sexta-feira, 29 de julho de 2016

A cidade em movimento a partir dos escritos e da memória



Já vai longe o dia em que cheguei a Florianópolis, com minha velha mochila verde, vinda de Passo Fundo para fazer a faculdade de Jornalismo. De cara, meu primeiro encontro com a cidade foi o Mercado Público, a Conselheiro Mafra, a Lurdinha. Eu olhava para toda essa beleza e pensava: “onde estará a luta popular”? Foi então que me disseram que a vida pulsava em Florianópolis a partir do trabalho do padre Vilson Groh, do Mont Serrat e da irmã Ivone. Eles dirigiam o Centro de Apoio e Promoção do Migrante. Não demorou muito para eu estar com eles, disposta a partilhar daquele trabalho bonito de acolhida e organização das gentes que chegavam a levas do interior do estado.

A cidade, repleta de espaços vazios, ansiava por pessoas de outras cores, outras etnias, outros quereres. A velha província do funcionalismo público estava prestes a mudar.

Na caminhada fui encontrando outros lutadores. O Loureci, a Elisa, O Lázaro, a Melita, a Chica, o Roberto, tanta gente, tanta gente e, com eles fui vivenciando a dolorosa luta por moradia, por direito à cidade. Foram muitas noites de organização de ocupação, muitas madrugadas de terras repartidas, muitas ocupações da prefeitura, da Câmara de Vereadores, muitos despejos, muitos vídeos feitos nas piores condições, muitos textos.

Com o passar dos anos fomos vendo a cidade mudar, com o nascimento de bairros inteiros como o Monte Cristo, Chico Mendes, Vila Aparecida e tantos outros. Vivíamos a cidade pulsante, popular, comunitária. Uma experiência única.

Agora, no início desse ano, a jornalista Miriam Santini de Abreu, da Pobres e Nojentas, decidiu recuperar aquela linda história das lutas de ocupação da cidade. E, aos poucos foi juntando as gentes, em longas entrevistas de memórias. Pela linha do tempo estão passando esses rostos e vozes que um dia ousaram enfrentar os chamados “donos da cidade”. Ocuparam os vazios urbanos e fincaram ali suas casas e seus corações.

Nas entrevistas explodem as lembranças e vão se descortinando as batalhas cumpridas coletivamente. Muitos dos personagens já foram escutados, outros ainda o serão. Também está prevista uma discussão com todos os envolvidos nessa luta histórica, para organizar as memórias. E, por fim, haverá um documentário o qual servirá como uma linha condutora de todas essas vidas que se encontraram na década de 80 para fazer história.

Vale a pena navegar pela página do projeto que Miriam coordena com a parceria do professor Jorge Ijuim, e outros tantos companheiros da UFSC e do movimento popular.

Ali, viceja a vida real, a vida da cidade, essa Florianópolis guerreira, migrante, negra, mestiça e rebelde.  


Vejam o meu depoimento

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Olimpíadas - um debate

A nona edição do programa Pensamento Crítico, produzido pelo IELA, discute as Olimpíadas, que esse ano acontecem no Brasil. Com Paulo Capela e Nilso Ouriques.

terça-feira, 26 de julho de 2016

Deslembrar


















Fotos: Rubens Lopes

Até ontem minha vida era a rotina do caos. Manifestações, reuniões, aulas, trabalho, atos, palestras. Um universo em alta rotação. Vida louca. Nenhuma preocupação maior a não ser mudar o mundo com a barafunda de ações e vontade. Então ele chegou. Veio sem querer, mansinho e silencioso. Das brumas do passado, descortinando outra forma de viver. Desarranjou tudo e colocou a existência de pernas para o ar.

Meu pai.

Do alto de seus 84 anos, iniciou agora um processo de deslembrar. Memórias que vão se perdendo, nomes, lugares, momentos. Sabe-se lá o porquê disso. Doença, senilidade, vontade. Agora, está na minha casa e na minha vida, feito uma criança grande, precisando de cuidados.

Lembro como se fora hoje dos dias em que íamos ao estádio de futebol. Eu agarrada na sua mão, adentrando ao campo, aos vestiários, descobrindo a magia do futebol e do jornalismo. O mundo do rádio. Também lembro de mim, conduzida pelo seu senso de justiça e de amor pelos livros. Por conta dele – que comprava todos os livros dos vendedores que batiam à nossa porta – aprendi a ler bem cedo, a amar as palavras e a construir mundos com elas.

Não foram poucos os caminhos pelos quais ele me guiou. As letras, as margens do rio Uruguai, os campos do Japejú, o uso do microfone, a poesia campeira, o universo das novelas de rádio, a música sertaneja, os fandangos de galpão, a honestidade calvinista, a responsabilidade com o outro.

Quando saí de casa, aos 17 anos, levava tudo isso na bagagem e foram esses saberes que me conduziram nas insanas trilhas por onde passei. Feito pandorga, loucamente solta no ar, mas firmemente atada a esse jeito de ser no mundo. Quase 40 anos depois, não sou eu quem volta, mas ele. Precisando da minha mão para adentrar nesse mundo estranho do esquecimento. E ele está aqui.

Toda a vida conhecida até agora vai mudar. Há que sentar com ele ao sol, tomar chimarrão, puxar pelas lembranças antigas, cantar, ver o pôr-do-sol, apreciar o canto dos passarinhos. Há que caminhar passinhos pequenos, sem pressa, controlar os remédios, cuidar da higiene, brincar. A missão mais importante do dia é lhe arrancar uma gargalhada. Nada de reuniões, nem atos públicos, nem compromissos. Só esse ficar quieta, com ele, na manhã.

A isso meus parentes originários chamam de reciprocidade. A hora de dar, porque muito já se recebeu. Então, também para mim é chegada a hora das ausências. Vou fazer esse caminho das des/lembranças, na parceria com o pai. Cruzar com ele os portais dos postos de saúde, das esperas por exames, da amarga odisseia dos que precisam do sistema público.

E pelas ruas do Campeche vamos seguir, mão na mão, como naqueles distantes dias, em São Borja, quando eu adentrava aos mundos desconhecidos com ele. Lá, ele me guiava. Agora, guio eu. 


Racismo e capitalismo

Conferência do professor Sílvio Luiz de Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama, promovida pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos, em 30 de junho de 2016.