Sempre digo por aí, não sem certa
tristeza: somos os arautos da desgraça. Aqueles que sobem no mais alto monte e
ficam a gritar sobre os males que virão. Não que sejamos videntes, pitonisas,
magos. Não. Apenas analisamos a realidade, observamos as relações de causa e
efeito e pronto: aí está o que pode acontecer. No geral, as coisas acontecem
mesmo. É ciência.
Desde há muito anos denunciamos
os programas de espionagem do governo dos EUA. E antes de nós outros já
denunciavam. Mas, nossas palavras ficam no vento: teoria da conspiração, coisa
de esquerdinhas, maluquices dos que são anti-progresso e tantas outras
etiquetas pejorativas que se usam para desqualificar nossas análises e
opiniões. Para a maioria da população, que conhece a realidade através da mídia
comercial, as relações com os Estados Unidos sempre foram muito boas e assim
tem de ser, afinal, esse é um país grandioso que tem muita coisa a ensinar e
oferecer. Pessoas há que, inclusive, acreditam ser muito bom ser dependente dos
EUA, já que esse é um país importante.
Em todos os meios de comunicação
de massa raras são as notícias ruins sobre os EUA. No mais das vezes, as que
aparecem são as impossíveis de esconder,
como é o caso das chacinas que jovens adolescentes praticam sistematicamente.
Mostra-se o fato, a dor, a tragédia, mas quase nunca aparece uma boa análise
dos motivos que levam a isso. O jornalismo não se presta a desvelar a
realidade. É mera propaganda. Então, fatos como esses aparecem como patologias,
falhas na matrix, e não há ligação com o fenômeno da violência de uma sociedade
militar. Assim, logo em seguida, novas
notícias sobre a Disneylândia ou o lançamento do "Homem de Ferro 3" colocam
as coisas todas no lugar outra vez.
Pois agora, nos últimos tempos, a
espionagem dos EUA sobre o mundo veio à tona na denúncia de um jovem
estadunidense que trabalhou para uma dessas empresas que roubam dados e fuxicam
a vida de pessoas e estados para que o governo possa atuar na defesa dos
interesses da elite dominante daquele país. A notícia se espalhou. Não havia
como negar. Até então, as provas repassadas pelo WikiLeaks eram vistas com
ceticismo e seu criador, Julian Assange, era igualmente desqualificado como
pessoa, para que suas informações se perdessem no vazio. E, afinal, Assange é
um inglês, logo, poderia ser um inimigo dos EUA, ou, quem sabe, um esquerdinha
a mais.
Foi apenas quando a denúncia veio
de dentro mesmo do "monstro" que os meios de massa tiveram de dar
algum destaque. Ainda assim, tudo segue meio nebuloso. E Edward Snowden ainda
está revestido de mistério. Afinal, como um "americano" normal iria
denunciar seu próprio país. Seria ele um tolo? Assim como foi tolo o jovem Brad
Manning ao denunciar as atrocidades dos EUA no Iraque, tentando mudar essa
realidade, tentando "ajudar" seu país? Perguntas que a mídia
comercial deixa no ar, para que as pessoas passem elas mesmas a formular essas
teses, aceitando-as como verdadeiras: os caras são traidores da pátria deles.
Só isso pode explicar o fato de o
Brasil ter sido espionado naquilo que tem de mais estratégico que são suas
riquezas naturais, e tudo ficar por isso mesmo. Comprovado ficou que os Estados
Unidos espionaram a Petrobras, espionaram a presidente do país, espionaram
ministros. O máximo que se teve de repercussão foi um discurso na ONU e um
pedido de explicações ao governo dos EUA. O governo explicou? O Brasil se
satisfez com as explicações? O que está em jogo no tabuleiro da espionagem das
riquezas do país?
Alguém já pensou no que
aconteceria se fosse o contrário. Se o governo brasileiro tivesse espionado
alguma empresa estratégica dos EUA, que respostas receberia do país governado
por Barak Obama? Certamente a Quarta Frota ocuparia nosso litoral. Os mariners
viriam aos montes, os Seals, a CIA, e toda a sorte de mercenários ou patriotas.
Haveria uma guerra? Ocupariam Brasília? Viriam o Rambo, o Duro de Matar, o
Homem de Ferro, o Capitão América, os Vingadores? Sim, viriam!
Mas, e o Brasil, que poderia
fazer? Uma guerra? Possivelmente não. Temos de ser realistas. Mas, uma coisa
poderia ser feita sim. Ou melhor, deveria. Cancelar os leilões da Petrobras. É
fato notório e comprovado que espionaram a empresa brasileira de petróleo. É
fato que o Brasil tem reservas imensas no pré-sal. É fato que as empresas
estadunidenses estão de olho no petróleo, não só aqui, mas em todo o mundo.
Logo, se espionaram a Petrobras estão de posse de informações estratégicas
sobre os campos de petróleo. E, sendo assim, serão as vencedoras nos leilões
que mais lhe interessarem. Não é esquerdismo, nem teoria da conspiração. É
matemática. Junta dois mais dois e tem o quatro. Não há erro.
Pois apesar de todo esse cenários
de filme roliudiano, a presidente Dilma (que foi espionada também) decidiu
manter o leilão do Campo de Libra para o dia 21. Está ajoelhada diante do
império. Nenhuma reação prática além das palavras na ONU. E mais, chamou o
exército para cercar as ruas impedindo que a população se manifeste. Submete-se
vergonhosamente aos interesses externos e enfrenta o povo de seu país como
inimigo. Porque, afinal, exército é uma instituição que existe para defender o
país de agressões externas, de inimigos.
As perguntas que as pessoas devem
se fazer é: quem são os inimigos do país? Quais são os que devem ser
enfrentados? As pessoas que aqui vivem e que querem proteger as riquezas
naturais? Ou os estrangeiros que vêm explorar o petróleo, levando as riquezas
para fora do país? Seriam os trabalhadores da Petrobras, os sindicalistas, os
militantes do Movimento Sociais os verdadeiros inimigos do Brasil? Pensem nisso...
Com calma!
E aqui vão outras indagações para
ligar os fios da realidade social: que relação tem tudo isso com os protestos
que tem sido realizados nos últimos tempos? Por que foi votada uma lei que
transforma em "bandido" e "perigo nacional" aqueles que
estão nas ruas se expressando da única forma com a qual conseguem ser ouvidos? Por que se manda para os
presídios estudantes e populares que enfrentam a polícia na luta por direitos e
por soberania? Seria realmente "vandalismo" a reação desesperada de quem não consegue ser
escutado como cidadão que pensa e decide as políticas de governo? Afinal, os
governantes não deveriam governar baseado nas demandas do seu povo? Ou devem
governar baseados nos desejos de empresas transnacionais ou governos
estrangeiros?
Pois essa é a trama do tecido social
que temos estendido sobre nossos olhos. Segunda-feira acontece o primeiro
leilão do pré-sal. Nossas riquezas sendo entregues possivelmente aos mesmos que
nos espionaram. Nas ruas, as pessoas que insistem em ver o Brasil soberano,
dono de suas própria riquezas, enfrentarão mais que a polícia. Enfrentarão o
exército, colocado nas ruas para "defender" a nação. Defender o
Brasil dos brasileiros. Jovens, sindicalistas, populares, reagirão
organizadamente, pacificamente. Outros reagirão desesperadamente. A luta é
desigual. De um lado, homens armados, treinados para exterminar o inimigo. Do
outro, gente indignada, apaixonada, desesperada diante da força bruta.
E na televisão os repórteres
bem-mandandos ouvirão pessoas que chamarão de "vândalos" aos que
lutam. E aparecerão pessoas do povo dizendo que o lugar de quem está mascarado
e reage violentamente num protesto deve ser mesmo o presídio. E toda essa gente
que luta pelo Brasil soberano será colocada na condição de bandido, terrorista,
baderneiro. E os âncoras dos telejornais farão aquelas caras constritas para
falar da "violência" perpetrada por pessoas que não querem o
progresso do Brasil. O progresso deles, dos âncoras, que são os ventríloquos
daqueles que dominam, é o da entrega das riquezas, o da submissão, da
dependência. E as pessoas "de bem" dormirão tranquilas, sabendo que
os "bandidos" estarão nas cadeias.
Só que as pessoas que lutam pela
soberania nacional não são bandidas. Elas são o povo. E isso não se acaba
assim, na prisão de alguns. A luta recomeça e, de novo, nas ruas, estarão
milhões. Porque a realidade mesma é clara. Esses espaço
geográfico é dos brasileiros e dos que aqui escolheram viver. Não pode servir
de lugar de exploração, como sempre tem sido desde a invasão em 1500.
A segunda-feira que virá
escreverá os destinos do país.