quarta-feira, 12 de abril de 2023

Prefeitura fraca, dirigentes fracos


Foto: Cristiano Estrela

Desde que recomeçou esse debate sobre as mudanças no Plano Diretor tenho repetido: essa é uma prefeitura fraca. Porque ao ceder aos empresários do cimento ela abre mão da soberania que deveria ter tendo conseguido um mandato do povo. O prefeito foi eleito pelas gentes daqui e essa mesma gente disse não às mudanças em 13 diferentes audiências públicas arrancadas da prefeitura pela Justiça. Mas, apesar do “não” a prefeitura seguiu com as mesmas propostas e mandou para a Câmara. E a Câmara seguiu as mesmas ordens do bonde do cimento. Prefeitura fraca e vereadores fracos. Dobram-se sem pejo ao mando do capital. Por medo ou por conivência? Isso é algo a pesquisar...

Agora vivemos aqui no entorno da UFSC mais um drama que impactará a vida de milhares de pessoas. A tal duplicação da Edu Vieira. Lembro que o terreno foi entregue à prefeitura por uma reitoria fraca, que também se rendeu ao mando do bonde do cimento e à indústria do automóvel sem pejo. Apesar de terem acontecido dezenas de debates e haver até uma proposta construída desse pensar coletivo, o reitor na época (2012), Álvaro Prata, decidiu aprovar a entrega do terreno. Levou a proposta para o Conselho Universitário que, igualmente, entregou o terreno, ainda que condicionasse a um debate conjunto com a prefeitura. Na época, alguns professores da UFSC, membros do conselho, diziam que poderiam ajudar a cidade a sair do caos do trânsito. Ilusão.

Logo depois, em 2014, a reitora Roselane Neckel retomou o debate e entregou o terreno sem reservas, apesar dos protestos da comunidade.  “Façam o que quiserem”. Essa foi a mensagem. Na comunidade se dizia: se houver duplicação, que seja como a gente quer, com ciclovias e pista exclusiva para ônibus, para realmente melhorar a vida de estudantes e trabalhadores. A reitoria fraca entregou o espaço para uma prefeitura fraca, rendida à cultura do carro, incapaz de ouvir a voz da população.

E assim, passaram-se os anos com uma obra inacabada, comendo dinheiro público, milhões, milhares. Por fim, esse ano encerraram a tal “duplicação”. Uma obra absolutamente inútil a considerar a lógica que deverá seguir. Não precisa ser muito esperto para saber que os gargalos do trânsito seguirão em outros pontos, mas seguirão iguais. Os carros passarão mais rápido pela UFSC, mas logo ali na frente vão parar. Porque o planejamento da cidade é burro. E nós, trabalhadores e estudantes seguiremos sofrendo nos ônibus, que seguirão lentos e lotados. A ideia da prefeitura fraca é fazer um sistema binário. Já até anunciaram e já planejaram as linhas de ônibus. E a reitoria atual? O que diz? Como se posiciona?

Não ouviram a população. Não ouviram os usuários. Não ouviram quem realmente vive na região. Inventaram uma lógica saída das cabeças tecnocratas que provavelmente não andam de ônibus. “Desafogar os carros, desafogar os carros”, devem pensar os escravos da cultura do individual. O transporte coletivo vai respeitar os interesses de quem? Ora, do bonde do monopólio. Nada para nós, tudo para eles. Prefeitura fraca. 

Anunciaram que dia 21 começa a mudança. Dia 21, amanhã... e não ouviram a população. Prefeitura fraca. 

A administração municipal segue governando como se não tivesse um mandado do povo. Administra para os empresários. É fraca. Impõe suas vontades à maioria acreditam-se forte. Mas, na verdade, é fraca. Mostra toda a fragilidade que tem diante dos interesses do cimento e do transporte individual. Serve ao deus mercado. 

Prefeitura fraca. Prefeitura burra. 

E apesar disso, a população segue aceitando passivamente tudo isso. Protestos há. Mas, são poucos. 

Quando será que a população de Florianópolis vai decidir por ter uma prefeitura forte, que realmente governe para o povo. Quando será? 


domingo, 9 de abril de 2023

De Páscoa e da Fé


Das piores coisas que me aconteceram nos últimos tempos, desde a pandemia e no governo do inominado, a mais devastadora foi a perda da fé. Eu sempre tive na fé um amparo para os baques da vida. Rezar, conversar com Jesus, me dava certo sustento emocional, como se não importasse o tamanho da dor, pois, lá na frente, eu iria ficar bem. Fazer o certo, não fazer maldades com ninguém, ser sempre correta e amorosa parecia ser o meu passaporte para um tempo de felicidades, que viria. O céu. Aqui , agora e amanhã...

Ao sentir que perdi a fé, fiquei oca. Olhando e não vendo nada lá na frente. Nenhuma ação – bondosa ou não – me salvaria da danação. Era só esse caminhar sem esperar nada. Apenas ir suportando toda a dor que o tempo dá até que não suportasse mais. Eu sempre achei que lá no abismo haveria um raminho onde me agarrar, como me ensinou Rubem Alves.  Mas já não conseguia ver, era só uma queda silenciosa no vazio. 

Por muito tempo não chamei mais por Jesus, não o invoquei para nossas longas conversas.  A impressão era de que ele não morava mais em mim. Eu o perdera e não conseguia mais achá-lo. Pela primeira vez na vida me sentia absolutamente só. E isso não me parecia bom. Sempre aceitei que a fé era a minha muleta, esse apoio necessário quando tudo se esvai. E por todo esse tempo ela não estava mais aqui e não sabia muito que fazer. Olhava em volta e só via devastação.  Tenho muitos amigos ateus, que vivem de boa. Eu não consigo. Preciso da muleta, mas não sabia mais como encontrá-la. Só sentia aquele vazio imenso. Ainda assim, eu caminhava, tropeçando, mas indo em frente...

Nestes dias de Páscoa, que sempre foram importantes pra mim, eu pensei que poderia passar assim, sem as conversas com meu deusinho.  E estava pronta para isso. Passei a paixão incólume. E achei tão ruim. Então, eis que hoje, Páscoa, enquanto eu ainda me debatia no reino dos sonhos, ao despertar de um pesadelo ouvi aquela voz que sempre me acompanhou: “descansa, amada do senhor”... Pude saber que era ele. Estava ali, mesmo quando eu fazia tanto esforço para enterrá-lo no seu sepulcro secular. Sorri, e voltei a dormir. Agora estou aqui, vendo a chuva cair fininha, e sentindo que talvez possa recuperar aquele sentimento... quem sabe... Que seja Páscoa para todos nós...

O pai e os dias

  


Meus dias são dedicados a cuidar do pai. Ele agora já está numa fase na qual já não caminha, então não o vejo mais andar para lá e para cá fazendo bagunça no portão, nos armários da cozinha ou no guarda-roupa. Ele levanta, passeia ao sol na cadeira de rodas, depois vem para sua poltrona e fica ali até depois do almoço. Então é a hora da “siesta” e ele descansa o corpo até umas quatro horas. De novo volta para a cadeira de rodas, circula pelo jardim se o tempo está bom, e por volta das seis e meia ele janta. Come bem, tanto na janta quanto no almoço. Nos intervalos também consome muitas frutas, iogurte, café e água. Basta que a gente abra a geladeira para ele já abrir a boca, querendo provar do que for que estejamos comendo. Também toma uma cervejinha ou um vinho conforme o cardápio. 

Tenho o costume de falar sempre com ele, normalmente, contando as coisas do dia, do que acontece no mundo, as notícias. E ele me olha sério, prestando atenção, geralmente respondendo na sua língua klingon. Batemos altos papos. Visivelmente ele fica bem feliz quando eu chego do trabalho e coloco minha cara na porta gritando: cheguei, seu Tavares. Também se alegra quando desperta e me vê, convidando-o para sair da cama e comer um ovinho cozido. É óbvio que não me reconhece como filha, mas ele sabe que ali está alguém que o ama, pois seus olhinhos brilham de alegria. O mesmo acontece quando ele acorda de noite e logo vê a minha cara, sorrindo, ao seu lado. Ele também sorri e volta a dormir, provavelmente sabendo-se seguro. Eu me encho de ternura.

Nas manhãs em que cuido dele tenho a ajuda da Clau Alves. E a gente sempre dá um banho gostoso. Tem dias que ele tá brabo, mas no geral fica de boa, curtindo o chuveiro quentinho. Outro dia arrumando ele, constatei. 

- O senhor tá bem bonito né seu Tavares? Pode ser velhinho, mas está bonito e charmoso, não é mesmo?

E ele respondeu de imediato.

- Mas sabe que eu não sei -  E ri, faceiro, nos seus lampejos de consciência.

Às vezes eu fico um pouco triste, achando que não dou a ele distrações variadas, já que ele quase sempre fica em casa, na poltrona. Aqui onde moro não tem nada por perto aonde a gente pudesse ir com cadeira de rodas, então os passeios ficam restritos ao quintal, no máximo na calçada. Mas, essa é vida e a gente vai fazendo o que pode. O certo é que ele ainda tem essa mirada firme e esse sorriso de quem se sente feliz e protegido. E eu também me sinto feliz, chimarreando com ele, falando dos doramas, dos passarinhos, e ouvindo canções gaúchas. Os dias passam e vamos vivendo... O Alzheimer não nos vence porque na deriva dos sofreres vamos encontrando caminhos de beleza.