Os velhos são lentos, mas não são idiotas
Sempre me encantou a cidade de Porto Alegre. Desde que me
lembro, é muito comum ver os velhos circulando pelas ruas, no comércio e
principalmente nos restaurantes. Geralmente são aqueles que vivem sozinhos os
que têm o costume de comer fora, por conta da comodidade. E é bacana ver como
os restaurantes estão completamente adaptados à presença dessas pessoas que, ao
contrário dos adultos, são lentas e, por vezes confusas. Sempre há um
trabalhador pronto para ajudar, e no mais das vezes, sorridente e prestativo.
Mas, penso que isso é uma raríssima exceção. No geral, as
pessoas tratam muito mal os velhos, ignorando que eles estão num outro patamar
da realidade, completamente diferente da loucura que já foi incorporada pela
maioria das gentes, desse mundo acelerado e tecnológico. No serviço público, a
situação é lamentável. Outro dia, levei meu pai a UPA do Sul, por conta de uma
febre de 29 graus. Ele tem 85 anos e sofre do mal de Alzheimer. O enfermeiro
que o atendeu para a triagem pediu que ele colocasse o termômetro embaixo do
braço. E o pai completamente confuso, atarantado pela febre, deixava o
termômetro cair. Foi assustadora a reação do rapaz. Falou com o pai de maneira
desrespeitosa, voz alta, ríspido.
-Eu já coloquei esse termômetro três vezes, tem de segurar.
Pois não via ele que ali estava um velhinho doente? Não
podia ter um pouco de paciência? Não! Não teve o cuidado de tratar com carinho
alguém que não estava no seu normal. E
que nem fosse carinho, mas com um pouco de respeito pela condição da pessoa
idosa.
Da mesma forma são absurdas as regras do SUS. Para marcar
consulta o velho tem de ir até o Posto, ficar na fila, às seis da manhã. Tem a
opção de marcar pelo telefone, mas no geral é para dois ou três meses. Logo, se
quer ser atendido tem de ir para a fila. Não importa se está doente, se não
pode caminhar, se está com febre. Também o remédio de uso contínuo só pode ser
retirado pelo paciente, “para evitar fraudes”. E olha que nunca uma palavra
significou tão bem: paciente. Haja paciência para lidar com tudo isso. Quem
mora longe do posto, e não tem carro, cada vez que precisa pegar o remédio tem
de carregar o velhinho, todo estropiado, pelo transporte desintegrado. Um
absurdo. Com certeza deve ter uma forma mais humana de lidar com isso sem dar
moleza para a fraude.
Mas um dos lugares onde o velho mais padece é no banco.
Obrigado que é a receber sua aposentadoria nessas malditas casa de usura, lá
vai ele todo o mês para retirar seu pagamento. Os mais velhos não conseguem
acompanhar a loucura da informatização. E por mais que o funcionário explique,
a coisa é incognoscível. Experimente tentar ensinar como é que retira o
dinheiro aplicando a senha de 4 dígitos, depois a senha de letras e números e
toda aquela sorte de botões. Não dá! É impossível. Outro dia vi uma velhinha
chorado copiosamente, dizendo: “não entendo, não entendo”. E não podia entender
mesmo, e o funcionário fazendo cara de paisagem. Por que, com todos os
caralhos, não capacitam essa gente para lidar com os velhos? Isso deveria ser
prioridade num país onde o número de velhos aumenta significativamente a cada
ano.
Tenho andado por aí com meu pai e vivenciado essas
experiências todo o dia. É de arrasar. Porque a gente fica pensando que um dia
também vai chegar nossa hora e teremos de igualmente viver toda essa sorte de
humilhações e desrespeitos.
O velho pertence à classe dos homens e mulheres lentos. Tudo
neles é pausado, tranquilo, vagaroso. Eles demoram a decidir a comida, eles demoram
em entender as sentenças imperativas, eles se confundem com os sinais, as
placas, eles param no meio da rua para olhar os passarinhos, eles escutam, mas
por vezes não ouvem, eles se distraem com uma música, eles caminham bem
devagar, eles são frágeis e precisam que as pessoas lhe toquem o braço, sorriam
e repitam várias vezes as mesmas coisas, sem exasperação, sem rispidez, sem
pressa. Eles não são crianças, para serem tratados como bebezinhos. São velhos.
Portanto precisam que as pessoas os reconheçam na sua capacidade e autonomia.
Estão baleados, mas ainda sabem quem são. Estão confusos e lentos, mas ainda
podem tomar decisões sobre as coisas. Só demoram um pouco mais.
Fico pensando que, talvez, quando os capitalistas
descobrirem que os velhos são também “consumidores”, quem sabe comecem a mudar
a forma de atender, respeitando essa diferença. Mas, seria bom que as pessoas
já pensassem sobre isso e começassem a mudar no trato com eles. Não custa nada
desacelerar e ouvir delicadamente a confusão. Depois, ir desenrolando o novelo
da desordem, com carinho e atenção. Veja o velho como um espelho. Ele é tu
amanhã.
E a considerar a reforma da Previdência que o governo Temer está planejando para os brasileiros, o destino de todos os trabalhadores será esse: de sofrimento, miséria e desrespeito. Barrar a reforma é preciso, mas ainda há muita estrada para caminhar no que diz respeito ao cuidado com os velhos do Brasil.