Participei de uma discussão chamada pela Fenaj na qual os seus dirigentes apresentaram uma proposta que me deixou boquiaberta: a taxação das grandes plataformas. Oi? Confesso que me esforcei. Mas não entendi. Então, fui buscar mais informações no sitio da minha federação e lá estava a manchete, assim, sem pejo: “FENAJ apresenta proposta de taxação de plataformas digitais como forma de mitigar danos causados ao jornalismo”. Oi? Como assim, meu deus? Mitigar os danos?
A Fenaj era para ser uma federação de sindicatos, logo, deveria atuar numa pegada sindical. Mas, não é assim. Já faz algum tempo que a Federação dos Jornalistas atua mais como um espaço de trabalhadores liberais. Tanto que é a Fenaj quem tem feito a campanha pela criação de um Conselho Nacional de Jornalistas, que seria algo assim como um espaço de fiscalização da profissão, típico das profissões liberais, como médico, engenheiro, contabilista, etc...
Sempre acreditei que os trabalhadores da comunicação deveriam se unificar em um sindicato único. Não faz muito sentido ter um sindicato de uma categoria que não se sente trabalhadora. No nosso caso, jornalistas, temos avançado muito para essa forma de ser que é a pessoa pejotizada. Ou seja, não é trabalhador, porque não assalariado, mas também não é patrão, porque precisa da empresa que o contrata de forma terceirizada. Logo, tá sempre numa espécie de limbo identitário.
Já fui contra o Conselho Nacional de Jornalistas justamente porque, se ele existisse, o sindicato dos jornalistas seria algo totalmente inútil e eu acreditava que os jornalistas poderiam, sim, ter um sindicato que fosse um instrumento de luta dos trabalhadores desse fazer. Hoje não me oponho mais. Observo que cada vez mais os jornalistas vão se distanciando da ideia de ser trabalhador. Vivemos um tempo de pessoas-projeto, de empreendedores, e os poucos que ainda estão nas galés (mídias comerciais, sindicatos e instituições), portanto, com patrões, acabam se determinando no conjunto do grupo onde estão inseridos. O sindicato dos jornalistas fica inútil. Não que isso seja “culpa” dos jornalistas. É que o tempo histórico, que constituiu outras ferramentas de comunicação, tem destruído a profissão e ao mesmo tempo não há qualquer proposta revolucionária que garanta a construção de outra realidade.
Agora, ao me deparar com essa campanha da Fenaj pela taxação das grandes plataformas, tenho fortalecida essa sensação de que a profissão de jornalista se esboroa.
A ideia é tirar das grandes plataformas de dados e informação – que hoje matam o jornalismo – uma grana, que seria colocada num fundo. Esse fundo seria gerido por um conselho que iria destinar as verbas para a formação de jornalistas e/ou produção de notícias. A proposta não é da Fenaj mesmo, é da FIJ, a Federação Internacional. Esta federação está preocupada com a queda dos investimentos nas empresas de comunicação. Como a queda de investimentos acaba tendo impacto nos empregos, eles pensaram em taxar as megaempresas e com a grana criar alternativas para os jornalistas. Uma coisa meio surreal. É mais ou menos como as entidades de luta popular que usam recursos das Fundações estadunidenses para combater as políticas que essas mesmas fundações oferecem aos Estados Unidos e que os Estados Unidos nos impõem. Sinto muito, mas não consigo entender.
É incognoscível.
Conforme ainda a notícia no sítio da Fenaj, esse fundo seria usado para a produção de jornalismo, notícias, que, assim, garantiriam a pluralidade e a democratização da comunicação. Eu confesso que ainda não entendi direito a parada. Como que isso iria garantir a pluralidade? Por mais notícias que fossem produzidas pelos jornalistas pagos pelo fundo, haveria garantia de que essas notícias circulariam nas big empresas de informação? Seria uma espécie de terceirização do serviço jornalístico por essas big empresas? Ne afinal essas informações circularia? E a universidade então não teria mais sentido na formação do jornalista? A formação universitária seria apenas ritualística, com a verdadeira formação para os meios sendo feita à parte? Seriam os cursos promovidos com a grana das plataformas que iriam definir a qualidade do jornalismo? De que forma isso combateria a formação dos oligopólios? Sem or! Não me parece fazer sentido essa proposta.
Compreendo a apreensão da Fenaj com o futuro dos jornalistas, afinal, a realidade aponta para o fim das empresas de comunicação tal como as conhecemos. Televisão, jornal e rádio são mídias que tendem a encolher com o avanço das grandes avenidas comunicacionais criadas pelas bigdatas, streamings e plataformas de bobagens tipo o tik tok. Continuo acreditando que, mesmo nesse cenário, o jornalismo ainda é necessário, pois diante de tanta desinformação e alienação é sempre o jornalismo que tem o papel de desvendar o que se esconde. Assim que o jornalismo deve continuar existindo, fazendo o ataque feroz aos inimigos do conhecimento. Mas, não creio que o caminho seja esse proposto pela Fenaj.
Da minha parte penso que deveria ser transformado e fortalecido o ensino do jornalismo nas universidades, capacitando os profissionais para serem bons perguntadores, bons analistas da realidade e críticos. E, do ponto de vista da luta política teríamos de combater os oligopólios e não fazer alianças com eles.
Ou seja, precisamos de teoria revolucionária, luta revolucionária e um sindicato capaz de incorporar essa luta, insuflando os trabalhadores à construção de outro mundo, socialista. A proposta da Fenaj está dentro da lógica da “humanização do capitalismo”, coisa que obviamente não é possível.