quarta-feira, 15 de março de 2023

Casas quadradas, sem alma


Todos os sábados eu pego minha bicicletinha e vou pra rádio lá pelas 9 da manhã. Gosto de ir devagar, olhando o bairro, observando as mudanças. Amiúde, eu choro. Lutamos muito para manter o Campeche como um bairro jardim. Fomos fragorosamente derrotados. O trajeto é longo e pelos caminhos vou notando as novas construções, principalmente nos grandes condomínios. O que é aquilo, meu deus? As casas são todas do mesmo tipo, quadradas, sem curvas, sem desenhos, sem rococós, sem detalhes. Parecem caixas. São grandes, chiques, mas daquele jeito estranho, como se não tivessem vida. Eu acho feio demais da conta.

Também assomam ao longo das ruas os “apertamentos” que as imobiliárias vendem como casas. São finos e quadrados também, como caixas. Tem uma nesga de terra na frente e outra atrás. Não é casa. É um caixotinho metido a besta. Feio demais da conta. Isso sem contar nos prédios que também pululam em todo o lugar. Apartamentos  e apartamentos, prometendo vista para o mar. Igualmente caixas de alto padrão. Feio demais da conta. Nesse ritmo vão se apagando os caminhos de areia e vão sumindo as árvores.  O asfalto vai tomando as ruas, aquecendo ainda mais os dias. Também já não encontramos mais as corujas buraqueiras, pois não existem os terrenos baldios. Tudo nos foi tirado.

Lá na curva da rádio havia um engenho, lindo e singelo. Foi derrubado. Agora o terreno está todo cercado de tapumes pretos e já se podem ver as colunas das construções. Com certeza um enorme prédio surgirá no lugar. O Campeche vai se transformando na fria patrolagem do progresso. Um progresso burro, que destrói o que mais os turistas querem: a natureza, a beleza, o mar limpo. Muito em breve seremos um bairro igual a tantos outros, sem alma, sem a delicadeza dos jardins, abarrotado de cimento futilidades.

Para nós, moradores, restam às lágrimas. E as minhas, não tem fim... 


terça-feira, 14 de março de 2023

Prefeito não ouve a comunidade

Fotos: Flora Neves Guarani Kaiowá e Kauan Marisco

A prefeitura de Florianópolis tentou passar modificações no Plano Diretor da cidade numa patrolagem. Não deu certo. As comunidades se organizaram, entraram na Justiça e garantiram audiências públicas para que a municipalidade apresentasse a proposta e ouvisse as gentes. As audiências foram feitas, mas com via única. A prefeitura mostrou sua ideia – que basicamente entrega a cidade para os empresários do cimento – e simplesmente fez ouvidos moucos para as falas da comunidade. Em praticamente todas as audiências nos bairros as comunidades rejeitaram a proposta que pretende aumentar o gabarito dos prédios (mais andares) e garantir aos empreiteiros o controle do desenho da cidade. Ou seja, mostra uma prefeitura fraca, rendida aos interesses dos construtores. 

Nas falas dos moradores da cidade, a proposta da prefeitura simplesmente incha a cidade, sem qualquer preocupação com a infraestrutura. Não há proposta para mobilidade, saneamento, espaços de lazer, nada. É só a sanha louca de construir prédios e prédios para render lucros aos empreiteiros. Há os que se iludem com a ideia de que com mais prédios haverá mais empregos (???) e desenvolvimento. Numa cidade como Florianópolis, que vive do turismo, é a natureza o foco principal. Uma praia cheia de merda não pode ser atrativa para ninguém, mas a prefeitura parece não se importar com isso. Tampouco está preocupada com oferecer transporte de qualidade e rápido para os trabalhadores que sofrem cotidianamente com o sistema desintegrado, e mais ainda na temporada, quando a cidade dobra de número de habitantes. Aos moradores, nada. Aos empreiteiros, tudo. Esse é o plano. 




Ontem a prefeitura faria a Audiência Final. Na mesa nenhuma novidade, a não ser a mesma proposta que foi rejeitada pelas comunidades. Insisto. Na maioria das audiências essa proposta foi rejeitada. E foram audiências bastante expressivas em números de moradores. REJEITADA! Mesmo assim, a prefeitura insiste em mandar para a votação na Câmara de Vereadores. Os movimentos sociais se reuniram e constituíram um substitutivo, um Plano Popular. Todos entendem a necessidade de mudanças no Plano, mas é preciso que sejam mudanças para melhor, e não para pior. Assim, depois de muito debate e levando em conta mais de uma década de discussão e construção coletiva de alternativas, o substitutivo ficou pronto e havia a proposta de que ele fosse levado em conta, que se discutisse o plano popular. Como a prefeitura não quis saber de conversa, os movimentos assomaram na Audiência Pública em protesto. 

De novo, sem qualquer capacidade de diálogo, a prefeitura ignorou a organização popular, encerrou a audiência e anunciou que mandará o projeto para votação no próximo dia 20 de março.

A manifestação das comunidades mostrou que a cidade está viva e em luta. Qualquer decisão sobre a cidade precisa da participação popular. Não é possível que um plano rejeitado totalmente seja encaminhado para votação, quando se sabe que a Câmara de Florianópolis também está de joelhos diante dos interesses dos empresários do cimento. Entrando em votação, o plano passa, porque não há preocupação com a cidade por parte daqueles que deveriam proteger e cuidar. Basta lembrar que o plano em vigor foi votado num final de ano, em uma votação marcada por protestos, na qual os vereadores aprovaram mais 600 novas emendas, que não haviam sido apresentadas às comunidades e que nem eles conheciam. Muitos votaram sim sem haver sequer lido as emendas. Assim que dia 20 deve ter mais protestos. 

A articulação dos movimentos sociais nesta terça-feira deixa claro que ainda há muita luta. E não vai parar. 

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Do aprendizado


Quando o pai chegou lá em casa e com ele a doença de Alzheimer, a vida de todos mudou. Eu, que sou filha, não tive muita opção. Desde o primeiro dia assumi o cuidado, buscando aprender o máximo para lidar com tudo. Comigo vivem meu companheiro e meu sobrinho, e eles também precisaram aprender. A demência é uma doença da família. Há que ter parceria para lidar com ela. 

Sei o quanto foi difícil para os dois. Meu sobrinho que é, portanto, neto do pai, acabou sendo o mais requisitado, por estar mais em casa. Coube a ele uma parte significativa do cuidado e sei o quanto é duro ver o avô ir se desfazendo diante dele. Um avô que foi pai. Um avôhai. Ainda assim, com todos os medos e perplexidades ele foi adentrando no universo do avô, sacrificando também seus estudos, suas noites e muitos finais de semana. Hoje, é ele o responsável por levantar o pai, pois trabalho de manhã. Já pegou as manhas todas e é capaz de fazê-lo sozinho, mesmo nas difíceis horas escatológicas. Ainda encontra tempo para brincar de corrida com a cadeira de rodas e desfrutar com ele as músicas caipiras e as gaúchas de raiz. 

Além disso, faz as mais deliciosas comidas para deleite da família, girando na cozinha entre especiarias de todo tipo que amealha na feira. É um feiticeiro dos sabores. É um pouco atrapalhado e cabeça de vento, mas isso vira qualidade quando a vida pesa. Quase todas as noites ele me ajuda a trocar e deitar o pai e é também o parceiro na hora do banho. Sem ele, a parada seria mais dura, com certeza. Hoje, ele começa mais uma voltinha em torno do sol, repleta de música e redemoinhos emocionais. Às vezes fica sem pernas, mas segue andando, e eu agradeço por sua presença. 

Ainda que quebre todos os copos e pratos possíveis, nossa casa seria bem sem graça sem ele. Feliz dia, meu amado Paulo Renato. E obrigada por ser quem és. Te amo!