A reforma da Previdência está caminhando a todo vapor nos
bastidores da política, que é onde, no Brasil, as coisas se resolvem. Se até
mesmo o novo ministro do STF foi sabatinado
num jantar faustoso, dentro de um iate de luxo, imaginem como não está a
maratona de convencimento dos deputados e senadores. Do jeitinho como sempre
foi, promessas de poder e dinheiro nas contas. Cada nomezinho contabilizado. Os senadores, por exemplo, que se aposentam com 180 dias de mandato, recebendo aposentadoria
vitalícia, não hesitarão um segundo em votar com o governo. Aos mortais comuns,
a regra será de 49 anos de contribuição. Observem bem a diferença: quem vota o
projeto se aposenta com 180 dias de mandato. Uma coisa esdrúxula, porque servir
a nação num cargo eletivo não deveria ser “emprego”. Será o fim dos velhos. Se
não a morte, pelo menos uma velhice bem desgraçada, no último nível da dor. E
aqueles que não conseguirem provar contribuição terão de esperar até os 70 anos
para entrar com o pedido do benefício por idade.
Enquanto tudo isso é tramado, aí andam as gentes nas ruas,
em marchas e passeatas de protesto. Como já andaram gritando “não vai ter golpe”.
E teve. Mas, as vozes das ruas não fazem eco nos palácios. Lá, o som da festa
ofusca qualquer dor que possa querer saltar pela janela. Não há espaço para a
dor do pobre ou do velho. Que se danem. Eles precisam ser oferecidos em
sacrifício ao deus capital. É o que garante a riqueza de uns poucos.
Assim tem sido historicamente. O trabalho é a única força
que gera valor, portanto, riqueza. Por isso, os trabalhadores precisam ser
espremidos até a última gota. É o trabalho não pago da maioria das gentes, a
famosa mais-valia, que garante a boa vida dos amigos do “rei”. Assim que não há
espaço para compaixão. No início do capitalismo, o alemão Karl Marx mostra como
foi a ocupação das terras dos aldeões ingleses para a chegada das ovelhas. Eles
foram expulsos sem dó ou piedade, jogados nas fábricas insalubres, sem direito
a nada, transformando a família inteira em escrava da máquina. Ou o que fizeram
os colonos ingleses na Índia, quando depois de ocupar o país, destruíram todo o
processo milenar de tecelagem que havia, para que os indianos fossem obrigados
a tecer lã, completamente fora de sua cultura. Não houve ninguém, nos palácios,
que se preocupasse com as gentes agonizando nas ruas.
A reforma da Previdência é a versão contemporânea da
acumulação primitiva mostrada por Marx. O capital, insaciável e incontrolável,
segue consumindo tudo a sua volta. Agora, avançando ainda mais sobre o corpo
dos trabalhadores. Que trabalhem e paguem imposto até os 100 anos. Alguém tem
de produzir a riqueza e esse alguém não será o 1% que detém os meios de
produção, nem os seus lacaios de luxo. E, da mesma forma, não há ninguém entre
os ricos que se compadeça dos que morrerão. Eles olharão os corpos e dirão: “era
necessário”. Como disseram os escravistas ao longo dos séculos nos quais traficaram
pessoas para garantir suas riquezas.
Os deputados estão nesse patamar. Refestelam-se com as
sobras do banquete, amealhando alguns milhões. Querem tirar vantagem da posição
que estão agora e é por isso que quando chegar a hora da votação ouviremos o “sim”
ser repetido 500 vezes ou mais. A reforma do Temer vai passar. Por mais que as
ruas gritem e protestem. Os gritos não serão ouvidos, eles sequer fazem
cócegas.
A única coisa que pode realmente impedir a reforma da
Previdência é a ação efetiva e radical das gentes. Há que derrubar a Bastilha. Caminhadas
bem comportadas não vencem batalhas. A realidade já mostrou que o Congresso
Nacional não se deterá. Tudo já está acertado. O que vem é a morte. Então, que
temos a perder?
É certo que as barricadas não vão aparecer do nada. Há uma
longa caminhada para informar em profundidade a população. Um trabalho de base que
sumiu do mapa e que ainda não se faz. É tempo de construir a luta não apenas
com palavras de ordem, mas com o conhecimento. Ninguém lutará contra o que não
conhece. E ainda temos muita gente boa nesse país que não sabe exatamente o que
vai acontecer com a aposentadoria. A consciência ingênua, sozinha, não dá o
salto revolucionário. É preciso saber com concretude sobre a exploração e
conhecer as entranhas do capital para que assome a certeza de que é preciso
cortar a cabeça da medusa. Decifra-me ou te devoro, dizia o monstro. E assim é!