sábado, 15 de abril de 2017

Racismo, preconceito e discriminação



Comentário para o Informativo Paralelo, programa semanal da Cooperativa Desacato.

Assistimos em Florianópolis a dramática passeata dos senegaleses pedindo que lhes deixem trabalhar, que não lhes tomem as mercadorias que vendem nas ruas, que lhes acolham. Senegaleses são africanos que estão em santa Catarina. Como eles, também estão por aqui os haitianos, do vizinho Caribe. Carregam no corpo marcas perfeitas para o racismo, a discriminação e o preconceito. São negros, são pobres, são estrangeiros. Saíram de seus países em fuga, da guerra, da fome, da dor. Tudo o que querem é encontrar um lugar onde possam viver em paz.

Mas, azar o deles, vieram parar num país onde a propalada democracia racial é uma farsa piramidal. Afinal, sem serem estrangeiros, são os negros jovens e pobres aqueles que caem como moscas nas comunidades de periferia, seja pelas balas da polícia, ou pelas balas de seus iguais, submetidos como eles a violência cotidiana de viver num sistema de produção em que para que um viva outro tenha de morrer. Um mundo em que para que um coma, outro tenha de ter fome, para que um more, outro tenha que ser sem teto. É o sistema de produção capitalista, que provoca a guerra entre os de baixo para que os de cima possam seguir vivendo à larga, nas mansões climatizadas, com boas refeições.

O preconceito nada mais é do que o medo. Medo de conhecer, medo de saber, medo de se contaminar com o diferente. O negro africano que chegou à América veio sequestrado, escravizado á força. Era preciso criar a ideologia de que ele era mau. Única forma de fazer com as massas descabeçadas aceitassem aquilo como natural. Mas, no fundo, o que havia era o medo. E se aqueles negros e negras se revoltassem? O que haveria? O que houve no Haiti, revolução.

Então, é por isso que se criam essas ideologias sobre os que dão medo ao poder. Pobre é tudo bandido. Negro é ruim. Índio é preguiçoso, mulher não presta, ciganos são ladrões, árabes são terroristas. É preciso fazer crescer o medo para que as pessoas ditas de bem matem, açoitem, excluam, discriminem, odeiem todos aqueles que não são iguais, seja no modo de vida, ou na servidão voluntária ao capital.

Desmontar o discurso do preconceito não é coisa fácil. São falas construídas desde séculos. Mas, sempre é tempo de começar. Pobres, não existem. O que há são pessoas empobrecidas pelo capital. E não são bandidos. Há bandidos também entre os ricos. Negro não é mau. É só uma pessoa com cor diferente. Sente o mesmo, vive o mesmo, sonha o mesmo. Índios não são preguiçosos, eles apenas vivem de outro jeito, que não é o servindo de mão de obra para patrões.  Mulheres prestam sim. São as que geram a vida e constroem o mundo lado a lado com os homens. Ciganos na são ladrões. São mágicos, nômades, vivem na liberdade. E os árabes, ah, os árabes. Eles são de outra cultura, outra terra, outra forma de ser. No geral de terras invadidas, tal quais as nossas e por isso estão em luta.

Conhecer o outro, saber do outro. Ter a delicadeza de se aproximar sem medo. Isso desmonta o preconceito, o racismo. Há que arriscar. Pode até dar errado, mas no geral dá certo. Faça o teste. Aproxime-se, conheça, toque, acolha, como um dia o fez aquele samaritano na estrada para Jericó. Ele viu o estrangeiro caído e não se perguntou: se eu ajudar, o que poderá me acontecer? Não, ele não teve medo... Fez o contrário, Perguntou-se. Se eu o deixar, o que poderá lhe acontecer. E por amor, o salvou.   


sexta-feira, 14 de abril de 2017

Dia santo


Há muito tempo, na minha infância, quando morava em São Borja, a sexta-feira santa era dia de acordar muito cedo para colher marcela. Tinha que ser antes do sol nascer, pois a erva tinha de ser colhida orvalhada. A mãe dizia que o orvalho representava as lágrimas que Jesus derramara quando morrera na cruz. E assim a gente saia, em bandos, pelos caminhos, sempre mais fora da cidade que era onde as plantas nasciam em abundância.

Voltávamos para casa com os cestos cheios das florezinhas que a mãe guardaria em potes de vidro, para durarem o ano todo. Na verdade a marcela era um remédio que se tomava quando acometia alguma dor de barriga, cólicas de menstruação, ou qualquer outro mal-estar. Por serem bentas pelas lágrimas de Jesus, valiam para quase tudo. Geralmente tomávamos o chimarrão sempre com algumas flores de marcela, o que lhe dava aquele gosto peculiar.

Aqui na ilha não sei onde tem marcela. Mas, mesmo assim acordei cedinho, antes do sol nascer, e colhi algumas folhas de limão. Servirão para cumprir o mesmo papel da marcela, guardadas para que se transformem em folhas bentas pelas lágrimas do homem que andava com as putas, com os ladrões, nos caminhos vicinais. Aquele carinha que pregava o amor, a solidariedade e a compaixão.

Gosto do cumprir algumas tradições da infância, mesmo que reinventadas. É uma maneira de sentir, outra vez, aquele oceânico sentimento de pertencimento e de amor. Uma forma de caminhar, de novo, com a mãe, e sentir o seu toque, ouvir sua voz ou a risada cristalina.

Como dizem os contadores de história, não importa que no caminho da vida, a história mude. O que importa mesmo é o que ela significa. E, sexta-feira santa, para mim tem esse rosto: infância, mãe, marcela, e essa absurda certeza que só existe na fé, de que tudo o que vive é sagrado. 


segunda-feira, 10 de abril de 2017

Sobre o Daniel e o calvário do trabalhador




Causou profunda estranheza que a Pró Reitoria de Desenvolvimento e Gestão de Pessoas da UFSC não tenha definido ainda o destino do trabalhador Daniel Dambowski.  A própria procuradoria já havia encaminhado a decisão para a administração, portanto, o mais provável, devido a todo o debate já realizado e as evidências de perseguição, era que o processo fosse arquivado e encerrado, acabando de vez com o sofrimento do trabalhador. Mas não, foi encaminhado para outra comissão.

A pergunta que fica martelando é: que motivos levam a administração a protelar cada vez mais esse processo visto que ele é marcadamente uma perseguição a um trabalhador que foi atuante em duas greves importantes e no Grupo Reorganiza?

Em vários debates e encontros já foram levantados todos os problemas e ilegalidades que permeiam o processo. Nele constam as avaliações feitas ao trabalhador no seu estágio probatório. E, claramente percebe-se que as avaliações negativas foram feitas de maneira irregular. A última, mesmo, foi feita enquanto o trabalhador estava de licença médica. Como dizer que ele não é assíduo, se ele está em licença. Como dizer que ele não é pontual, se está em licença? Ora. Isso não tem cabimento algum. Como avaliar negativamente o trabalho de alguém que não está?

Esses são apenas alguns pontos. Há outros, já exaustivamente debatidos.

É necessário que a administração realize novas avaliações, com pessoas que não criminalizem as lutas do trabalhador e que possam julgar apenas o seu trabalho como funcionário público. Não há outra solução a não ser essa. É mais digna e a mais correta.

Não é possível que essa administração aceite essa “vingança” desferida contra o Daniel pela administração passada, que sempre agiu com truculência contra os grevistas  da histórica greve das 30 horas. Lembrem que foi a administração Roselane/Lúcia foi a primeira na história a cortar salários, a descontar dias parados e a punir os trabalhadores com processos descabidos.

O mínimo que se espera do novo reitor e sua equipe é que não compactue com essa injustiça.

Que acabe de vez esse sofrimento. Que se faça uma avaliação séria e que se arquive o processo de exoneração.