Florianópolis tem um jeito de falar que é muito peculiar e
característico do povo daqui. É o chiadinho na pronúncia do “s”, a rapidez no
falar, as palavras típicas, as expressões singulares. É tudo muito lindo, mas ,
vez em quando, nos coloca em maus lençóis. Um exemplo disso foi a cena que
protagonizei em Brasília, quando passei por racista.
Estávamos eu e o Assis, um querido amigo que já encantou,
numa daquelas malfadas plenárias da Fasuba, na UNB, e esperávamos o ônibus.
Demorou, demorou e nós falando sem parar, reclamando do transporte daqui e de
lá. Até que finalmente surgiu o buzão e entramos, espevitados. Na correria
esquecia a minha pasta na parada. O Assis gritou para o motorista parar que a
gente precisava voltar e pegar a bolsa. Ele foi muito gente boa. Parou e
esperou. Quando retornamos, gritei lá do
fundo, expressando minha gratidão. “Muito obrigada, nêgo, deus abençoe”.
O ônibus todo se voltou para mim. E o motorista sequer
respondeu, fechando a cara. Eu estaquei. Puta merda! O motorista era um homem
negro. Deve ter achado que eu falei: obrigada, negro. Caramba. Uma grosseria, a
considerar o profundo racismo da nossa sociedade. O Assis, que era bem mais
mané que eu, também falou algo do tipo, naquela alegria que lhe era peculiar.
Não percebeu o desconforto.
Eu tinha duas opções. Ou tentava explicar que era de
Florianópolis e que aqui todo mundo usa essa expressão “nêgo, nêga” para
qualquer pessoa, independentemente da etnia, sem qualquer ligação com a cor da
pele, ou ficar quieta, por perceber a
animosidade que já se expressava em vários rostos. Lembrei o provérbio árabe
que diz: não se justifique – os amigos não precisam disso e os inimigos não
acreditarão. Achei melhor ficar quieta. Passei por racista. Na hora em que
saltei, ainda esbocei um sorriso para o motorista, mas ele não retribuiu.
Outra fria me proporcionou o “quirida”, é , assim, com “i” ,
que é como usamos aqui na ilha. Em Belo Horizonte, depois de comprar uns bindis
de uma vendedora super atenciosa, terminei com o “muito obrigada, quirida”. Ela
franziu a cara. Eu notei. Nesse dia, estávamos só as duas, eu resolvi explicar.
“Desculpa a intimidade, mas lá em Florianópolis usamos muito essa expressão”.
Ela riu e disse que ali esse tipo de coisa era dito quando se queria ser falsa.
Poix! O negócio é a gente se cuidar por aí nesse brasilzão
de tantas falas e expressões. Afinal, nessas horas não dá pra sair com a nossa
velha expressão de “ se quéx, quéx, se não quéx, dix”, não é mesmo quiridos?