sexta-feira, 24 de março de 2017

Egito: Mubarak, o assassino, está livre

A praça Tahrir, em 2011, ardendo em rebeldia...

Estive no Cairo quando se celebrou um ano da revolução que derrubou Hosni Mubarak. Pude compartilhar da alegria de milhares de jovens, que celebravam o começo de um novo tempo para o país e se animavam com a prisão do tirano que foi o responsável pela morte de centenas de pessoas durante os conflitos, bem como a de seus asseclas. Mubarak havia assumido o controle da vida dos egípcios havia 30 anos, depois de assassinar Anuar Sadat. Governava com mão de ferro e exterminava todos os seus adversários.

Naqueles dias de celebração da luta só havia esperança. Na Praça Tahrir, a população dançava e cantava, comemorando. Por todos os espaços do Egito mobilizavam-se, principalmente, os jovens, construindo novas formas de organização, até então impensáveis. Estavam para chegar as eleições gerais, há tanto tempo esperadas e mesmo que viesse um governo ligado à Irmandade Muçulmana, a população acreditava que as coisas poderiam ser diferentes.

Não foi assim. O que fora chamado de “primavera” começou a dar sinais de inverno. As eleições deram vitória à Irmandade Muçulmana, como já era esperado. Mas, o governo de Mohamed Mursi não foi capaz de dar sequência às demandas da revolução. Endureceu, e sua condição de religioso também levantou várias forças contrárias. A tensão cresceu e o comandante do exército, Abdel Fattah al-Sisi, deu um golpe, derrubando Mursi. Era o começo do fim de qualquer possibilidade de mudança. O Egito mergulharia outra vez na corrente do autoritarismo. Mesmo com eleições em 2014, que deram a vitória a al-Sisi, a sonhada democracia não vingou.

Agora, passados seis anos da revolução, o Egito segue vivendo a tirania, uma ditadura militar das mais ferozes, que começa a recuperar todos os “caídos” do antigo regime. A começar pelo “cabeça”, Mubarak.

Condenado a prisão perpétua em 2012, responsabilizado pelo assassinato de quase 300 pessoas durante os conflitos revolucionários, ele agora foi colocado em liberdade, inocentado de todo o terror que provocou. Também já estão livres seus dois filhos, igualmente considerados sanguinários. Tudo volta a ser como antes no belo e acolhedor Egito.

O fato é que uma revolução precisa derrubar todo o sistema antigo, destruir, não deixar pedra sobre pedra. Sem isso, os velhos poderes se rearticulam e assomam outra vez, travestidos ou não. No caso do Egito, a situação é bastante complexa. Quando a revolução terminou e Mubarak foi preso, o drama não tinha acabado. Estava apenas começando. Quando vieram as eleições, o único partido que tinha condições de vencer era mesmo o da Irmandade Muçulmana. Afinal, os partidos que surgiram, com as novas lideranças, com a juventude, não tinham base material alguma para fazer a disputa. No Egito não há propagando política gratuita. Cada partido tem de se organizar com suas próprias pernas e buscar os votos em todo o país com recursos arrecadados dos militantes.

Já a Irmandade Muçulmana, além de contar com um partido sólido, articulado em todo o país, tinha ainda todas as mesquitas a seu favor. A competição era desigual. Não foi à toa que Mursi ganhou a eleição. Contra esse poder, só a força das armas, e foi o que Sisi usou. O exército, eivado de gente ligada ao antigo regime, de Mubarak, não estava cooptado pela revolução. Então, tudo voltou a ser como antes.

Agora, aquela juventude que vibrou e cantou na Tahrir terá de conviver com os velhos sanguinários de volta às ruas e aos espaços de poder. Tudo terá de recomeçar.

Meu coração sangra ao lembrar o rosto e o sorriso de tantos egípcios que encontrei no caminho, cada um deles repleto de esperanças de vida melhor. Sequer sei se ainda estão vivos, ou se já foram tombados pela ditadura. Ou pior, se sobreviventes, seguem agora na amargura de vivenciar um governo ainda pior do que o de Mubarak.

Quando aqui no Brasil assistimos a derrocada de grande parte das conquistas dos trabalhadores, percebemos entristecidos que esse avanço do conservadorismo e das práticas de direita não é uma coisa local, mas sim o capitalismo avançando para mais uma fase de acumulação. E, nela, o que jorrará com mais força é o sangue dos trabalhadores. Não que não seja assim o tempo todo, mas é a conta-gotas. Nesses momentos de arranque, a violência é maior.

Que meus irmãos egípcios encontrem as formas para resistir, assim como nós aqui. Estamos no mesmo barco do capitalismo, mas não frequentamos a primeira classe. Estamos nas galés. Há que tomar o barco! Há que tomar...


quarta-feira, 22 de março de 2017

A liberdade de expressão agora é só pra jornalista?



Durante muitos anos lutamos contra os donos da mídia para manter a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Sabíamos que o objetivo único dessa gente era poder extrair mais-valor dos trabalhadores, diminuindo direitos, estendendo a jornada e intensificando o trabalho. As novas tecnologias estavam chegando, permitindo que tudo fosse feito com mais velocidade e em maior quantidade. Não havia saída para os empresários da imprensa. Era preciso avançar sobre os direitos para garantir mais lucros. Nada de novo, portanto. Só a mesma velha técnica da acumulação capitalista.

Particularmente sempre fui favorável à manutenção do diploma como exigência, não porque acredite que só alguém formado possa ser jornalista. Até porque há muito que discutir e mudar na universidade, hoje, no geral, incapaz de formar jornalistas de verdade, desses que auscultam a vida mesma, gente crítica. Mas, bem sabia que essa exigência era talvez, a última fronteira - o dedo no buraco da represa – para garantir que os jornalistas dos grandes meios de comunicação não virassem escravos modernos. Com essa exigência, mantinham-se todos os direitos conquistados em duras batalhas, vigiados pelos sindicatos. Jornada de cinco horas, piso salarial, funções, código de ética, etc... Havia uma tábua onde se ancorar, frágil, é certo, mas ali estava.

Pois apesar de todas as lutas, perdemos a batalha. O Superior Tribunal Federal deu ganho de causa aos capitalistas. É claro. Tiraram a obrigatoriedade do diploma e o mundo das empresas de comunicação emergiu com seu pacote de maldades. Sem a exigência do diploma, qualquer pessoa podia ser contratada, sob nomes diversos: produtor de conteúdo, assistente de texto, subsecretário de redação, formulador de escritura, locutor, apresentador, e outras pataquadas. O salário passou a ser o mínimo possível, nada de piso de jornalista, nada de jornada de cinco horas, nada de proteção sindical. Se não tem profissão regulamentada, não tem sindicato. Está sozinho no mundo: o negociado sobre o legislado, maior alegria do patrão.

E assim fomos vendo as redações se encherem de gente que em vez de cumprir sua tarefa de jornalista, passou a cumprir cinco ou seis tarefas juntas: motorista, fotógrafo, redator, editor, editorador, produtor de conteúdo digital. Ou seja, um único jogador avança, dribla, cabeceia e defende. O que Ruy Mauro Marini conceitua como a superexploração, o trabalhador tendo sua jornada estendida e aumentando ainda mais a intensidade do trabalho. Com isso, o dono de um jornal podia enxugar o pessoal pela metade e ainda assim fazer o mesmo jornal, ou produzir o mesmo telejornal. Golpe de mestre.

Essa semana vimos o sistema e seus dirigentes darem outra mostra da capacidade de se utilizar da lei ao bel prazer. Prenderam um “blogueiro”, que atua como jornalista, ainda que não formado na área, e exigiram dele o nome da fonte que ele usou para dar, antecipadamente, a informação de que Lula seria levado coercitivamente à polícia. Pois vejam, o direito ao sigilo da fonte é um direito que têm os jornalistas, logo, o povo com formação. Mas o STF disse que qualquer um pode ser jornalista, então esse “qualquer um”, atuando como jornalista, deve ter seu direito ao sigilo respeitado. 

O STF aceitou a tese do fim do diploma alegando que todos tem o direito à livre expressão. Ah, mas agora isso não vale mais. O juiz que ordenou a prisão disse: ele não é jornalista. Mas como, se foi a mesma Justiça a qual ele serve que disse que qualquer um pode ser jornalista? Agora é só o jornalista que pode se expressar?

Ah, chegamos então onde eu queria chegar. No mundo do capital não há lei. A lei é a junção de algumas letras no papel que servem para garantir que os poderosos façam o que querem. Quando a lei complica a vida de alguém da parte de cima, muda-se a lei. Ou dá-se outra interpretação à lei. E quando um estado, ou os juízes que amparam a legalidade do estado, mudam a lei ou a ignoram? O que isso é? Não seria um estado de exceção?  Quando as vozes daqueles que tem por profissão narrar a realidade começam a ser cerceadas, o que isso significa? 

Vejam que são dois pesos e duas medidas. Jornalistas da Globo “vazando” gravações pessoais não é crime. Mas, um blogueiro informando que um ex-presidente vai ser levado coercitivamente à polícia, uma informação verdadeira e de interesse público, é.  Onde está a diferença? 

Simples. A Globo é aliada do grupo que hoje está governando o país. O blogueiro é aliado do presidente Lula.

Então, se é assim, podemos concluir que a lei não vale para os simples mortais. Seu único objetivo é pegar os inimigos do rei ou os que investem contra o sistema. Também serve para encarcerar um massa de gente pobre, no mais das vezes negra, que são as que vão garantir que outros amigos  - empresários, industriais, distribuidores  - possam lucrar. O sistema penitenciário brasileiro é uma fonte inesgotável de lucro para alguns.

E assim vamos, sabendo que a qualquer momento a lava-jato pode nos pegar. Porque ele pode pegar qualquer um, desde que não esteja no círculo do poder. Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei. Não é sem razão que isso é um dito popular. No fundo, todos sabem que é assim. Logo, não há motivo algum para confiar no judiciário. Na justiça, sim.  E, essa, quem deve fazer valer são os trabalhadores, unidos e organizados.

terça-feira, 21 de março de 2017

A carne e a luta



Sempre é bom repetir. Ao capital e aos capitalistas não interessam as gentes. Portanto, o que tiver de ser feito para que os lucros sejam sempre maiores, será. Isso acontece nos frigoríferos, nos bancos, nas fábricas, em todo lugar onde se produz mercadoria e onde se extrai a mais-valia do trabalhador. O jogo é sempre o mesmo: o trabalhador cria valor e os donos do capital usam seus truques para dobrar ou triplicar o lucro. Se isso incluir fraudar os produtos, usar veneno, plástico ou o que for, será feito. Bem como subornar funcionários, fiscais e etc...

Assim que o caso da carne podre, ou com papelão, e os casos de corrupção não são um raio num céu azul. É praticamente regra. O que acontece de fato, é que enquanto não são pegos, os capitalistas vão fazendo o que podem para ampliar os lucros, inclusive ilegalidades ou barbaridades, obviamente sempre amparados no estado que, para eles, nunca é mínimo. E esse tipo de fraude pode ser feito também pelos servos voluntários, aqueles que querem ser mais reais que o rei, e que, mesmo não sendo eles os donos do negócio, agem como se fossem, empregando os métodos mais sujos para garantir mais riqueza aos patrões.  

Ainda no caso dos frigoríficos, outra coisa que precisa ser levada em conta é a ligação deles com a proposta petista/lulista/dilmista de país. Não tem nada a ver com teorias mirabolantes de conspiração. É a simples observação da realidade. O grupo que hoje governa o Brasil quer varrer da história o modo de governar proposto por Lula desde o seu primeiro mandato, que não era revolucionário, nem socialista, apenas um pouco diferente do que sempre foi praticado. Por isso essa política de terra arrasada e, é claro, que os aliados de primeira e última hora de Lula serão os mais focados. Destruí-los faz parte do jogo.

O Lula quando assumiu a presidência do Brasil não o fez apenas com a classe trabalhadora. Ele fez uma aliança muito clara com o setor produtivo da burguesia nacional. Não foi à toa que seu vice era um industrial tido como “bom moço”, o José de Alencar. Ao longo de seus dois mandatos, Lula prosseguiu com essa política de abrir espaço e crédito para um determinado grupo produtivo, incluindo aí empreiteiras, os frigoríficos, alguns agro-empresários e assim por diante. Uma espécie de proteção ao capital produtivo nacional e ao latifúndio industrializado, que se deu via os bancos de fomento.  Até aí morreu neves. Nada de novo no front. Era o lulismo tentando deitar com o capitalismo, buscando nesse grupo a proteção, já que a velha direita não iria engolir o sapo barbudo. Lula não fazia nada de errado. Apenas traçou uma política diferenciada da que vinha sendo praticada até então. Capitalista, dependente, tudo isso, mas com um forte apelo nacional. Ou seja, dava comidinha para as multinacionais, mas também engordava o capitalismo nacional.

Não é por acaso que, agora, com Temer no comando, todo o projeto lulista esteja sendo desmontado. Temer é a velha política de entrega total do país aos estrangeiros, com o apoio de grupos da burguesia produtiva nacional que aceitam ser apenas entrepostos das grandes multinacionais. Aqueles que não têm apego algum a coisas como pátria, ou mátria ou nação. Seu território é o movediço terreno da grana, venha de onde vier.

Então, que esses frigoríficos de gente que já foi aliada no projeto nacional de Lula estão sob o foco dos aliados de Temer, isso não tem dúvida. Assim como a Odebrech já foi flechada e a Petrobras.
Mas, que fique claro. Isso não quer dizer que não tenha havido crimes, subornos, corrupção, adulteração, fraude etc... Provavelmente isso aconteceu, pois é da natureza do capitalismo, seja ele nacional ou estrangeiro. Todos têm o mesmo sangue e o mesmo DNA.  Logo, não se trata de cerrar fileiras em defesa da indústria dita nacional, ou aos antigos aliados de Lula e do PT. As empresas capitalistas não merecem nenhuma lágrima por parte dos trabalhadores, porque qualquer uma delas os esfola vivos todos os dias. Então, há que denunciar, há que boicotar, há que constranger cada um desses que jogam com a vida e com a saúde das pessoas. E eles o fazem sem dó.

O agronegócio invade terras, mata índios, rouba pequenos proprietários, escraviza, prostitui, mata trabalhadores sem-terra. Tudo em nome do lucro, de uns poucos. Basta que se observe o tal do trabalho agregado, quando o produtor produz na sua terra a matéria prima que a grande empresa vai comprar para fazer sua mercadoria. As famílias trabalham de sol a sol, não têm direitos, estão à própria sorte e se algo sai errado, precisam arcar com todo o prejuízo. É quase uma servidão, ainda que mascarada.

Então, não há que ter piedade dessa gente que hoje enfrenta a fúria dos golpistas. Eles não são os bonzinhos só porque eram aliados de Lula. Eles aproveitaram a onda e ficaram mais ricos. Muito pouca coisa do “projeto nacional” petista chegou à maioria da população. Migalhas. Importantes, é fato. Pois, afinal, tirar 40 milhões de pessoas da situação de fome não é brincadeira. Mas, não deixaram de ser migalhas. Afinal, a gente não quer só comida, a gente quer saúde, diversão, balé...

Há o risco de essas empresas quebrarem e colocarem na rua da amargura milhões de trabalhadores? Não creio. Pode ser que haja algum momento de queda nas vendas, uma perda aqui, outra ali. Mas, as negociações no tapetão já devem estar acontecendo, e os endinheirados se entendem. Muita gente vai perder, é claro. E não serão os empresários. A corda sempre estoura nas mãos dos trabalhadores. 

Certamente milhares de produtores, principalmente os integrados, serão prejudicados. Mas ocorre que eles são prejudicados hoje, com esses patrões. Do mesmo jeito. Com esses, nacionais, ou com as multinacionais que virão no seu lugar, tudo seguirá como sempre. Exploração, exploração e exploração. Alguns ganham mais, outros menos, mas todos vivem esse processo de servidão mascarada. Não é o que podemos comprar com o dinheiro do salário que nos faz menos ou mais explorado. Seja como for, os que detêm os meios de produção estão sempre roubando os trabalhadores. 

Então, o que podemos tirar de lição de um caso como esse? Primeiro: não basta a um governo – que se diz progressista - se unir com alguns grupos da burguesia nacional esperando lealdade na hora do “pega pra capar”. Não há lealdades no mundo do capital. A história está aí para mostrar, caso após caso. Toda vez que os trabalhadores se uniram com a burguesia para tentar conquistar algo juntos, foram traídos e abandonados no meio do caminho.

Segundo: o agronegócio latifundista não é uma boa opção para o desenvolvimento nacional e muito menos para a segurança alimentar das pessoas. Essa gente comanda uma indústria, não a produção de comida. É indústria que produz mercadoria que é vendida pelo maior preço possível com o menos custo de produção e com o roubo do trabalho dos trabalhadores. Quem produz comida no Brasil é o pequeno e o médio produtor. E esses estão aí, como sempre, afogados pelas imposições da grande indústria agropecuária. 

Terceiro: é preciso construir uma proposta verdadeiramente nacional de produção e geração de riqueza. Não essa que foi tentada por Lula, de engordar indústrias e fazendeiros locais, sem um projeto popular de nação. Mas uma construída pelos trabalhadores, unificados com os camponeses que verdadeiramente produzem alimento e podem ser ganhos para um projeto de país.

Para isso é preciso trabalho, muito trabalho. Mas o campo está aí, aberto e preparado. A crise das empresas de carnes não vai durar muito. Já, já as emissoras de televisão, as mesmas que derrubam, às erguem. Basta que sejam bem pagas. E os trabalhadores, que no capitalismo, de um modo ou de outro sempre saem prejudicados, haverão de levantar. Esse furacão que está passando pelos grandes frigoríficos precisa servir de alavanca  para a consolidação da velha aliança operário/camponesa, sempre tão necessária. 

Hoje, no espaço da luta pela terra, são os trabalhadores rurais sem-terra que formam a ponta-de-lança, um pouco adormecida. É o momento de reforçar as grandes lutas, unificar com os pequenos produtores, constituir um novo modo de organizar a vida, retomar a terra.

Os tempos de arar já se foram. É hora de fazer brotar a semente. 

domingo, 19 de março de 2017

Jornalista Moair Loth recebe medalha Professor João David Ferreira Lima


Homenagem será na Câmara de Vereadores, dia 20, segunda-feira, às 16h

Quero começar esse texto dizendo que Moacir Loth é um homem especial, e que eu o amo. Ele é um desses jornalistas de primeira linha, dos que quase não existem mais. Seus textos primorosos, desde os tempos em que trabalhava no velho Jornal de Santa Catarina, em Blumenau, sempre foram um sul para os novos repórteres. Escrita potente, ironia fina, Moacir tem como marca adentrar as entranhas dos fatos, descrevendo com maestria e reportando com fidelidade. Nascido lá na Itoupavazinha, ele traz, bem arraigada, a sua alma colona, de desbravador. Os olhinhos apertados, sempre desconfiados, nunca deixaram passar um detalhe. O espírito reporteiro encontrou ali a sua concretude.

O conheci quando entrei na UFSC para ser repórter na Agência de Comunicação (Agecom). Ele era o diretor da agência. Durante a caminhada naquele pequeno (grande em qualidade) espaço de comunicação da UFSC tivemos grandes momentos. O Moacir é um chefe como poucos. O trabalho com ele é como um bailado. Não impõe. Discute. Sua marca na Agecom sempre foi a da liberdade. Nós podíamos escrever o que quiséssemos, desde que fosse bem escrito. Uma novidade para alguém que, como eu, vinha de anos na iniciativa privada, sempre podada por interesses outros que não o da boa informação pública.

Com ele construímos uma política pública de comunicação que andou pelo Brasil, inspirando e acendendo novas formas de ser assessoria de imprensa. E sob sua direção fazíamos o Jornal Universitário, que, por conta da maneira como todos entendiam a comunicação, mostrava toda a vida que pulsava na UFSC. Não era um jornal chapa-branca, desvelava as mazelas da política nacional, os grandes temas do país e fazia a crítica da própria universidade. Moacir segurou barras incríveis por conta de reportagens aparentemente desabonadoras sobre a UFSC. Posso dar um exemplo de uma que eu fiz, sobre o cruel abandono de cachorros usados para experiências no curso de Medicina. Gente grande pediu minha cabeça. Moacir segurou a barra, sob o risco de perder a sua própria cabeça. Vivemos muitas situações assim. E ele nunca abandonou qualquer um de nós.

Tivemos, é claro, brigas homéricas e ficamos por algum tempo sem se falar. Afinal, Moacir, na direção da Agecom, também cometia erros, como qualquer ser humano. E eu era implacável. Acho que ainda sou. Mas, como ele é generoso, e eu também sou, sempre voltamos às boas. É difícil demais ficar brava por muito tempo com ele.  E ele tem um coração maior que o corpo.

Uma das coisas que sempre me emocionou na história de Moacir foi o seu amor pela UFSC. Nunca vi coisa igual. Talvez o Assis tenha chegado ao mesmo nível. Quando diretor da Agecom, praticamente morava na universidade. Sua sala, tomada por livros, recortes de jornal e outros papéis, era seu ninho seguro e quentinho. Escondido ali, com os dedos ágeis sobre a máquina de escrever, usada muito tempo ainda depois da chegada dos computadores, ele passava os dias e parte da noite. Nunca teve tempo feio. E mesmo quando a vida se transportava para o bar, com cerveja e pizza, a UFSC era o assunto principal. Conspirávamos, conspirávamos, planejávamos e agíamos. Que tempos vivemos, que tempos!!!

Por conta da pequena política Moacir também passou maus bocados. Por muitas vezes foi afastado, preterido, substituído. Mas, aquilo não importava. Seguia seu caminho, fazendo sempre o melhor pela UFSC,  sua “pequena”, sempre amada. Fosse na Agecom, ou na Editora, onde também atuou. Aposentou-se em meio a uma tormenta, na gestão da Roselane Neckel. Perseguido, assediado, vilipendiado. Saiu da UFSC sem pompa, mas sempre com aquele risinho meio tímido, meio cínico, como a dizer “a vida é mais”. E ele estava certo.

Agora, quando o vereador Lino o homenageia pelos 35 anos de dedicação à UFSC eu me emociono. Porque o Moa merece que o reverenciemos. Ele merece, não uma medalha, mas esse reconhecimento público pelo trabalho que fez na universidade. Trabalho de formiguinha, amoroso e sistemático. Ele merece pelo tanto que contribuiu com o jornalismo de qualidade, seja como repórter, seja como chefe de redação, seja como colunista.

Com ele, a despeito de todas as diferenças, dividi minha vida de reporteira. Na Agecom, na Pobres e Nojentas, no sindicato. E, hoje, me enche de felicidade vê-lo homenageado. Não pela Câmara, que é uma instituição que não nos diz nada. Mas, pelo Lino, que foi professor na UFSC e sabe bem o que o Moacir significou na Comunicação. E por todos nós, seus amigos, que também queríamos ver todo o seu trabalho dignamente reconhecido.

Nessa segunda-feira, quando ele receber a medalha Medalha Professor João David Ferreira Lima, eu estarei lá, para ver com esses olhos de enxergar a merecida honraria a esse homem que construiu uma linda história no jornalismo catarinense. A honraria não partiu da UFSC, sua casa amada. Mas, não importa. Ela se faz e nós nos alegramos.

Valeu Lino, por dignificar o trabalho do Moa.


Valeu Moinha, por ser quem tu és. E eu sei que tantas outras belezas estão nascendo desses teus dedinhos, agora no computador. Bem assim, desse teu jeitinho, quietinho, escondidinho, mas absolutamente lindo. Que venham os livros!!!!