sexta-feira, 23 de outubro de 2015

As eleições na UFSC





As eleições na UFSC sempre que termina um processo eleitoral na UFSC fica aquele gosto amargo. E não faltam as tentativas de buscar culpados para a derrota. Não creio que seja o caso. Não se trata de culpa, mas de posições diante da vida, e responsabilidades perante o futuro. 


Meu candidato era o Irineu, assim como já fora na eleição passada. E o meu voto era dele não porque ele é um cara generoso, humano, competente, sensível e gentil. Essas qualidades do Irineu são adoráveis, mas não foi o que determinou meu voto. O que fez eu apertar o 85 foi o projeto de universidade que a chapa Irineu e Mônica estava disposta a defender.


A candidatura do Irineu não nasceu do “movimento” da UFSC, bem como nenhuma outra nasceu daí. Esses movimentos de estudantes, técnicos e professores andam fracos, batem em questões particularistas, e expressaram sua fraqueza na incapacidade de propor e construir uma proposta totalizadora para a UFSC.  Assim, foi a partir de sua vivência de universidade que Irineu assumiu as pautas mais corajosas e progressistas – também defendidas pelo movimento  - numa UFSC cada dia mais na direção do atraso.


Durante a greve das 30 horas realizada pelos técnicos em 2014, ele esteve nas assembleias e acompanhou o processo. Não é da natureza dele fazer alarde sobre suas posições, mas sua presença constante deixava claro que ele apoiava o movimento. Por isso soa tremendamente desonesto dizer que ele não se importou com a greve das 30 horas. Ele não só se importou como acompanhou cada passo e foi dali que nasceu sua proposta mais polêmica: a de defender de maneira radical a aplicação das 30 horas para todos. Não é sem razão, portanto, que sua derrota entre os professores tenha sido significativa. Qualquer trabalhador técnico-administrativo sabe o terror que a ideia das 30 horas causa na categoria docente, em sua ampla maioria. Para grande parte dos professores, técnico não está aqui para pensar ou decidir e isso se expressou muito bem durante a greve do ano passado.


Irineu também ousou defender a democracia na UFSC, portanto, bem longe da tendência cada dia mais reacionária da aplicação dos 70/30 para a tomada de decisões sobre quem pode ser reitor ou reitora. E mais, Irineu apontava para a democratização das demais instâncias, discutindo a mudança na porcentagem da representação. Outro terror para a categoria docente. Imaginem permitir que técnicos e estudantes tenham voz paritária nos colegiados e conselhos. Heresia! Heresia.


Irineu igualmente se colocou frontalmente contra a proposta de privatização da universidade e do seu Hospital Universitário. Mas, na semana em que o Congresso votou a liberação da cobrança da pós-graduação nas universidades públicas, quem acreditaria que a maioria docente votaria num candidato que se colocava contra isso? Ilusão. Havia ainda a postura firme contra a polícia no campus e a discussão de outra proposta de universidade, no âmbito da universidade necessária, não necessariamente brigando com o privado, mas firmemente pública e de qualidade. 


Por isso que, para mim, o que parecia muito claro era que a disputa aqui no campus não se tratava de observar quem era o mais queridinho, mas sim quem estaria à altura de defender o vertiginoso processo de privatização das universidades, cada dia mais perto. Para os professores, que votaram em massa no candidato De Pieri, representante do CTC e dono de um Curriculo Lattes bem gordinho, não poderia haver dúvidas. O Irineu era o cão chupando manga. Claro que o fato de ele ter sido técnico pesa, mas a coisa não foi tão prosaica assim. Foi política, e muito bem pensada. Tanto que das campanhas, a menos visível foi a de Dei Pieri. Nem precisava ser visível. Os votos estavam seguros por conta do perfil conservador dos professores e de boa parte dos alunos, que também votaram nessa proposta. E como o voto dos docentes vale mais do que o dos técnicos e dos estudantes, o resultado não poderia ser outro. De Pieri era também o candidato da Apufsc, a associação dos professores que resolveu fazer uma votação paralela, para registrar que, para aquele grupo, valeria o 70/30. E na sua votação venceu De Pieri.


No campo mais progressista entre os técnicos, estudantes e professores a discussão também foi muito rasa. Houve pouco engajamento dos grupos organizados, étnicos, de gênero, estudantis e dos técnicos, alguns chegando a mais confundir mais do que esclarecer seus membros. A campanha “não empolgou”, diziam. As pautas particularistas não conseguiram alcançar a totalidade e não houve a percepção de que o futuro privatizante era o que estava em jogo.


O resultado agora está dado, duas chapas que tem posições muito parecidas sobre os temas mais quentes tais como a Ebserh, o 70/30, as trinta horas, o fechamento do campus e o modelo de universidade. Qualquer um deles levará adiante a proposta definida pelo Banco Mundial.


A nós, resta seguir na luta, apesar de todas as divisões, arestas e divergências que se mostraram transparentes nessa eleição, mas que precisam ser pensadas e superadas para que nós mesmos possamos avançar no rumo da universidade que necessitamos. 


Quanto ao segundo turno, não há opção. Voto nulo!

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A indústria da morte



Por Eduardo Marinho

Há pouco tempo um grupo de psiquiatras britânicos diagnosticou uma nova psicopatia, a ortorexia, que consiste na obsessão de algumas pessoas em comer alimentos puros, rejeitando qualquer comida industrializada, químicas, coloridas, aromatizadas. A indústria alimentícia não brinca em serviço. As informações sobre a nocividade da "alimentação" industrial são restritas aos pequenos grupos mais informados, os preços de orgânicos e integrais são proibitivos à maioria. Os transgênicos estão nas prateleiras dos mercados, nas bebidas, em toda parte consumidos, na ignorância das inúmeras experiências catastróficas com animais, jamais divulgadas.

A diferença que deve ser levada em conta é o fato de antes tudo isso passar batido, sem questionamentos. Agora se fala no assunto, ainda de forma restrita a pequenos grupos que eu chamo de embrionários. O processo é lento, mas não pára, todo o tempo. Não podemos mudar o mundo, mas o mundo está em mutação permanente, desde que apareceu no universo. Ninguém vai "mudar o mundo", mas todos participam das mudanças que acontecem sem parar. Cabe a nós escolher como participar ou participar do jeito que somos condicionados, induzidos com mentiras bem pregadas em nosso inconsciente.

E participar como queremos requer uma faxina interna nos quereres que temos, pois a esmagadora maioria é produzida por profissionais do inconsciente e implantada pela mídia, pela cultura do consumo, pelo ensino enquadrador que impede a formação de senso crítico. Perceber os nossos próprios condicionamentos requer humildade, sinceridade e profundidade, raridade numa cultura social onde prevalece a forma sobre o conteúdo, tarefa nada fácil, mas fundamental no caminho da tomada de consciência. A conscientização é uma tarefa permanente, não há um ponto de chegada, o caminhar é o destino.

Nada de tão novo assim.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O repórter e a rua





Claudia, Raquel e Viviane
guerreiras!










 














Nesses tempos internéticos, quando os jornalistas preferem escrever suas matérias apenas consultando o google ou fazendo entrevistas por email, as professoras do Curso de Jornalismo da Unisul, Raquel Wandelli, Cláudia Reis e Viviane Bevilacqua, insistem nas velhas práticas de repórter, que nada mais são do que o encontro amoroso com as gentes e as ruas.
 

Na noite dessa terça-feira (20 de outubro) elas levaram a turma do segundo ano para um passeio pelo centro da cidade, buscando realizar a beleza do corpo-a-corpo com a vida, como diria o grande repórter João Antônio. E o que vivenciaram foi o assombramento que só é possível para aqueles que saem de suas zonas de conforto e se embriagam da existência vertiginosa dos caminhos da margem.
 

A aula ao ar livre começou no coreto da Praça XV, esquecido espaço de retretas e alegria. Hoje ele serve de cama para um bom número de moradores em situação de rua. Pedindo licença para os que ali ajeitavam suas poucas coisas, os estudantes chegaram, meio tímidos. Licença dada, Raquel começou sua fala, contando da experiência de observar a vida das ruas que começou lá longe, na França, com os famosos “flâneurs” (caminhantes)  e que, depois, foi tomando corpo como uma prática jornalística. 

No Brasil temos bons exemplos como João do Rio, João Antônio, Marcos Faermann, Eliane Brum.

Depois, os alunos apresentaram cantos e falas, tudo relacionado a esses que, nas ruas, são invisíveis para o jornalismo normótico, acostumado às salas acarpetadas e às fontes oficiais. Enquanto tudo isso acontecia, os moradores de rua foram se aproximando. Mais um pouco e eles já estavam sentados no coreto, junto com a turma. E um pouco mais, estavam falando e contando suas histórias, ensinando sobre a vida e sobre ser quem são. Foi um momento mágico. Estava feito o encontro, essa coisa bela em que um olha para o outro, sem medo.


Percival, Caveira, Gê, Junior, Lúcifer e outros tantos que ali foram se acercando estabeleceram a relação de confiança. Famintos de palavras e atenção, eles transformaram a aula em espaço de diálogo fraterno e terno. Teve de tudo, discursos, emoção, lágrimas, risos, canto, chuva, vento fresco. E os estudantes puderam perceber que há múltiplos universos circulando na vida real e que é ali que moram as histórias e os seres mágicos que constroem o mundo. 


Depois de trocas e abraços, a turma seguiu caminhando pela Praça XV, descobrindo os lugares já mortos, desaparecidos, como a feira hippie que vicejava no meio da Praça, ou o Miramar, cujo fantasma se levanta em frente ao antigo terminal de ônibus. Caminhando pelas ruas, eles foram descobrindo uma Florianópolis antiga, mas que ainda vive na memória, uma cidade tomada, tirada das gentes. Depois circularam pela Travessa Ratclif, onde ainda resiste parte da vida cultural.
 

Flanando na noite fresca, os futuros jornalistas foram tocados pela asa do repórter, esse ser que pergunta, que questiona, que narra. Esse ser que caminha pelas ruas, pelas margens, pelos cantos escuros onde ninguém quer passar, que destapa as mentiras, que descortina verdades. O repórter, esse inconformado, esse contador de histórias que, ao contá-las, diz do mundo inteiro. O repórter, o ser das ruas, da vida real. E tanta magia se fez que até se pode ver o espírito o Mosquito (Hamilton Alexandre), um desses históricos caminhantes da cidade, que andava sempre com seu notebook na mão, auscultando a vida do Desterro.

A aula de Raquel, Cláudia e Viviane foi uma dessas coisas inesquecíveis, que só acontecem porque ainda há os que insistem no jornalismo real, esse que analisa o dia, que busca na vida mesma a essência do que se pode narrar. 



Convidada que fui para falar de minha prática, sempre pautada nesse suporto de que a rua ainda é o melhor lugar para buscar histórias, eu pude viver esse momento. Agradeço! Foi lindo!

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Eleições na UFSC e tentativas de retrocesso democrático









 


Por Lauro Mattei - Professor do curso de Graduação em Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC

As eleições para Reitor das IFES foram normatizadas pela Lei 5.540/1968, durante a vigência do Regime Militar. Esta lei estabeleceu um processo formal de escolha por parte das instituições federais na proporcionalidade de 70% para docentes e 30% para as demais categorias (TAEs e Estudantes). Em 1995 (Lei 9.192) e em 1996 (Lei 9.394) essa norma de 1968 sofreu algumas alterações, porém mantendo-se intacta a proporcionalidade acima referida, a qual vem sendo cumprida pela UFSC em todos os processos de escolha formal dos novos reitores.


O que precisa ficar claro é que esta norma diz respeito apenas ao processo de consulta formal que tradicionalmente é realizado pela instância deliberativa máxima da universidade, que no caso da UFSC é o Conselho Universitário. O CUn elabora a lista tríplice que é enviada ao MEC que designará posteriormente o novo Reitor. 


Outra coisa distinta é a consulta informal, que na UFSC já vem sendo realizada desde o ano de 1983. Tal consulta não precisa obedecer qualquer normal legal de proporcionalidade definida em lei, ficando ao encargo da instituição e das demais formas de representação da comunidade universitária a definição das regras da consulta eleitoral. Tanto é assim que desde aquele ano (1983) até hoje é utilizada a proporcionalidade de um terço para cada categoria (Professores, TAEs e Estudantes) que faz parte da comunidade universitária. Registre-se que a grande maioria das IFES do país realiza a consulta informal nestas mesmas condições, sem nunca ter havido problema de natureza legal.

Numa atitude clara de desrespeito a essa trajetória histórica de escolha dos dirigentes da UFSC, a APUFSC estará realizando uma consulta paralela nos dias 19.10 e 20.10.2015, dias que antecedem a eleição para Reitor marcada para 21.10.2015. Esta consulta, na verdade, é uma clara tentativa de impor à Consulta Informal as regras da Consulta Formal definidas pela lei do Regime Militar, ou seja, que os votos dos professores representem 70% do processo. Para tanto, até ação na justiça foi ajuizada contra o processo eleitoral que será realizado no dia 21.10.2015, além de abaixo assinados que circularam pela universidade sob responsabilidade dessa organização
sindical.


No geral, exige-se que as eleições sejam feitas na proporcionalidade de 70% dos votos para os professores e 30% para as demais categorias (TAEs e Estudantes). Além disso, afirmam que se recusam a participar de qualquer processo eleitoral que não esteja de acordo com os preceitos legais definidos pela Lei 9.192. Neste contexto, vejamos a posição sobre este assunto por parte de alguns candidatos atuais ao cargo de Reitor:

Chapa 81: candidato Claudio Amante. Na época da definição dessa posição da APUFSC ele era vice-presidente da entidade e nada consta sobre posicionamentos seus contrários a esta atitude que para mim representa um retrocesso em relação ao processo eleitoral vigente na UFSC desde 1983.

Chapa 82: Candidato Luis Carlos Cancellier votou contra a paridade durante a reunião do CUn que estabeleceu as regras da consulta atual, numa clara atuação em defesa da proposição da APUFSC.


Chapa 84: Candidato Edson Roberto de Pierre assinou o manifesto defendendo o peso de 70% para os professores e, mais ainda, afirmou que não participaria de nenhum processo eleitoral que não estivesse embasado na Lei 9.192/95.


Assim, para essas três candidaturas o processo eleitoral, em termos de participação de cada eleitor, seria: 1 voto de um professor corresponderia a 88 votos de um estudante e a 6 votos de um TAE. Você acha isso democrático? 


Na trajetória das sociedades observa-se que a atuação do homem sempre foi no sentido de aprimorar seus conhecimentos e suas formas de organização societária visando o aperfeiçoamento democrático. Neste sentido, entendemos que a atitude da APUFSC no processo eleitoral atual vem na contramão da história e, particularmente, da própria história de construção da democracia na UFSC.


Por isso, conclamo a todos os segmentos integrantes da UFSC que desejam manter e ampliar a democracia a rejeitar mais esta tentativa de Retrocesso Democrático, a qual também encontra guarida nas candidaturas acima mencionadas.