quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Um conto de natal


Um menino palestino

Na madrugada, bateu um vento. Tocou, de leve, o sininho que fica na porta da frente. Acordei, sonolenta, pensando que fosse, talvez, o gato querendo entrar. Mas, surpresa, vi que ali estava um menininho. Olhou pra mim com os olhos imensos, feito duas jabuticabas, e sorriu. Acercou-se da árvore que piscava em luzinhas e acarinhou o pequeno presépio andino que ali sossega, lembrando a sagrada noite. Sentou na poltrona e quis conversar. 

Não tenho problemas com visões. Costumo ver gente morta em todo lugar. Aqueci a água, preparei um chá de hibisco, e ficamos ali, na madrugada calorenta, papeando. Perguntei o que fazia ali se a hora ainda não havia chegado. “Não sei, quis vir”. Falamos das coisas que andam acontecendo. Das pessoas que falam de Jesus como um vingador. Dos que em seu nome matam, agridem, causam dor.  Falamos da longa viagem que ele e seus pais fizeram na velha Palestina, fugindo de um rei louco que queria matar todos os meninos com medo de perder o poder. E a família, no burrinho, atravessando desertos. E, no caminho, pedindo uma ajuda que não vinha. Migrantes de terras estranhas tentando se salvar. Ignorados, chutados, esquecidos à própria sorte.

Falamos sobre as guerras no oriente médio, na sua amada Palestina, lugares de onde, todos os dias saem famílias como a dele, buscando vida. Falamos dos centro-americanos caminhando em direção aos Estados Unidos, querendo comer na mesa do banquete. E ele com aqueles olhos graúdos, tristes, tristes. Falamos do Brasil, da triste rota de ódio ao pobre, ao caído, ao excluído. Bebericamos em silêncio. E nos abraçamos. Forte, forte.

O meu jesusinho, esse que eu amo, é o que caminhou com os pobres, os cegos, os perdidos, os desgraçados, as putas, os difamados, os paralisados. Ele trouxe uma mensagem de puro amor. “Ame o outro como a ti mesmo. Semeie em todos os campos. Divida o que tens, não o que sobra. Dance e tome o vinho entre amigos. Abra teus olhos para a beleza. Caminhe em direção ao sumo-bem”. Sobre isso falamos e eu, cética: “Tá difícil, menininho”. E ele, manso. “Não desiste. Tamu junto”. O meu deusinho sabe que a vida aqui depende mesmo é de nós, não dele.

A noite correu. Comemos biscoitos, gargalhamos, brincamos com os gatos e cachorros, tomamos chimarrão. De manhãzinha, ele já sonolento, apertou-se ao meu peito e depois partiu. “Passo de novo no natal, ou qualquer hora pra brincar”. Fiz o sinal de positivo. Sorri. E ele foi sumindo, não sem antes olhar pra trás, com seus olhos de lâmpada. “Não desiste, fica firme no amor”. “Podexá”. 

O sol veio vindo e eu fiquei no alpendre, pensando. 2019 será duro, mas, a despeito de tudo, vou seguir no amor. Nunca sozinha, sempre em comunhão, com todos aqueles que lutam por um mundo no qual não as riquezas sejam repartidas e cada um possa viver conforme suas necessidades. Porque nada pode ser mais forte do que uma gente unida, que atravessa os desertos, sem medo. 

Estaremos juntos. Na noite sagrada, quando vier o menininho. E nos dias que se seguem, porque a vida é presente, é dádiva, é comunhão, é amor. 

Aos amigos, aos compas, aos parças,  Feliz Natal e Feliz Ano Novo.