Voltar para casa depois de um dia inteiro na loucura do
trabalho deveria ser uma bênção. Em Florianópolis, não é. Não para quem mora no
interior da ilha, na região mais empobrecida. Enquanto moradores dos bairros
mais próximos como Estreito, Coqueiros e Itaguaçu têm ônibus saindo de cinco em
cinco minutos, quem vive no sul, por exemplo, amarga longa espera que pode
variar de 20 até 50 minutos. Tempo demais para quem perde mais de duas horas
num percurso de 23 quilômetros. Nessa hora vale falar mal do capitalismo, o
estado, a classe dominante e todo o processo de produção que consome o
trabalhador, extrai sua mais-valia e ainda o expulsa para as periferias das
cidades. Mas, afinal, há que enfrentar o terrível cotidiano.
Nessa hora de angústia também nos assalta o terrível desejo
de entrar no “confortável” mundo das drogas que, de certo, nos alienaria,
permitindo que fizéssemos a travessia do inferno em relativa calma. Mas, essa é
uma péssima opção, porque pode nos levar a outros infernos, ainda mais quentes.
Então. Ao longo desse interminável calvário desenvolvi algumas técnicas que me
permitem adentrar à loucura do Terminal Urbano depois das seis horas e chegar,
intacta, em casa, sem nenhum surto de violência ou colapso mental.
Dez dicas infalíveis:
1 - Como o Terminal Urbano Central é a primeira
parada - vindo da UFSC – e a passagem
integrada tem validade de uma hora, a melhor coisa a fazer é sair do terminal e
dar uma volta rápida pelo centro. Espairecer. Cinco minutos de pernada pela
Conselheiro, Felipe e a gente já se anima.
2 - Uma paradinha no
quiosque amarelo em frente ao camelódromo para uma cerveja, enquanto observamos
a massa de gente fluir para o terminal. É bom ver aquele movimento todo, as
pessoas, a correria. Aí, com a breja, tu já fica tontinho e pode atravessar o
terminal no meio da multidão. Ants era no Mercado Público, mas agora, lá, virou
ponto da burguesia e o bolso não alcança.
3 – Desenvolver técnicas ninja de ultrapassagem de pessoas, evitando
amassamentos, cotoveladas e empurrões. Não é bolinho chegar até a fila do Rio
Tavares. É preciso muito treinamento Jedi, mas isso pode ser conseguido nos
finais de semana.
4 - Ter sempre à mão um mp3, com pelo menos mil músicas da
sua preferência, todas em português ou espanhol, para que possas cantar bem
alto, enquanto espera na fila pelo ônibus no qual irás sentado. O que significa
que passarão quatro ou cinco carros até que chegue a tua vez. Cantar espanta os
demônios. Nessa hora também vale balançar o esqueleto.
5 – Ter sempre na bolsa um bom livro para ler porque a
jornada é longa. Com os engarrafamentos no elevado e na SC 405, muito tempo
passará e certamente um “Crime e Castigo” vai todinho. Tem que ser um bom trabalho
de descrição que é para agitar o cérebro. Há quem prefira ficar olhando o
celular, mas isso não é legal, perturba demais a mente. Melhor um livro, melhor
um livro.
6 – Carregar sempre um casaco na bolsa, mesmo no verão,
porque a ventania no Terminal Rio Tavares é pura pankeira e não dá para
enfrentar o vento suli de cara.
7 – Já no terminal Rio Tavares comprar um chá de mate para
sorver enquanto espera mais trinta minutos pelo terceiro ônibus. Nesse momento,
pode-se misturar o chá ao ponto 4, ouvindo música, e cantando enquanto não
sorve o líquido energético.
8 - Depois que entrar
no Castanheira, último carro da odisseia, basta esperar que chegue, enfim, o
ponto perto de casa. No trajeto – de 30 minutos - vá olhando as casas, os condomínios em
construção, as pessoas com suas caras tristes, afinal, é sempre bom manter-se
firme na realidade.
9 - Por fim, em casa, abrace os gatos e brinque com os
cachorros. Eles te darão a energia necessária para enfrentar as tarefas
domésticas que te aguardam e a certeza de que no dia seguinte tudo será como
sempre.
10 – Antes de dormir faça um escalda-pés. Ainda é o melhor
remédio para o corpo e alma. E claro, se tiver um vinho na reta, tome um
pouquinho. Dizem que vale uma vida. Já na cama, abra o velho livro de cabeceira e leia algumas páginas. É tiro e queda para tornar a vida melhor. O capital: Karl Marx.