia, ainda assim, chegava na casa do florianopolitano de manhã bem cedinho. Uma informação sobre a história levava algum tempo sendo rastreada nas salas do arquivo, a fotografia precisava de um bom tempo para ser revelada, lavada e enfim, aparecer no papel. A diagramação se fazia cara-a-cara com o diagramador, que tinha nome e sobrenome. E a redação era uma enorme sala, onde as editorias se espremiam, todas, separadas apenas por linhas imaginárias. Não é sem razão que em noite de frio, eu acorde, com os ouvidos cheios daquele adorável ruído das teclas no papel.


Os repórteres saiam em grupos nas lendárias Kombis, algumas delas com buracos no chão. E nos finais de tarde, ficavam, fazendo ponto nas esquinas, esperando que o motorista passasse, tal qual num filme de Harry Potter, para nos levar a um mundo de magia e encanto, de um jornalismo feito no peito e na raça, para além dos patrões.


Eu ali cheguei em 1988, quando o Paulo Dutra já começava a fotografar com sua maquininha de mão, deixando os repórteres em polvorosa. Pude vivenciar a beleza do trabalho coletivo numa editoria comandada pelo P.J. , um português amoroso e chefe inesquecível, desses que não existem mais. Naqueles dias a ilha fechava por volta das cinco da tarde, premida por um engarrafamento monstro na ponte Colombo Sales, a única em funcionamento, e eu me enchia de aflição para chegar, do Figueirense ao jornal, temendo levar algum furo. É que, por conta do rolo do trânsito, eu tinha de sair mais cedo dos treinos. Pois o PJ ficava com o ouvido colado no radinho, escutando as notícias da Guararema, e pronto a me salvar, caso eu chegasse sem informação. Nunca em minha vida esquecerei aqueles gestos de profunda solidariedade e companheirismo. E foi tão bom vê-lo outra vez, com mesmo sorriso de menino e aquele sotaque delicioso.



Por essas e outras o encontro dos Dinos só trouxe alegria para o coração. Tanto que, parado em um canto da sala, o grande jornalista Ademar Vargas, ria sem parar, deliciado, hipnotizado, repetindo, como um mantra: “que coisa mais bonita”. Seu contentamento me levou ás lágrimas. Velhos amigos, amigos velhos, gente de cabelo branco, de barriga grande, gente loira (que nem era), gente de todas as cores políticas, gente que nunca foi amigo. Sob a sala, repleta de jornalistas, pairava algo mais do que a simples recordação de um espaço de trabalho – tão explorador quanto qualquer outro que tivemos ao longo da vida. Era o espírito do jornalismo, aquele que se fazia com sangue, com dedicação, com responsabilidade, com paixão, com amor, com presteza. Um jornalismo que tinha como principal tarefa contar à cidade sobre a cidade. Levar as notícias que realmente tinham significância... Muitas vezes não logramos, mas outras sim. E isso agora já não importa.


O que vale é que numa noite fria de um maio, jornalistas de velhos tempos se encontraram, se abraçaram e celebraram – cada um do seu jeito – essa coisa doida que é narrar a vida.


Foi bom demais!