O programa “Criança
Feliz”, lançado pelo governo Temer, não é uma proposta que sai da linda cabeça
daquela que foi apontada como a “madrinha”. Não. Ele faz parte das metas do Banco
Mundial para o que chamam de “investimento na infância para a produtividade
futura dos indivíduos e para a competitividade econômica dos países”. Sim, isso
mesmo, bem assim. Não tem aí nenhum fundamento humanitário. Trata-se de negócios.
E isso pode ser visto na Conferência sobre Capital Humano, organizada pelo
Banco, nessa quinta-feira, dia 6 de outubro. (http://envivo.bancomundial.org/cumbre-sobre-el-capital-humano-invertir-en-la-infancia-para-lograr-crecimiento-y-productividad).
Depois da
divulgação do relatório sobre a pobreza no mundo, no qual se observa que 385
milhões de crianças vivem em famílias que ganham até 1,90 dólares por dia,
portanto, em pobreza extrema, o Banco Mundial quer que os líderes nacionais se
comprometam a reduzir a desnutrição infantil crônica e a ampliar o acesso aos
serviços de desenvolvimento da primeira infância. Segundo seus representantes,
isso é para que até o ano de 2020 seja assegurado a todas as crianças crescer
sem dificuldades. Nesse objetivo está contido todo o processo de controle do Banco
Mundial sobre os chamados países em desenvolvimento.
Ou seja, ao
Banco Mundial interessa que a pobreza se
mantenha sob certas regras. Nem tão pouca, que permita a rebeldia. Nem tão
grande, que acabe matando o futuro trabalhador. Uma máxima já apontada por Mandeville,
em 1714, no seu livro A fábula das abelhas: “Não se deve deixar os pobres
morrerem de fome, mas tampouco se deve dar coisa alguma que lhes permita economizarem...
Para tornar feliz a sociedade e para que o povo viva contente, mesmo em
condições miseráveis, é necessário que a maioria permaneça ignorante e pobre”.
O projeto “Criança
Feliz” segue essa lógica ao estabelecer como objetivo a garantia do cuidado à criança empobrecida, desde a gestação
até os seis anos, facilitando o acesso das gestantes, crianças e famílias às
políticas públicas. Segundo o documento do projeto, existem hoje no Brasil 18,8
milhões de crianças entre zero e seis anos. Destas, 7,1 milhões são atendidas
pelo programa Bolsa Família, e é para esse extrato que o Criança Feliz é
voltado. Portanto, passa a ser um reforço.
Os recursos
voltados ao cuidado das crianças ainda são pífios no contexto do orçamento
nacional: 27 milhões. Quase como uma gota no oceano uma vez que, para esse ano,
apenas 140 mil crianças seriam beneficiadas.
Para quem
precisa da política pública é claro que mesmo a migalha sempre é bem vinda,
afinal é da natureza humana o desejo da vida. Mas, como ensina Karl Marx, para
o sistema capitalista de produção o que interessa não são os desejos dos
trabalhadores e sim que apenas eles permaneçam vivos para que sua força de trabalho
possa ser usada, viabilizando assim a acumulação de riquezas por parte de um
grupo muito pequeno de pessoas, que são aquelas que são donas dos meios de
produção. Logo, manter a pessoa com as condições mínimas é o que interessa. Já
dizia o economista inglês John Bellers: “Um
vez que são os trabalhadores que fazem os ricos, quanto mais trabalhadores,
mais riqueza. O trabalho do pobre é a mina do rico”.
É por isso
que no contexto do capitalismo, as políticas públicas - seja no governo de quem for – sempre serão
para apaziguar o pobre, mantendo-o minimamente em condições de ser explorado.
Não é sem razão que parte da esquerda sempre criticou o próprio Bolsa Família,
como sendo uma política ainda inconclusa. Não basta dar o recurso para a
família sair da pobreza extrema, é necessário também criar as condições para
que essa família se emancipe, não apenas economicamente, mas também
politicamente e culturalmente, passando a participar da vida política,
reivindicando direitos e transformando a sociedade. Só assim a política pública
pode ter sentido, sempre tendo como horizonte a mudança do estado de coisas.
Mas, se isso
já estava distante no governo de Dilma – que, de certa forma ainda mantinha
alguma sensibilidade social – no governo do PSDB, disfarçado de PMDB, é que não
haverá qualquer possibilidade de construção de políticas públicas inspiradoras
da emancipação. Logo, não causa qualquer surpresa o retorno do assistencialismo
escancarado, personificado na figura da primeira-dama caridosa e pura de
espírito. A filantropia com os empobrecido é a mesma velha e hipócrita política
que se mantém desde os primórdios do capitalismo: manter em mínimas condições a
força de trabalho que gerará a riqueza de alguns.
O fato de
alguns trabalhadores escaparem do seu trágico destino e adquirirem consciência
de classe capaz de levá-los à luta organizada é o resultado da também histórica
luta que os expropriados travam desde o início do modo de produção capitalista,
que transformou o corpo humano em mercadoria. Muito mais do que uma falha na
Matriz, a luta pela transformação é um processo coletivo, histórico, que não
deve se deter diante do autoritarismo e da ganância dos poderosos.
A lição
histórica para os trabalhadores segue sendo a mesma: estudar, organizar, resistir
e lutar pela transformação.
Sim,
queremos políticas públicas, mas também queremos diversão, balé, tempo livre...
e uma nova sociedade. Isso não é coisa que se pode esperar dos que governam.
Isso tem de ser arrancado na batalha renhida.