De repente, num mesmo lugar, pelo menos quatro geração de jornalistas. E só uma delas (a dos estudantes da UFSC que faziam a cobertura) não viveu as emoções de um mundo em que a estrela era a máquina de escrever e o tempo era espremido e esticado ao bel prazer da notícia. Foi coisa bonita de ver. Amigos, adversários, representantes dos patrões, todos unidos por um sentimento de pertencimento que extrapolou as relações de classe e os pré-conceitos. Ter passado pelo jornal O Estado unificou o que, na vida real, nada unifica. A noite foi só sorrisos e rememoração.
Tanta história de um jornal que deixou sua marca na cidade e que seguiria firme não fosse a agressiva chegada da RBS, atrelada a incompetência do dono. Praticamente nenhum jornalista que se prezasse deixava de começar sua carreira no mais antigo. Cada um dos que ali se abraçaram naquela noite sem igual estavam cheios de boas lembranças de um tempo em que não havia google, nem internet e a notícia, ainda assim, chegava na casa do florianopolitano de manhã bem cedinho. Uma informação sobre a história levava algum tempo sendo rastreada nas salas do arquivo, a fotografia precisava de um bom tempo para ser revelada, lavada e enfim, aparecer no papel. A diagramação se fazia cara-a-cara com o diagramador, que tinha nome e sobrenome. E a redação era uma enorme sala, onde as editorias se espremiam, todas, separadas apenas por linhas imaginárias. Não é sem razão que em noite de frio, eu acorde, com os ouvidos cheios daquele adorável ruído das teclas no papel.
Os repórteres saiam em grupos nas lendárias Kombis, algumas delas com buracos no chão. E nos finais de tarde, ficavam, fazendo ponto nas esquinas, esperando que o motorista passasse, tal qual num filme de Harry Potter, para nos levar a um mundo de magia e encanto, de um jornalismo feito no peito e na raça, para além dos patrões.
Eu ali cheguei em 1988, quando o Paulo Dutra já começava a fotografar com sua maquininha de mão, deixando os repórteres em polvorosa. Pude vivenciar a beleza do trabalho coletivo numa editoria comandada pelo P.J. , um português amoroso e chefe inesquecível, desses que não existem mais. Naqueles dias a ilha fechava por volta das cinco da tarde, premida por um engarrafamento monstro na ponte Colombo Sales, a única em funcionamento, e eu me enchia de aflição para chegar, do Figueirense ao jornal, temendo levar algum furo. É que, por conta do rolo do trânsito, eu tinha de sair mais cedo dos treinos. Pois o PJ ficava com o ouvido colado no radinho, escutando as notícias da Guararema, e pronto a me salvar, caso eu chegasse sem informação. Nunca em minha vida esquecerei aqueles gestos de profunda solidariedade e companheirismo. E foi tão bom vê-lo outra vez, com mesmo sorriso de menino e aquele sotaque delicioso.
Por essas e outras o encontro dos Dinos só trouxe alegria para o coração. Tanto que, parado em um canto da sala, o grande jornalista Ademar Vargas, ria sem parar, deliciado, hipnotizado, repetindo, como um mantra: “que coisa mais bonita”. Seu contentamento me levou ás lágrimas. Velhos amigos, amigos velhos, gente de cabelo branco, de barriga grande, gente loira (que nem era), gente de todas as cores políticas, gente que nunca foi amigo. Sob a sala, repleta de jornalistas, pairava algo mais do que a simples recordação de um espaço de trabalho – tão explorador quanto qualquer outro que tivemos ao longo da vida. Era o espírito do jornalismo, aquele que se fazia com sangue, com dedicação, com responsabilidade, com paixão, com amor, com presteza. Um jornalismo que tinha como principal tarefa contar à cidade sobre a cidade. Levar as notícias que realmente tinham significância... Muitas vezes não logramos, mas outras sim. E isso agora já não importa.
O que vale é que numa noite fria de um maio, jornalistas de velhos tempos se encontraram, se abraçaram e celebraram – cada um do seu jeito – essa coisa doida que é narrar a vida.
Foi bom demais!