sexta-feira, 11 de maio de 2012

Com amigos, caminhando...




Eis que faço aniversário nesse dia 14 de maio. Surpreendentemente, essa frágil vida humana com a qual me presentearam Nelson e Helena, percorreu cinquenta e uma voltas de órbita solar. Ultrapassei mais um limiar. Sinto-me pronta para coisas que ainda não sei. Agora, no silêncio da casa quentinha, com os gatos a ronronar em língua felina, me chamou uma passagem do grande livro cristão que conta sobre os 40 dias de Yeshua no deserto. Por infindáveis horas ali ele esteve enfrentando as tentações, preparando-se para o que estava para vir.

Nesses dias lindos de maio, arranchada no meu Campeche, eu me aproximo daquele homem. Parece-me que, como ele, andei por anos a fio vencendo tentações. Mas, agora, ultrapassando o portal dos cinquenta, conforta-me a ideia de que também tenho conseguido vencer os desertos que se apresentam a cada tanto na vida. Tal qual Yeshua, já tive diante de mim um “daemon” a sussurrar sibilinas ideias que me perturbaram a alma.

Conta São Mateus que ao final do recolhimento de Yeshua e do embate com a voz interior (demônio), vieram os anjos e compartilharam com ele a vitória. Assim me sinto. Também vencedora de demônios, e acompanhada. Da janela da sala vejo as corujas da rua iniciando seu voo, os passarinhos buscando um canto onde dormitar, os gatos miando a minha volta, meus homens na azáfama diária, minha hóspede de além-mar pitando um palheiro, o cachorro perseguindo borboletas. Tomando meu café com leite, percebendo essas cenas cotidianas, vejo-os como anjos, tocando-me com suas asas de beleza e esperança.

Não há desertos possíveis se temos amigos. E os meus estão por aí. São poucos, mas mantêm permanentemente suas asas abertas, redes seguras, espaços de aconchego e comunhão. Sei onde estão e sei que posso contar com eles (mesmo quando se zangam)...

Feliz aniversário pra mim, tão cheia de bênçãos...

terça-feira, 8 de maio de 2012

O racismo eternizado


O feriado me encontrou lânguida, debruçada sobre um livro de contos do escritor britânico William Somerset Maugham, mais conhecido por sua magistral obra “A servidão humana”. O escrito que sorvi nesses dias relata algumas histórias passadas nos mares do sul, mais especificamente em espaços colonizados pelos ingleses, neozelandeses, alemães, franceses e estadunidenses, tais como Samoa, Havaí e outras da região da Polinésia, no Oceano Pacífico. Entre um relato e outro as páginas vão derramando todo o preconceito que alguém pode ter contra outro que não seja seu igual e a gente vai percebendo como o racismo tem suas raízes tão profundamente cravadas nos corações das gentes, ainda mais quando narrados com qualidade.

Cada uma das histórias vai descortinando a beleza das ilhas polinésias, sua natureza, sua exuberância e, ao mesmo tempo, toda a arrogância dos personagens, a maioria estrangeiros, usurpando a vida e a riqueza dos nativos. Os locais aparecem como os devassos, selvagens, feios, incapazes, vagabundos. As mulheres são mostradas quase sempre como prostitutas, incapazes de viver uma vida monogâmica, bem ao gosto do protestantismo burguês.

Ao penetrar nas páginas, capítulo a capítulo, fui sendo tomada pelo ódio. Pois dá para perceber que não apenas os personagens são preconceituosos e racistas, mas também o próprio autor. Mesmo quando ele tenta “dourar” algum nativo, o faz de forma tão ostensivamente racista que causa engulhos. É impressionante como o espírito colonial se impregna nas pessoas. Na narrativa, cada estrangeiro ali naquelas ilhas invadidas, além de tomar as riquezas para si, insistia em menosprezar e aviltar os habitantes originários. Tudo tão igual.

Li três contos e já ia desistir. Mas, o meu amigo Raimundo Caruso me havia indicado um em particular, que ficava mais ao final do livro. Segui. O conto chama-se “A chuva” e narra a história de dois casais de estrangeiros, um deles de missionários estadunidenses, presos em uma das ilhas em tempo de chuva, tendo por companhia uma prostituta, alegre e desbocada. O pastor, indignado com a presença da meretriz, inicia uma caçada psicológica de tamanha crueldade que chega a doer. Nele se vê o ódio aos nativos, às suas crenças, a sua cultura e toda a arrogância do opressor. O “bom” pastor conta como subjugou os “naturalmente depravados” locais. E depravada era a mulher que, apesar de branca, era tão “desigual” como um nativo. Pois ele a degrada, a destrói, a reduz a nada. E tudo em nome da decência e dos bons costumes.

O interessante é que o final do conto é surpreendente e nos deixa entre o estupor e a alegria. Foi bom ter caminhado até o fim. A mulher, ainda que reduzida a quase perda de sua humanidade, vence. E, tal qual ela, também decido ligar a vitrola e fazer tocar, a todo volume, uma canção de regozijo diante da arrogância, do racismo e do desamor.

O livro “Histórias dos mares do sul” se redime diante de mim com a beleza desse conto. E até Maugham, ele mesmo um homem que sofreu discriminação por ser homossexual num tempo em que isso era um grande tabu. E a prostituta, senhorita Thompson, em alguma medida redime todas as personagens femininas/nativas tão aviltadas pelo autor.

Fiquei a matutar sobre como uma boa pena pode perpetuar a visão de um povo. E como faz falta aos oprimidos alguém que também possa contar as histórias desde o ponto de vista da comunidade das vítimas. Urge narrar a vida dos vencidos, e com boa pena, com boa pena...



segunda-feira, 7 de maio de 2012

Padaria do Alemão


Não há aventura maior do que flanar pela cidade, entrando nos mais escondidos becos, desvendando ruelas, descobrindo lugares. Há uma vida, tão intensa, muitas vezes escondida, porque longe das tradicionais vias. Por exemplo, avançando a Conselheiro Mafra para além do prédio da prefeitura encontramos alguns espaços de armarinho, de roupas usadas, de embalagens, perfumes, mundos mágicos esperando ser vivenciados. Por ali há que se andar com vagar, sentindo os cheiros, ouvindo os sons.

Mais na frente achamos uma padaria, onde o atendimento é dos melhores. Uma juventude alegre, cheia de energia, que te olha nos olhos e te atende com prazer. Coisa bem rara de se ver no comércio de Florianópolis. Ali, a gente se sente em casa, tomando café com leite e pão com manteiga, sem que ninguém te observe com olhos estranhos e ar blasé.

Os trabalhadores dizem que o dono é gente muito boa. Ao que parece conseguiram ali uma boa relação entre capital x trabalho. E, olhando para ele, chamado de “Alemão”, a gente percebe que até pode ser possível. Ele tem o riso fácil, a cara boa, trata bem a gurizada e deixa os fregueses bem à vontade. A padaria é simples e tem um nome óbvio: Padaria do Alemão. E, ainda que longe do centro, vale a pena dar uma pernada até lá para conhecer a alegria das gurias e dos guris do balcão. Para nós, da Pobres, já é a nova padaria favorita.




Que venha a Tainha

O primeiro de maio no Campeche. Festa de fé e esperança...