sábado, 29 de janeiro de 2011
Essa América Central...
A vida em La Boca
Manhã de janeiro em Buenos Aires. Hora de visitar “La Boca”, conhecido bairro do sul da capital, famoso pelo seu time de futebol, o Boca Junior, por suas ruelas coloridas e o tango, triste e sensual, tocado e dançado na rua. Mas, ao chegar ao pequeno e espartano terminal de ônibus o que chama a atenção é um modesto complexo de prédios que abriga a escola, um museu e um teatro. Apesar do vibrante murmúrio que vem do “caminito” a placa que indica o museu de Belas Artes é mais forte e lá vou eu descobrir o mistério das cores e da comunidade.
O minúsculo saguão de entrada do museu está cheio de crianças que protagonizam uma deliciosa algaravia. Dezenas delas, acompanhadas de seus “maestros” – num projeto da escola que busca levar cultura aos alunos em tempos de férias - se preparam para viajar no mundo da pintura de um dos mais importantes filhos de La Boca: o pintor Benito Quinquela. Ali, naquele museu, doado por ele à comunidade (assim como a escola e o museu), estão expostas algumas das suas mais famosas obras, além de outras de conhecidos artistas nacionais. Mas, as crianças estão atraídas mesmo é pela figura de Benito, a quem a comunidade reverencia com amor extremo. É nas salas onde estão os seus móveis pessoais e objetos de pintura que a gurizada se demora, sonhando talvez em seguir os passos do filho ilustre daquele lugar.
Benito Quinquela é um dos grandes da arte argentina. E cresceu bem ali, na boca do rio da Prata, espaço do porto e da vida atribulada dos homens do mar. Sua pintura conta desta realidade local e se mostra com toda a força operária daqueles que cotidianamente viviam as agruras do trabalho marítimo. Seu tema sempre foi o trabalho, o bairro e a gente. Por toda a vida ele imortalizou La Boca, o seu ninho, seu lugar de arribação, mesmo depois de ter experimentado a glória nos salões de Paris e Nova Iorque. Era para a boca do rio que sempre voltava, carregado de cores e memórias únicas. “Dizem que os barcos que eu pinto existem em todos os lugares do mundo – é um erro – quando eles chegam à Boca, eles se transformam...”
A história do pintor é revestida de poesia. Chegou ao porto num 20 de março do ano de 1890. Fora abandonado num orfanato local e nunca soube quem era sua mãe. Ali viveu, junto às irmãs de caridade, por seis anos. Contam que nunca foi um garoto triste, pelo contrário, era alegre e prestativo. Quando estava para completar sete anos foi adotado por uma família simples, moradora do bairro. O pai, Manuel, era um italiano forte, trabalhador do porto e a mãe, Justina, era mulher de sangue indígena, oriunda de Gualeguaychu. Donos de uma carvoaria, os dois procuravam uma criança que lhes enchesse a vida de alegria e ajudasse no trabalho.
E assim o pequeno Benito iniciou sua vida pelas ruelas do bairro portuário. Conhecia como ninguém a vida frenética do estaleiro, dos trabalhadores do mar, das mulheres. Seu trabalho era andar de barco em barco, com uma bolsa vazia, enchendo-a de carvão. Manejava a funda com maestria e era conhecido por sua velocidade nas correrias do porto. Magricelo e serelepe era chamado de “mosquito” pelos trabalhadores que o viam passar voando com a bolsa cheia e pesada. Também ainda menino, morando na rua onde se concentravam os sindicalistas e socialistas, começou sua militância política, no início do século XX, sempre ao lado das lutas dos trabalhadores.
Considerando o trabalho que fazia, não foi por acaso que o carvão acabou sendo seu primeiro “pincel”. Entre uma correria e outra ele descansava desenhando as cenas que via no porto em pedaços de papelão e quando já contava com 14 anos iniciou um curso de pintura numa escolinha do bairro que oferecia este tipo de curso aos filhos dos trabalhadores. Desde aí, as cores começaram a se sobrepor ao carvão e o pintor nunca mais parou de crescer. Marcou-lhe a vida um texto de Rodin que leu enquanto estudava arte, o qual dizia: “pinta a tua aldeia e pintarás o mundo”. E assim foi. Com 20 anos apresentou sua primeira exposição e anos mais tarde ajudou a organizar o Salão dos Recusados, espaço de mostra daqueles artistas que não encontravam espaço nas “panelinhas” da arte nacional. Desde aí, a pintura do garotinho do porto de La Boca percorreria o mundo. Dez anos depois, tendo já visitado e exposto em vários países Quinquela voltou para La Boca, onde comprou uma casa para os pais e ali seguiu vivendo, prometendo-lhes que agora eles estariam a seu cargo.
La Boca havia acolhido Benito quando ele ali chegara, abandonado. Por isso, o pintor fez questão de retribuir todo o amor que a comunidade lhe deu. Tão logo ganhou dinheiro com a sua pintura preocupou-se em dar ao bairro espaços onde as crianças pudessem crescer na cultura e na beleza. Foi assim que ele comprou os prédios onde hoje estão a escola, o teatro e agora, o museu. Dali nunca saiu, a não ser para sua exposições e compromissos internacionais. La Boca era o seu lar.
Débora Seitter, cuidadora do museu, conta que foi Benito quem começou essa mania por cores na região de La Boca. “Quando ele trabalhava na carvoaria, ele levava carvão de graça para os navios e pedia em troca latas de tinta coloridas, as quais entregava aos vizinhos para que pintassem as casas, que eram simples e humildes”. Hoje, o “caminito”, principal rua do bairro é, ela mesma, um museu a céu aberto, com as casas repletas das cores vibrantes que também enchem as telas de Benito.
Uma obra de força
Por sobre a gritaria da criançada que visita o museu se impõe o som poderoso do piano. Diante de uma das telas mais belas do pintor – Crepúsculo - uma mulher faz ecoar uma música que é ao mesmo tempo terna e dura. Impossível não se deixar ficar ali, tomada pela emoção. É algo assim como a representação musical daqueles quadros que parecem adquirir vida na parede. As telas imensas reproduzem a vertiginosa existência do bairro portuário e popular. Há barcos onde crescem flores, onde trabalham homens, há barcos que dormem, barcos quebrados, há homens construindo barcos, há barcos sendo descarregados, há poderosos temporais, há homens trabalhando na fundição do aço, barcos incendiados, crepúsculos com barcos ao fundo. Tudo é imenso na obra, a cor, a intensidade, o tema. O traço de Quinquela indica toda a violência exigida para a construção dos barcos e ao mesmo tempo expressa a humanização da máquina e das grandes forças que a produzem. É arrebatador!
O museu tem três andares de obras de arte. Num deles está também coleção de máscaras de proa de barcos, recolhidas por Benito ao longo da vida. Estas ponteiras eram representações de deuses ou mitos, metade homens, metade bicho, figuras de mulheres ou mesmo santos que eram usadas pelos barqueiros para proteção. Estas máscaras eram as que davam identidade às naves e muitas podiam ser identificadas ao longe só pelas ponteiras. Amealhá-las foi a maneira que Benito encontrou para sentir de forma concreta a presença daquele mundo que ele amava e que imortalizou na tela. Nos pátios do terceiro andar estão as esculturas, de vários artistas locais. E, de um mirante, bem em cima do prédio, se pode vislumbrar toda a “Boca”, e seu farfalhar de vida. Faltam os barcos e o porto, mas o colorido das casas e das gentes cimenta o louco desejo de beleza que aquele “mosquito”, gurizinho serepele, vislumbrou para o seu lugar. Hoje, nas vielas do bairro, o som do tango, do chamamé, as imagens do Che, do Maradona, da Evita e o deslumbrante mundo de cores, imortalizam a “República da Boca”, que, conforme dizia Benito, era um lugar de fronteiras pouco claras, com geografia móvel e repleta de abençoados lunáticos.
Elétrico como nos tempos de menino, ele nunca parou de inventar coisas e uma das mais belas que criou, além da sua obra, foi a conhecida “Ordem do Tornillo”, espaço de reunião dos artistas, intelectuais e loucos de toda ordem que tivessem por princípio o uso desenfreado da imaginação e da rebeldia e aos quais devia, por obrigação, faltar moderação. A estes “loucos”, ele entregava um parafuso, o que lhes faltava, para garantir que sempre lhes faltasse e eles não se tornassem gente acomodada ou sem imaginação. “A todo homem que sonha, lhe falta um parafuso. Este que lhes dou não vos tornará moderados ou cordiais. Pelo contrário, vos preservará contra a perda desta loucura luminosa, da qual se sentem orgulhosos”.
Hoje, Benito reina sobre La Boca, com sua estátua altaneira bem na entrada de onde um dia foi o porto que tanto amou. E as gentes de todo mundo se sentam nas mesas coloridas, tomando um bom vinho e ouvindo o tango. Das casinhas espiam os locais que sabem que muito daquilo tem a ver com o pintor, criado na beira daquele rio. Tudo ali é prodigioso, como a obra de Benito.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Campeche se mobiliza contra mega-exploração
Ato de protesto contra os mega-projetos e mega-show acontece neste sábado, dia29, 10h, na Pequeno Príncipe, esquina com a rua da Capela.
O Campeche, até os anos 70 do século XX foi um pacato reduto de famílias descendentes de açorianos, dadas à pesca, à agricultura de subsistência e à criação de gado. Nos anos 20, por ser rota de passagem da iniciante aviação transcontinental, entrou para a história como lugar de pouso dos aviões que seguiam para a Argentina, tendo sido criado ali um campo de aviação. Dentro de um destes aviões vinha, amiúde, o conhecido Saint-Exupéry, autor do imortal livro “O Pequeno Príncipe”. Por conta deste visitante ilustre, que acabou criando laços com uma das famílias locais, do patriarca Deca Rafael, o bairro é cheio de alusões à vida e à obra do escritor.
Nos anos 80, com o impulso das migrações de famílias vindas do interior de SC e de outros estados, o bairro cresceu, mas ainda mantendo a vida simples e pacata, com boa parte de suas ruas de areia e praia de beleza exuberante. Sempre foi um contraponto ao norte urbanizado, reduto de turistas. Essa peculiaridade fez florescer no Campeche e arredores um forte movimento comunitário que passou a exigir da municipalidade demandas que dessem conta da manutenção deste estilo de vida na região. Foi ali que teve vez a proposta do primeiro Plano Diretor pensado diretamente pelos moradores, que definia esta região do sul como um espaço de moradia e de vivência comunitária, sem o exagero dos espigões, dos grandes empreendimentos turísticos, da exploração imobiliária e da destruição da natureza. Essa movimentação garantiu que a comunidade crescesse de forma mais lenta, vigiada de perto pelas gentes e pelos movimentos populares, alertas às tentativas de destruição. Mas, agora, na primeira década do século XXI, novas ondas de migrações, acompanhadas das ações de empreiteiros, começaram a mudar a paisagem e a vida do lugar. Empreendimentos de grande porte pipocam por todo lugar. Manipulando as leis ou mudando-as para seu benefício, nas famosas alterações de zoneamento patrocinadas por vereadores mal-havidos, são construídos grandes prédios que impactam de forma brutal a vida do bairro, desde a caótica mobilidade urbana até a falta de água. Estas questões já apareceram no novo processo de discussão do Plano Diretor vivido pela cidade há quatro anos e que acabou, abruptamente, virando em nada, com a prefeitura preterindo a proposta popular por outra formulada por um instituto privado.
Em 2010, a mídia florianopolitana, também ao sabor de gordos patrocínios, criou a fantasia de um recanto de paraíso, o chamado “riozinho”, que é um espaço na praia do Campeche onde deságua um pequeno rio local. Ali virou o ponto da temporada, com a presença de artistas globais e outros “ilustres” endinheirados. Este ano, o empreendimento que se criou ao lado do rio Rafael alugou parte das dunas – que tem sob seu poder - para a poderosa Skol, que anuncia shows de grande porte para o local. Com isso, a comunidade, retomando a luta travada desde os anos 80, tem denunciado as irregularidades e procura conscientizar os moradores para que mantenham a vigilância sobre a forma de vida que desde tempos muito remotos se decidiu empreender naquele lugar.
Desde o ano passado a comunidade observa um crescimento exacerbado que deverá provocar grandes impactos e, por conta disso, decidiu empreender novas mobilizações em defesa do seu modo de vida. Na última quarta-feira, representantes do movimento popular, que é bastante forte no Campeche, se reuniram e listaram os seguintes problemas a serem enfrentados:
1 - O processo do Plano Diretor participativo iniciado pelo prefeito Dário Berger colocou a comunidade, durante quatro anos, a pensar e organizar a vida local. Encerrado autoritariamente, abriu espaço para que os grandes empreendimentos começassem a conseguir licenças para construções de grande porte colocando em risco a sustentabilidade da região que tem um ecossistema frágil de dunas e restinga, não oferece saneamento básico, tem pouca reserva de água e sofrível mobilidade urbana, com ônibus em intervalos muito longos, além de poucas linhas em circulação. Também no que diz respeito aos caminhos que levam ao centro da cidade, a situação é muito ruim uma vez que há apenas uma saída, ocasionando infindáveis engarrafamentos.
2 – Um exemplo desta ocupação irracional é o projeto Essence, da empresa RODOBENS, que se anuncia na cidade como um lugar de sonhos. O condomínio está sendo erguido praticamente em cima das dunas. São 14 prédios de quatro pavimentos cada um, com garagem subterrânea e ático, o que configura, na verdade, seis andares. No total são 500 novos apartamentos que devem adensar a região com mais mil pessoas. A garagem do prédio, feita no subsolo, é uma armadilha perpétua, uma vez que a área onde está construída é inundável e certamente sofrerá com as chuvas torrenciais que costumam cair no verão.
3 - Dezenas de outros mega projetos estão aparecendo a cada dia, causando sérios transtornos. Um deles, próximo à praia, está há meses sugando o lençol freático, jogando água pura na rua, para conseguir secar o terreno que foi cavado para a construção de garagens subterrâneas. Nada disso parece constituir ilegalidade, mas a comunidade já não suporta mais ver o desperdício de água pura, elemento que é tão importante para a vida.
4 – A Casan iniciou no ano passado um projeto de construção da rede de esgoto, mas desde então a comunidade tem se manifestado contrária a proposta de uma rede que desemboque numa única estação de tratamento que some todo o esgoto da ilha para ser jogado, via emissário submarino, no mar do Campeche. Várias manifestações já foram realizadas e o plano diretor construído pela comunidade definiu por pequenas estações de tratamento em que parcelas da comunidade assumam a responsabilidade pelo seu esgoto, sem que seja necessário jogá-lo no mar. Essa tecnologia existe, é acessível e nada impede a municipalidade de usá-la. Mas, a prefeitura, assim como a Casan não são sensíveis aos desejos da população e seguem com seu projeto original. Esse ideia, ultrapassada e poluidora trará também graves impactos ambientais á comunidade.
6 – Ao mesmo tempo em que a Casan premia os endinheirados invasores das dunas, a Justiça utiliza de sua conhecida predileção pelos ricos e coloca abaixo um espaço comunitário que existia na praia desde a década de 80, reconhecido como espaço cultural e patrimônio do Campeche. O histórico Bar do Chico foi derrubado, às seis horas da manhã de um dia chuvoso, sem que a comunidade tivesse tempo para se organizar, uma vez que todas as outras tentativas haviam sido barradas pelo povo. Poucos meses depois, o empreendimento Essence, que se localiza no rumo do bar construiu um deck de madeira, ocupando o espaço do antigo bar, para seus “privilegiados” moradores. Por ação popular o deck foi derrubado, mas pode voltar.
7 – Também o direito de ir e vir e de ocupar a praia pública está cada dia mais limitado aos locais. É o caso da faixa de praia que tem início na Comunidade das Areias até o Bar Tropical, no Morro das Pedras. Em função de alterações de zoneamentos, feitas há décadas no Governo do Bulcão Vianna, os Condomínios que foram construídos ao longo de quase 2 kms de praia não respeitam a lei, a qual determina que a cada 200 metros deve haver saída para a praia. Assim, espaços públicos ganham caráter de propriedade privada, impedindo o acesso aos moradores. A rua Manoel Pedro Vieira está totalmente tomada por Condomínios, incluindo-se aí a mansão de praia do tenista Guga Kurten e o Hotel Morro das Pedras, erguidos sobre as dunas, assim como os condomínios. Isso afronta o direito de ir e vir, mas nada é feito contra esses que praticam apartheid social. A rua citada, onde está a casa do tenista, hoje conta com apenas duas saídas para a praia.
8 – As mudanças climáticas e a ação desordenada do homem, que levaram à destruição da praia da Armação, também no sul da ilha, se faz presente também no Campeche. Com as construções de luxo sobre as dunas, a paisagem muda e transforma o ritmo da natureza. Nos últimos anos, as ressacas no Campeche têm sido vorazes e várias casas, construídas irregularmente sobre as dunas, são atingidas. Alguns destes proprietários realizaram obras de enrrocamento (colocação de pedras ou cimento) na praia, visivelmente ilegais. Algumas delas, barradas posteriormente, oferecem sérios riscos aos banhistas, com pontas de ferro assomando pela areia e outras escondidas sob o mar. E para completar este cenário de completo desrespeito pela vegetação nativa, os invasores de dunas estão cobrindo-as com lonas de plástico. Estas atitudes isoladas e egoístas têm causado mudanças, inclusive com a diminuição da faixa de areia.
9 – O desrespeito ao terreno natural e aos olhos de água que abundam no Campeche leva a grandes tragédias como o alagamento sistemático de áreas com a conseqüente destruição de casas e bens. As soluções, em vez de melhorar, são cada vez mais atrapalhadas, como por exemplo a idéia de tubular o Rio Rafael, com a proposta de construir um prédio sobre ele, o que poderá ocasionar ainda mais alagamentos na região, com a água não tendo para onde escoar.
10 – Para fechar com “chave de ouro” o processo de destruição sistemática do modo de vida do Campeche, agora, com o conluio de empresários da área, sem ligação emocional ou cultural com o bairro, está sendo organizado um mega-show na praia, onde desemboca o rio Rafael, patrocinado pela Skol. Estes eventos, além de serem portas de entrada para o tráfico de drogas pesadas, mexem de forma visceral com a estrutura do bairro. O Campeche, da forma como está organizado hoje, com ruas estreitas e apenas uma avenida, não comporta um fluxo excessivo de carros. Tampouco tem condições de acomodar um estacionamento para todos os visitantes que virão para o show, além de não apresentar estrutura sanitária. Como a comunidade é tradicionalmente residencial, estes mega-eventos tendem a perturbar todo o modus vivendi do povo da região.
Por conta de todos estes pontos elencados aqui, a comunidade decidiu iniciar um processo de luta pela manutenção da qualidade de vida no bairro, fortalecendo os seguintes pontos:
1 – Exigir fiscalização rigorosa para todos estes empreendimentos que estão em andamento.2 – Realização de estudo do impacto que esse adensamento populacional pode causar para o sistema de água, esgoto e transporte.
3 – Exigir imediata aplicação da Lei Municipal buscando a abertura de acesso à Praia do Morro das Pedras em toda a Rua Manoel Pedro Vieira.
4 – Moratória imediata para a construção de novos empreendimentos até que seja definido o Plano Diretor.
5 - Suspensão do mega-show promovido pela Skol por completa incapacidade estrutural do bairro em atender a uma demanda gigante de pessoas.
Visando esclarecer a comunidade e garantir mais apoio para estas lutas, acontece neste sábado, dia 29 de janeiro, às 10h, uma manifestação e panfletagem no cruzamento entre a Pequeno Príncipe e a rua da Capela. Todos os lutadores sociais da cidade estão convidados a para participar. A luta contra os mega-investimentos não é só do Campeche. Todo sul da ilha está ameaçado. A cidade como um todo está ameaçada. “Já basta de destruição”.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
EXCLUSIVO: Brasileiros entrevistam Julian Assange
A entrevista está sendo publicada hoje por diversos blogs de internautas brasileiros e foi organizada pela jornalista Natália Viana.
“Não somos uma organização exclusivamente da esquerda. Somos uma organização exclusivamente pela verdade e pela justiça”. Essa é apenas uma das muitas afirmações feitas pelo fundador e publisher do WikILeaks, Julian Assange, em entrevista aos internautas brasileiros. Julian, que enfrenta um processo na Suécia por crimes sexuais e atualmente vive sob monitoramento em uma mansão em Norfolk, na Inglaterra, concedeu a entrevista para internautas que enviaram perguntas.
Foram selecionadas doze perguntas dentre as cerca de 350 que Natália recebeu. Ela decidiu por privilegiar perguntas muito repetidas, perguntas originais e aquelas que não querem calar. Julian teve tempo de responder por escrito e aprofundar algumas questões. O resultado é uma entrevista saborosa na qual ele explica por que trabalha com a grande mídia - sem deixar de criticá-la -, diz que gostaria de vir ao Brasil e sentencia: distribuir informação é distribuir poder.
Em tempo: se virasse filme de Hollywood, o editor do WikiLeaks diz que gostaria de ser interpretado por Will Smith.
A seguir, a entrevista.
Vários internautas - O WikiLeaks tem trabalhado com veículos da grande mídia – aqui no Brasil, Folha e Globo, vistos por muita gente como tendo uma linha política de direita. Mas além da concentração da comunicação, muitas vezes a grande mídia tem interesses próprios. Não é um contra-senso trabalhar com eles se o objetivo é democratizar a informação? Por que não trabalhar com blogs e mídias alternativas?
Por conta de restrições de recursos ainda não temos condições de avaliar o trabalho de milhares de indivíduos de uma vez. Em vez disso, trabalhamos com grupos de jornalistas ou de pesquisadores de direitos humanos que têm uma audiência significativa. Muitas vezes isso inclui veículos de mídia estabelecidos; mas também trabalhamos com alguns jornalistas individuais, veículos alternativos e organizações de ativistas, conforme a situação demanda e os recursos permitem.
Uma das funções primordiais da imprensa é obrigar os governos a prestar contas sobre o que fazem. No caso do Brasil, que tem um governo de esquerda, nós sentimos que era preciso um jornal de centro-direita para um melhor escrutínio dos governantes. Em outros países, usamos a equação inversa. O ideal seria podermos trabalhar com um veículo governista e um de oposição.
Marcelo Salles – Na sua opinião, o que é mais perigoso para a democracia: a manipulação de informações por governos ou a manipulação de informações por oligopólios de mídia?
A manipulação das informações pela mídia é mais perigosa, porque quando um governo as manipula em detrimento do público e a mídia é forte, essa manipulação não se segura por muito tempo. Quando a própria mídia se afasta do seu papel crítico, não somente os governos deixam de prestar contas como os interesses ou afiliações perniciosas da mídia e de seus donos permitem abusos por parte dos governos. O exemplo mais claro disso foi a Guerra do Iraque em 2003, alavancada pela grande mídia dos Estados Unidos.
Eduardo dos Anjos - Tenho acompanhado os vazamentos publicados pela sua ONG e até agora não encontrei nada que fosse relevante, me parece que é muito barulho por nada. Por que tanta gente ao mesmo tempo resolveu confiar em você? E por que devemos confiar em você?
O WikiLeaks tem uma história de quatro anos publicando documentos. Nesse período, até onde sabemos, nunca atestamos ser verdadeiro um documento falso. Além disso, nenhuma organização jamais nos acusou disso. Temos um histórico ilibado na distinção entre documentos verdadeiros e falsos, mas nós somos, é claro, apenas humanos e podemos um dia cometer um erro. No entanto até o momento temos o melhor histórico do mercado e queremos trabalhar duro para manter essa boa reputação.
Diferente de outras organizações de mídia que não têm padrões claros sobre o que vão aceitar e o que vão rejeitar, o WikiLeaks tem uma definição clara que permite às nossas fontes saber com segurança se vamos ou não publicar o seu material.
Aceitamos vazamentos de relevância diplomática, ética ou histórica, que sejam documentos oficiais classificados ou documentos suprimidos por alguma ordem judicial.
Vários internautas - Que tipo de mudança concreta pode acontecer como consequência do fenômeno Wikileaks nas práticas governamentais e empresariais? Pode haver uma mudança na relação de poder entre essas esferas e o público?
James Madison, que elaborou a Constituição americana, dizia que o conhecimento sempre irá governar sobre a ignorância. Então as pessoas que pretendem ser mestras de si mesmas têm de ter o poder que o conhecimento traz. Essa filosofia de Madison, que combina a esfera do conhecimento com a esfera da distribuição do poder, mostra as mudanças que acontecem quando o conhecimento é democratizado.
Os Estados e as megacorporações mantêm seu poder sobre o pensamento individual ao negar informação aos indivíduos. É esse vácuo de conhecimento que delineia quem são os mais poderosos dentro de um governo e quem são os mais poderosos dentro de uma corporação.
Assim, o livre fluxo de conhecimento de grupos poderosos para grupos ou indivíduos menos poderosos é também um fluxo de poder, e portanto uma força equalizadora e democratizante na sociedade.
Marcelo Träsel - Após o Cablegate, o Wikileaks ganhou muito poder. Declarações suas sobre futuros vazamentos já influenciaram a bolsa de valores e provavelmente influenciam a política dos países citados nesses alertas. Ao se tornar ele mesmo um poder, o Wikileaks não deveria criar mecanismos de auto-vigilância e auto-responsabilização frente à opinião pública mundial?
O WikiLeaks é uma das organizações globais mais responsáveis que existem.
Prestamos muito mais contas ao público do que governos nacionais, porque todo fruto do nosso trabalho é público. Somos uma organização essencialmente pública; não fazemos nada que não contribua para levar informação às pessoas.
O WikiLeaks é financiado pelo público, semana a semana, e assim eles “votam” com as suas carteiras.
Além disso, as fontes entregam documentos porque acreditam que nós vamos protegê-las e também vamos conseguir o maior impacto possível. Se em algum momento acharem que isso não é verdade, ou que estamos agindo de maneira antiética, as colaborações vão cessar.
O WikiLeaks é apoiado e defendido por milhares de pessoas generosas que oferecem voluntariamente o seu tempo, suas habilidades e seus recursos em nossa defesa. Dessa maneira elas também “votam” por nós todos os dias.
Daniel Ikenaga - Como você define o que deve ser um dado sigiloso?
Nós sempre ouvimos essa pergunta. Mas é melhor reformular da seguinte maneira: "quem deve ser obrigado por um Estado a esconder certo tipo de informação do resto da população?"
A resposta é clara: nem todo mundo no mundo e nem todas as pessoas em uma determinada posição. Assim, o seu medico deve ser responsável por manter a confidencialidade sobre seus dados na maioria das circunstâncias - mas não em todas.
Vários internautas - Em declarações ao Estado de São Paulo, você disse que pretendia usar o Brasil como uma das bases de atuação do WikiLeaks. Quais os planos futuros? Se o governo brasileiro te oferecesse asilo político, você aceitaria?
Eu ficaria, é claro, lisonjeado se o Brasil oferecesse ao meu pessoal e a mim asilo político. Nós temos grande apoio do público brasileiro. Com base nisso e na característica independente do Brasil em relação a outros países, decidimos expandir nossa presença no país. Infelizmente eu, no momento, estou sob prisão domiciliar no inverno frio de Norfolk, na Inglaterra, e não posso me mudar para o belo e quente Brasil.
Vários internautas - Você teme pela sua vida? Há algum mecanismo de proteção especial para você? Caso venha a ser assassinado, o que vai acontecer com o WikiLeaks?
Nós estamos determinados a continuar a despeito das muitas ameaças que sofremos. Acreditamos profundamente na nossa missão e não nos intimidamos nem vamos nos intimidar pelas forças que estão contra nós.
Minha maior proteção é a ineficácia das ações contra mim. Por exemplo, quando eu estava recentemente na prisão por cerca de dez dias, as publicações de documentos continuaram.
Além disso, nós também distribuímos cópias do material que ainda não foi publicado por todo o mundo, então não é possível impedir as futuras publicações do WikiLeaks atacando o nosso pessoal.
Helena Vieira - Na sua opinião, qual a principal revelação do Cablegate? A sua visão de mundo, suas opiniões sobre nossa atual realidade mudou com as informações a que você teve acesso?
O Cablegate cobre quase todos os maiores acontecimentos, públicos e privados, de todos os países do mundo – então há muitas revelações importantíssimas, dependendo de onde você vive. A maioria dessas revelações ainda está por vir.
Mas, se eu tiver que escolher um só telegrama, entre os poucos que eu li até agora - tendo em mente que são 250 mil - seria aquele que pede aos diplomatas americanos obter senhas, DNAs, números de cartões de crédito e números dos vôos de funcionários de diversas organizações – entre elas a ONU.
Esse telegrama mostra uma ordem da CIA e da Agência de Segurança Nacional aos diplomatas americanos, revelando uma zona sombria no vasto aparato secreto de obtenção de inteligência pelos EUA.
Tarcísio Mender e Maiko Rafael Spiess - Apesar de o WikiLeaks ter abalado as relações internacionais, o que acha da Time ter eleito Mark Zuckerberg o homem do ano? Não seria um paradoxo, você ser o “criminoso do ano”, enquanto Mark Zuckerberg é aplaudido e laureado?
A revista Time pode, claro, dar esse título a quem ela quiser. Mas para mim foi mais importante o fato de que o público votou em mim numa proporção vinte vezes maior do que no candidato escolhido pelo editor da Time. Eu ganhei o voto das pessoas, e não o voto das empresas de mídia multinacionais. Isso me parece correto.
Também gostei do que disse (o programa humorístico da TV americana) Saturday Night Live sobre a situação: "Eu te dou informações privadas sobre corporações de graça e sou um vilão. Mark Zuckerberg dá as suas informações privadas para corporações por dinheiro – e ele é o 'Homem do Ano’."
Nos bastidores, claro, as coisas foram mais interessantes, com a facção pró- Assange dentro da revista Time sendo apaziguada por uma capa bastante impressionante na edição de 13 de dezembro, o que abriu o caminho para a escolha conservadora de Zuckerberg algumas semanas depois.
Vinícius Juberte - Você se considera um homem de esquerda?
Eu vejo que há pessoas boas nos dois lados da política e definitivamente há pessoas más nos dois lados. Eu costumo procurar as pessoas boas e trabalhar por uma causa comum.
Agora, independente da tendência política, vejo que os políticos que deveriam controlar as agências de segurança e serviços secretos acabam, depois de eleitos, sendo gradualmente capturados e se tornando obedientes a eles.
Enquanto houver desequilíbrio de poder entre as pessoas e os governantes, nós estaremos do lado das pessoas.
Isso é geralmente associado com a retórica da esquerda, o que dá margem à visão de que somos uma organização exclusivamente de esquerda. Não é correto. Somos uma organização exclusivamente pela verdade e justiça – e isso se encontra em muitos lugares e tendências.
Ariely Barata - Hollywood divulgou que fará um filme sobre sua trajetória. Qual sua opinião sobre isso?
Hollywood pode produzir muitos filmes sobre o WikiLeaks, já que quase uma dúzia de livros está para ser publicada. Eu não estou envolvido em nenhuma produção de filme no momento.
Mas se nós vendermos os direitos de produção, eu vou exigir que meu papel seja feito pelo Will Smith. O nosso porta-voz, Kristinn Hrafnsson, seria interpretado por Samuel L Jackson, e a minha bela assistente por Halle Berry. E o filme poderia se chamar "WikiLeaks Filme Noire".
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
A pedagogia do grande irmão platinado
Outro dia li um artigo de alguém criticando o que chamava de pseudo-esquerda que fica falando mal do BBB, mas que também dá sua espiadinha. E também li outras coisas de pessoas falando sobre o quanto há de baixaria no “show de realidade” da Globo. Fiquei por aí a matutar. E fui observar um pouco deste zoológico humano que a platinada oferece na suas noites. Agora é importante salientar que a gente nem precisa assistir para saber tudo o que se passa. É só estar vivo para saber. As notícias estão no jornal, no ônibus, no elevador, em todos os lugares. Então esse papo de que quem critica é hipócrita porque também vê não tem qualquer sentido. As coisas da indústria cultural nos são impostas de forma quase que totalitária. É praticamente impossível fugir destes saberes. Mesmo no terminal, esperando o ônibus, lá está o anúncio luminoso onde buscamos o horário do busão, dando as “notícias” dos broders. É invasivo e feroz.
Mas enfim, sou um bicho televisivo, e gosto de ficar feito uma couve em frente ao aparelho de TV analisando o que é que anda engravidando as gentes deste grande país que se alfabetiza por esta janelinha. Lá fiquei acompanhando alguns episódios do triste programa. Deveras, me causa espécie. Mas não falo pelo quê de promíscuo ou imoral possa ter o “show”, já que coisas do tipo que se vêem ali também são possíveis de ver na novela, nos filmes, etc... O que me apavora é capacidade de ser tão perverso e desestruturador de consciências. Está bem, as pessoas estão ali porque querem, elas mandam vídeos, se oferecem, morrem até para estar naquela casa, em busca do que pensar ser seu lugar ao sol. Mas, ainda assim, é perverso demais o que os “inventores” fazem com aquelas tristes criaturas.
Sempre pensei que a coisa nunca poderia ficar pior. Mas fica. Cada ano a violência fica maior. E o que me espanta é que não há gente a gritar contra isso. Agora inventaram a figura de um sabotador. Pois já não bastava colocar a possibilidade concreta de alguém (o espectador) eliminar outro (o broder “????”), o que, obviamente inaugura uma possibilidade por demais perversa de se apertar um botão e destruir o sonho de alguém, com requintes de crueldade. Uma coisa de uma maldade abissal. Então, o tal do sabotador é uma pessoa, do grupo, que precisa sabotar os seus companheiros para poder se safar. Inaugura-se assim mais uma instância da estúpida violência, a qual é parte intrínseca do “show”. Vi a cara do rapazinho. Estava em completo desespero. Precisava sabotar seus amigos. E o fez. Em nome do milhão.
Depois, um outro, ao atender ao telefone que sempre ordena uma sequência de maldades, obrigou-se a mandar sua colega para uma solitária, coisa que, nas cadeias, é motivo de grandes lutas dos grupos de direitos humanos. O garoto disse o nome da sentenciada, e seu rosto se cobriu de desespero. No dia em que ela saiu do castigo, enquanto os demais a abraçavam, ele se deixava cair, escorregando pela parede, chorando. Sabia, é claro, que aquela ação o colocava na mira da outra e na condição de um desgraçado que entrega seus colegas.
E assim vai o “grande irmão” propondo maldades e violências aos pobres sujeitos que ali entram em busca de um espaço na grande vitrine da vida. Confesso que a mim pouco se me dá se são homossexuais, trans, bi, héteros tarados, loucas, putas ou santas. Cada uma daquelas criaturas que ali estão quebrando todas as regras da ética do bem viver são pobres seres humanos, perdidos num mundo que exige da juventude bunda, músculo, peito e cabeça vazia. Não são eles os “imorais”. São vítimas. Querem mais do que as migalhas do banquete. Querem pegar com as unhas a promessa que o sistema capitalista traz na sua pedagogia da sedução: “‘qualquer um pode neste mundo livre”.
Tampouco me surpreende que um jornalista como Pedro Bial, dono de um texto refinado, esteja cumprindo o triste papel de fomentar a perda de todo o sentido ético que um ser humano pode ter. Ele, também buscando vencer nesse mundo que o capitalismo aponta como o melhor possível, fez a sua escolha. Optou por ser um sacerdote destes tempos vis. Um sacerdote muito bem pago.
O que me entristece é saber que essa pedagogia capitalista seguirá se fazendo todos os dias nas casas das gentes, que muitas vezes assistem ao programa porque simplesmente não têm outra opção. O melhor sinal é o da platinada. Pega em qualquer lugar deste grande país. Há os que vêem e nem gostam, mas ocorre que estas “lições” em que se eliminam pessoas, em que se traem os amigos, em que vale tudo, passam meio que por osmose. É a lavagem cerebral. É a violência extrema sendo praticada entre risos e apupos de “meus heróis”. Tudo pela “plata”.
Enquanto isso, como bem já levantaram alguns blogueiros, a Globo, junto com as companhias telefônicas, lucra rios de dinheiro com as ligações que as pessoas fazem para eliminar os “irmãos”. É galera, brother quer dizer irmão em inglês. E olha só o que se faz com um irmão? Essa é a “ética”. Os empresários globais lambem seus bigodes.
Então, fazer a crítica a esse perverso programa não é coisa de pseudo-esquerda. Deve ser obrigação de qualquer um que pensa o país. A questão do “grande irmão” não é moral. É ética. Trata-se da consolidação, via repetição, de uma pedagogia, típica do capitalismo, que pretender cristalizar como verdade que para que um seja feliz, outro tenha que ser “eliminado”. O show da Globo é uma violência explícita, cruel, nefanda, sinistra e miserável. É coisa ruim, malcheirosa. Penso que há outras formas de a gente se divertir, sem que para isso alguém tenha de se ferrar! Até mesmo os mais importantes cientistas mundiais já alardearam a verdade inconteste: vence quem coopera. Onde as pessoas, juntas, buscam o bem viver, ele vem...
Mil dias na praça – ex-combatentes das Malvinas exigem direitos e reconhecimento
Luis Gianinni tinha pouco mais de 18 anos quando, servindo ao exército em 1982, foi chamado a defender sua pátria numa guerra praticamente suicida: a guerra das Malvinas. “Nós éramos jovens recrutas, não tínhamos conhecimento de tudo o que estava em jogo. Apenas sabíamos que tínhamos de defender a Argentina. E assim foi”. Luiz, junto com mais 400 companheiros é um dos ex- combatentes que estão acampados na Praça de Maio, em frente ao palácio do governo argentino, exigindo direitos e reconhecimento. Luis, assim como os demais colegas em luta não estiveram na ilha, mas foram mobilizados e chegaram a travar combates no continente. Ainda assim, eles foram deixados de fora da lei que estabeleceu direitos para os ex-combatentes, sob a alegação de que os que atuaram no continente não teriam participado da guerra mesma.
Segundo os ex-soldados isso não é verdade. Eles insistem que quando, dias depois de a Argentina ter iniciado a guerra, foi criado, via decreto, o Teatro de Operações do Atlântico Sul (TOAS) este incluía, além das ilhas, as províncias de Chubut e Santa Cruz, na parte continental. Num dos anexos do decreto também está dito que o Comitê Militar poderia estender sua jurisdição a outros espaços marítimos e aéreos que fossem necessários, visando garantir a defesa de todo o litoral do país num eventual ataque dos ingleses ao território argentino, principalmente na região das bases de Rio Gallegos e Comodoro Rivadavia, de onde saiam os bombardeiros da Força Aérea. Assim que esta zona ficou com as tropas em estado de alerta durante todo o conflito.
Foi por conta deste alerta que os soldados que estavam servindo naquela região se envolveram na guerra. Segundo Luis, eles preparavam obras de defesa, cavavam poços, trincheiras, faziam exercícios militares de defesa, faziam patrulhas e mantinham o armamento em dia, esperando o combate. Toda a correspondência era censurada e eles tinham de estar sempre prontos para entrarem em ação. Assim, dizem os ex-soldados que hoje acampam em frente à casa Rosada: “O medo, o frio, a incerteza, a espera do confronto armado e toda a carga psicológica da guerra foi vivida por cada um dos que ali estavam. Mesmo aqueles que ficaram em Puerto Argentino e que nunca dispararam um tiro sequer. A guerra estava viva em nós. Nós a vivemos”.
Mas, a lei número 22.674, que garantiu direitos às pessoas que sofreram danos ou perderam seus empregos por conta de sua participação na guerra acabou envolvendo apenas aos oficiais e aos que estiveram nos combates na ilha ou nas zonas de saída das tropas. Os demais foram deixados de fora, como se não tivessem vivido toda a atmosfera da guerra. “Naqueles dias todos nós, que éramos muito jovens, vivíamos a angústia de a qualquer momento ter de enfrentar uma outra pessoa, armada, matar e morrer. Isso deixa marcas, isso pode destruir a cabeça de muita gente”.
Entre os argumentos que os acampados apresentam para serem incorporados aos benefícios devidos aos ex-combatentes está o teor do artigo 14º da Lei 13.234 que mostra que durante o conflito o país estava dividido em uma ou mais Zonas de Operação, assim como de uma Zona no Interior. Assim que quem estava no continente, em estado de alerta, também estava no teatro de guerra. “O regulamento do exército define como Teatro de Operações o território, tanto próprio como do inimigo, que seja necessário para o desenvolvimento das operações militares em nível estratégico e operacional. Nesse sentido, nós estávamos bem dentro da zona”. Conforme contam até os livros de história da Argentina: “Eram dias febris tanto nas Malvinas como em Comodoro Rivadavia, cidade que ficava na cabeceira do operativo militar. Unidades de transporte da Força Aérea chegavam constantemente às cidades, repletas de batalhões de infantaria. No continente, as autoridades militares ordenavam operações de defesa, diante de um eventual ataque britânico” (História da Guerra das Malvinas, A. Alonso Piñeiro, p.37).
Luis Gianinni lembra também de uma citação da Corte Suprema de Justiça da Argentina que afirma: “por guerreiro deve-se em geral entender-se o pertencente ou relativo à guerra, e, por conseguinte o ofício ou profissão daquela por homens que como oficiais ou soldados contribuem para a formação de um exército sem que importe se participe ou não de ações de guerra”. Ora, se é assim, porque então todos estes ex-combatentes estão excluídos dos benefícios? Dentro da tenda, armada na Praça de Maio, os ex-soldados insistem em dizer que a resposta deve ser buscada no “da costeleta”, como indicam o ex-presidente Menen, de quem se recusam a dizer o nome. “Agora, esperamos que Cristina seja sensível e ajude a influenciar o legislativo, atendendo nossas reivindicações e repare esse erro”.
Para os homens que há mais de mil dias perseveram, acampados na Praça de Maio, na luta pelo reconhecimento do serviço que prestaram durante a guerra que vitimou mais de 600 soldados argentinos, 17 dos quais eram seus companheiros do continente, o mais importante de tudo é que o governo e o povo argentino reconheçam que eles fizeram parte deste triste momento da pátria. “Já são 27 anos de espera, por pelo menos um aceno de consideração. Nós estivemos envolvidos e sofremos a pressão da guerra. É justo que nos reconheçam. Por um decreto, sem que fôssemos consultados, nos mandaram à guerra, e agora nos deixam aqui, abandonados. Isso sem esquecer aqueles que tombaram e deram sua vida pela Argentina”.
A guerra das Malvinas, que durou de 02 de abril a 14 de junho de 1982, foi levada pelo governo militar da Argentina, quando decidiu recuperar a ilha, roubada pela Inglaterra em 1833 durante suas incursões de rapinagem pela América do Sul. A posse daquele território na América Austral tem importância estratégica por conta do tráfego marítimo e a Argentina sempre havia reivindicado a sua retomada. A decisão de ir à guerra em 1982 esteve ancorada no desgaste do governo de ditadura militar, um dos mais violentos da América Latina, que, vivendo uma crise sem precedentes no campo econômico, precisava encontrar uma forma de distrair o povo argentino das agruras causadas pela incompetência governamental. Assim, os militares decidiram declarar a guerra de retomada das Malvinas, visando unir os argentinos sob uma única bandeira de patriotismo.
A ação de o governo militar argentino mostrou-se completamente desastrosa e as forças locais foram imediatamente aplastadas pelo poderio britânico, que chegou a enviar até submarinos nucleares para os mares do sul. Como era de se esperar, as grandes potências, como os Estados Unidos e outros países europeus, declararam apoio à Grã Bretanha e a derrota argentina foi inevitável. Em batalha após batalha, foram caindo os soldados argentinos, dando uma trágica concretude à mortal aventura da ditadura argentina, que acabou se rendendo em 14 de junho. Três dias depois o general Leopoldo Galtieri, então presidente do país, renunciou e, com esse episódio tem início a derrocada da ditadura, pois o povo dramaticamente percebia, mergulhado numa crise econômica, política e moral, que os militares não podiam mais dar respostas à vida nacional. Um ano e meio depois, acontecem as primeiras eleições livres desde 1976, com a eleição de Raul Alfonsin.
Hoje, ouvindo os ex-combatentes das Malvinas, que seguem ignorados pelas autoridades locais, percebe-se que a Argentina ainda tem muito de avançar no que diz respeito a esse episódio dramático que sepultou mais de mil vidas, entre argentinos e ingleses, nas terras geladas do sul. Os jovens que, naqueles dias, enfrentaram um dos países mais poderosos do mundo em nome de uma quimera, merecem respeito. Eles estiveram na luta, enfrentaram os que lhes eram indicados como inimigos e agora precisam que a Argentina os olhe nos olhos e lhes diga, pelo menos: “gracias”. Já não se trata mais de discutir se foi uma guerra estúpida, e foi, mas de recuperar a confiança daqueles que, de peito aberto, se colocaram na linha de frente para defender seu país. Se os demais combatentes tiveram direitos, eles também os merecem.
Fotos: www.iela.ufsc.br
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
domingo, 23 de janeiro de 2011
O Sandro de Lanús
Na verdade, Lanús não é uma cidade pequena, toda sua extensão abriga mais de 400 mil habitantes, mas, comparada ao fervo capitalino acaba sendo uma ilha de sossego, bem típica do interior argentino. Ruas largas, calçadas amplas, muitas árvores e casas baixas. Um lugar onde, ao final da tarde, as gentes ainda sentam nos alpendres para tomar um bom chimarrão. Foi ali que chegamos com a noite para um agradável jantar na casa de uma amiga.
Entre um mate e outro, com a mesa plena de “fartura”- um costume de acompanhar o chimarrão com uma série de pequenos pãezinhos doces - acabamos encontrando Ana, uma mulher adorável, exemplo único da vida daquele rico país. Professora desde há anos, ele também fora durante grande parte de sua vida a presidente do fã clube de Sandro, um ícone da canção popular argentina, comparado ao nosso Roberto Carlos.
E foi assim que aquela noite singular se fez cheia de memórias do fundador do rock argentino e o precursor deste ritmo em toda a América Latina. Tanto que era conhecido como “Sandro de América”. E, enquanto mastigávamos os doces, saltavam fotos e vídeos do cantor que, no ano de 1960, explodiu em toda a Argentina com a canção “Comendo rosquinhas quentes na Ponte Alsina”. Moreno, bonito, com um charmoso nariz adunco, Sandro iniciou sua carreira imitando Elvis Presley, inclusive com seu famoso remexer de quadris. Mas, com o passar do tempo foi adquirindo seu jeito próprio, latino.
Ana conta que desde os primeiros sucessos de Sandro ela se tomou de amores por ele e como era nativo dali mesmo, de Lanús, não foi difícil se aproximar e iniciar o fã clube. Durante toda a longa carreira do cantor, Ana esteve por perto e lembra com tristeza dos angustiosos dias em que ele lutou pela vida no hospital onde efetuara um complexo transplante de pulmão e coração. “Poucos dias antes ele havia ligado pra mim, dizendo que estava bem. A sua morte foi um choque. Sentimos como se tivesse sido alguém da nossa família”. Ela lembra que Sandro viveu em Lanús durante toda a sua vida e que no dia do seu aniversário, todos os anos, as fãs organizavam caminhadas até lá e ele as recebia com carinho e atenção. “Ele sempre foi muito querido com todas”.
Saímos de Lanús com o DVD do Sandro, um CD e toda aquela sorte de memórias que tornam alguém especial. Mais tarde, ouvindo as canções, notamos que algumas delas foram gravadas em português pelo nosso também “imorrível” Sidney Magal. Sandro foi um sucesso até o fim da vida, embora tenha vivido um certo período de ostracismo quando, nos anos 80, os “intelectuais” rotularam suas música de “brega”. Para a legião de fãs que sempre o acompanhou Sandro nada tinha de brega, ele apenas expressava as dores do amor nas suas canções românticas, que o tornaram ainda mais adorado. Mas, nos anos 90 os jovens do rock argentino promoveram uma recuperação da sua obra, convidando-o para shows conjuntos e reverenciando o cantor como a um mestre, precursor de um tempo muito rico na Argentina. Sandro voltava à vida, ainda que guardando sua habitual humildade. Conhecido como “o cigano”, por sua mirada “tanguera”, profunda e sensual, até os últimos dias de sua vida o cantor argentino recebeu o carinho das fãs que o acompanhavam religiosamente.
Quando encantou, seu corpo foi velado no parlamento nacional e o cortejo foi acompanhado por milhares de pessoas. Ao longo do percurso até o cemitério se postavam aquelas que Sandro chamava de “minhas meninas” com flores e canções. Foi um dia de profunda dor para o povo argentino.
Caminhando pelas ruas de Buenos Aires pode-se perceber que Sandro está mais vivo do que nunca. Qualquer banca de revistas apresenta várias publicações com a foto do “cigano” na capa. Suas músicas tocam no rádio, são conhecidas por todos e fazem parte da história da Argentina.
Assim, naquela noite quente, em Lanús, também nós ficamos mais próximos de um dos mais importantes ícones da música popular latino- americana, filho de uma periferia operária, que nunca cedeu passo à mosca azul da fama. “Ele era um homem simples e por isso será eterno nos nossos corações”, sentenciou Ana, enquanto, absorta, cantarolava sua canções, com os olhos cheios de amor grudados na tela da TV onde Sandro remexia seu corpo sedutor.
Agora, enquanto escrevo estas notas Sandro canta ao meu ouvido uma terna canção de amor... “Penas, y penas, y penas, hay dentro de mi… Y ya no se irán porque a mi lado tú no estás. Te recordaré, como algo que fue, solo un sueño hermoso y nada más”… E eu me sinto tão feliz por tê-lo conhecido, agora transformada em “sua menina” também! Gracias Ana, foi um presente!...