sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

O Alzheimer avança

Na foto, vendo Rolando Boldrin, e o gato atento...

O Alzheimer tem milhares de fases. Há que viver cada uma delas de maneira profunda porque como é uma doença degenerativa, as coisas só vão piorando. Hoje sinto muita falta daqueles dias em que o pai saia portão afora para ir embora para Uruguaiana. Agora ele não anda mais e pouco a pouco o corpo vai desistindo. Antes ele não dormia de jeito nenhum e era uma confusão durante as madrugadas, com as andanças e mijadeiras. Agora só quer ficar dormindo. Durante a manhã vai até às 10 horas, quando então o Renato o levanta e põe na cadeira de rodas para tomar um sol, um ventinho, uma brisa. Ao meio-dia almoça. Ainda come muito bem, o que é uma benção, porque a fase em que eles não querem mais comer é provavelmente a última. Lá pela uma e meia volta para a cama, para a siesta, e quando eu chego do trabalho ele está ressonando, com um dos cachorros e um dos gatos deitados ao lado, vigiando. Lá pelas três e meia a gente levanta ele de novo, mas é uma missão. Ele não quer levantar e fica duro igual a um pau o que torna o trâmite ainda mais difícil. O Renato já deu tilti na coluna umas três vezes esse semestre. É muito peso. Toca fazer uma fisio para movimentar as pernocas, os braços, as mãos. Vai um eito. 

Bom, acordado outra vez é hora do café, que pode ser um Toddy, uma salada de frutas ou um iogurte, que ele come bem satisfeito. Em seguida, pãozinho doce com manteiga e queijo. Depois é um sem fim de truques para que ele tome água e fique acordado pelo menos até umas cinco e meia da tarde, para poder dar a janta. Mas, tem dias que ele não acorda por nada e temos de colocá-lo na cama sem comer. Dias há que eu vou colocando a comida bem batidinha no liquidificador em pequenas porções na sua boca. E ele, dormitando, vai mastigando e engolindo. Um processo que pode levar horas, porque tem de ser lento. É por isso que ao chegar a casa, nada mais se pode fazer a não ser dar-lhe atenção. Porque tudo demora. Isso sem contar na confusão dos cachorros que ficam em volta também querendo comida. É uma “pequena pauleira” como diria meu irmão. 

Lá pelas seis e meia, quando estão esgotados todos os truques para comer ou beber, levamos para o quarto. Hora de trocar a roupa. Outra função. Nesse momento ele desperta outra vez e começa uma falaceira bem divertida. Colocamos na cadeira de banho para que ele possa fazer xixi e cocô, e aí também temos de esperar e esperar. Limpando e conversando, até que o intestino funcione. Por enquanto está indo muito bem. Todas as noites ele apresenta o “rabo do macaco”, o que denota saúde física. Conversa mais um pouco na sua língua klingon e por fim o colocamos na cama de novo. Basta encostar a cabeça no travesseiro e já está roncando. Só aí conseguimos respirar um pouquinho. Então é tempo de varrer casa, passar pano, arrumar a roupa, comer alguma coisa, esperar o broto, estourar uma latinha e as coisas todas da casa. 

Lá pelas oito horas eu volto para o quarto – durmo com ele - e vejo se está tudo bem. Entram os gatos, aboletam-se na minha cama. E eu fico ali, cuidando ainda por algumas horas...  Aqui em casa a família toda participa das funções com o pai. O Renato é o mais sobrecarregado porque levanta ele todos os dias, mas de noite há escalas. Às vezes a gente perde a fortaleza, porque não é fácil ver o velhinho definhar. Mas, os seus olhos brilham, ele nos reconhece com sorrisos e ainda pode tacar a mão na cara se ficar brabo. Está vivo e coberto de amor. Nós lhe damos nosso melhor.  


terça-feira, 5 de dezembro de 2023

UFSC faz 63 anos


Foto: Ricardo Casarini, num Eko Porã


 Quando o Irineu Manoel de Souza assumiu a reitoria em julho de 2022, sabia que não seria fácil. A universidade vinha de dois anos de pandemia, quando praticamente houve uma viragem, uma mudança na temperatura da realidade. No campus a vida tinha murchado. Os estudantes voltavam lentamente ao presencial. Outros nem voltaram, desistiram. Os prédios estavam degradados por tanto tempo em abandono, e o ambiente do campus estava feio, o mato alto, faltavam as flores, a imagem era de um mundo em ruínas. Afinal, além da Covid também foram quatro longos anos de estrangulamento por parte do governo de Jair Bolsonaro. Era um caos.  

Agora, ao final de 2023, depois de um ano e meio de gestão, muitas coisas ainda estão por fazer. O dinheiro vem pingadinho e o governo Lula ainda anuncia cortes. O campus segue feio, com mato alto, porque os contratos com as empresas acabaram e tudo é muito demorado no serviço público. A maioria dos trabalhadores dos jardins, que era TAE, se aposentou e não há quem cuide das flores. A estrutura da UFSC que foi deteriorada tampouco pode ser rearranjada sem recursos federais. Um exemplo é a Biblioteca Central que com qualquer chuva, alaga. 

A UFSC que chega aos 63 anos é uma universidade vazia de gente. Não existe mais a concha acústica com shows ao meio dia, não há pessoas sentadas nos bancos, embaixo das árvores, e só se vê mesmo gente na fila do RU, que segue longa, longa, longa, porque os restaurantes mais baratos que existiam no entorno fecharam. A estudantada que a gente encontra do ponto de ônibus vive com a cabeça enterrada no celular, faltam risadas e a vida parece assomar, por algumas horas, apenas às quartas-feiras, quando tem a feirinha. O centro de convivência que era para ser um espaço de encontro se desfaz à vista do boi-tatá do Laércio Luiz. 

Sinto certa tristeza de andar por aí, bem como me surpreende ver que tudo o que o nosso reitor faz pela UFSC sequer aparece nas tais das redes sociais da universidade. Seguramente há falta de gente. Os trabalhadores andam sobrecarregados e muitos apostaram no trabalho remoto. Ainda assim, para saber sobre a Ufsc só no Instagram do Irineu, que sempre foi célere nas redes. Mas, é estranho. Que passa com a comunicação? Está escondendo o reitor?

É fato que a universidade mudou. Os tempos são de redes, conexões internéticas, solidões. Não gosto desse tempo. Preferia os tempos de vida mesma, real, no chão da existência, como quando as assembleias dos trabalhadores eram no RU e saia gente pelo ladrão, todo mundo querendo lutar pela universidade pública. Agora, tudo é virtual, as lutas são intestinas, não há abraços, nem beijos e poucas são as batalhas contra o capital. 

É o mês e aniversário da UFSC. Que tenha um feliz cumpleaños e que em 2024 algo possa mudar.

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sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Condenada por mostrar a verdade


Fábio Bispo - pres. do SJSC e Schirlei Alves




A jornalista Schirlei Alves foi condenada à prisão e pagamento de multa pelo judiciário catarinense. Ela foi acusada de “manchar a honra” de um juiz, um advogado e um promotor que atuaram num caso de estupro. Tudo isso porque ela noticiou a gravação da audiência de instrução, na qual a vítima do estupro, Mari Ferrer, é humilhada e constrangida várias vezes pelo advogado de defesa do acusado, Cláudio Gastão da Rosa Filho. A gravação mostra que ela implora ao juiz por respeito, dizendo que nem assassinos eram tratados como ela estava sendo tratada, mas o juiz ignorou seu apelo. Foram cinco horas de massacre contra a vítima e por fim, o acusado do estupro foi inocentado. Seria mais um caso “comum”, no qual o agressor sai livre, a mulher depreciada e os operadores do direito, incólumes. 

Mas, ocorre que a Schirlei fez o que qualquer bom jornalista faria: descreveu as cenas, desvelou o cenário, expôs as chagas, tanto as da situação do estupro sofrido quanto as do judiciário.  Uma reportagem que não encontrou abrigo nos meios comerciais catarinenses e acabou sendo veiculada na Intercept Brasil, uma agência de notícias. O texto explicita o que as imagens igualmente dizem. E o que se vê é uma garota sendo julgada por suas roupas, por ter bebido, por estar num bar. E, mais do que isso, sofrendo outra violência, praticamente sendo apontada como culpada de ter sido estuprada. Um balaio de horrores. 

A reportagem da Schirlei não se limita às imagens desveladas. Ela ouve a vítima, as pessoas próximas, a OAB, o Ministério da Mulher, delegada, promotora do Núcleo de Gênero, enfim, uma série de outras vozes que corroboram a tese de que a jovem vítima do estupro foi também humilhada e negligenciada no caso. O caso repercutiu em todo país e os envolvidos se viram expostos. O juiz, Rudson Marcos, recebeu uma advertência formal do Conselho Nacional de Justiça, por ter sido negligente, o promotor e o advogado foram repudiados pela opinião pública. E, por isso, decidiram acusar Schirlei de lhes manchar a honra.

O processo foi julgado pela juíza Andrea Struder, que condenou Schirlei aplicando uma sentença leonina. Segundo texto na Agência Intecep: ” A condenação de Schirlei proferida pela juíza lembra a época da ditadura e é totalmente infundada, repleta de falhas processuais e extremamente desproporcional. Studer foi a única juíza disposta a aceitar o caso apresentado por seus colegas na vara, depois que muitos outros se recusaram devido ao conflito aparente”.

A condenação da jornalista levantou a categoria que entende a decisão como uma sentença não apenas contra Schirlei, mas contra todos os jornalistas, visto que a ser mantida, significa claramente uma mordaça. É sabido que o judiciário brasileiro é uma instituição que representa a classe dominante e que se configura num guardião desta minúscula fatia da sociedade. Ficar contra os trabalhadores é pão comido, coisa cotidiana. Mas, ainda assim a sentença chocou os jornalistas por representar uma obstrução ao trabalho do profissional que é o de reportar os fatos. Importante ressaltar que a queixa se dá porque a jornalista expôs um juiz, um promotor e um advogado. 

Ora, receber pena de prisão e multa de 400 mil reais por ter relatado fatos reais e comprovados tem algum sentido? Nenhum. Esta semana outro vídeo de uma audiência virtual em Santa Catarina mostra uma juíza igualmente sendo grossa e arrogante com uma testemunha. Será penalizada também a pessoa que divulgou mais essa cotidiana ação das cortes? Não se pode mostrar a realidade do mundo judiciário? Está vedado? Bom, isso tem nome. Censura. 

Hoje, na Universidade Federal de Santa Catarina, foi organizado pelo Sindicato dos Jornalistas um ato de solidariedade à jornalista, que ainda está lutando na justiça, agora em segunda instância. Compareceram jornalistas, representantes de movimentos sociais, de sindicatos, estudantes, políticos e comunidade, todos dispostos a apoiar e lutar junto com Schirlei para que essa sentença seja anulada. Nenhum dia de prisão e nenhum centavo de multa. O judiciário catarinense terá de responder com justiça. 

É sabido que o jornalismo brasileiro é, via e regra, um jornalismo declaratório, sem profundidade e muitas vezes cúmplice dos poderes dominantes. Mas, jornalistas há que fogem do lugar comum e cumprem a função primeira do jornalismo que é desvelar o que quer se esconder. Schirlei é uma dessas profissionais. Valente, responsável, ética. Ela está sofrendo, porque é repórter, e sabe que fez o certo. Vive uma tortura cotidiana por ter cumprido com seu compromisso profissional. 

Cabe a nós enredá-la numa rede de afeto e de luta para que ela saiba que não está sozinha. E cabe a nós também divulgar ao máximo essa infâmia. 

O jornalismo de verdade carrega essa marca, a da expor à luz o que se esconde. Não é sem razão que lá na Inglaterra o também jornalista Julian Assange sofre prisão e tortura por ter revelado os crimes dos Estados Unidos. Guardadas as proporções, assim tem sido com a Schirlei, por ter exposto algumas vísceras do judiciário. 

Justiça para Schirlei. Suspensão da sentença já! Nada menos do que isso!



quinta-feira, 19 de outubro de 2023

A dependência no futebol


No campo da política já é bastante comum fazer a discussão sobre os dramas de ser um país dependente e subdesenvolvido, situação reservada obviamente para a periferia do sistema capitalista. Os chamados países centrais são os que ditam normas, regras, modas, produzem ciência, conhecimento. Os da periferia consomem o que é produzido no centro, transformam-se em cópias mal feitas, mal arranjadas, mal definidas. É da natureza do capitalismo ser assim, desenvolve os ricos e subdesenvolve os que estão submetidos. Na periferia só se desenvolve o subdesenvolvimento. E nessa de apenas imitar o centro vamos perdendo nossa originalidade, que é a única coisa que poderia nos salvar.

Vejo isso no futebol. Tínhamos um futebol alegre, ofensivo, brincador, cheio de ginga, pura arte, de brilhantes toques de bola, capaz de desulear o adversário. Ficamos famosos com isso, chegamos a ser os melhores do mundo. Porque éramos originais. Depois, com a mercadologização exacerbada do futebol, começamos a imitar as propostas europeias, máquinas de fazer dinheiro. O futebol técnica, baseado na performance corporal, na força, no cálculo. Pouco a pouco fomos perdendo nossos campinhos, os meninos passaram a frequentar mais a academia do que o gramado, fomos perdendo a alegria, a ginga, a malemolência, a arte, ficando cada dia mais parecidos com os europeus. 

Hoje, nossos craques que são convocados para a seleção são quase todos jogadores do futebol europeu, nada da nossa originalidade. Viramos um pastiche, uma cópia desarranjada, bruta, sem paixão. Foi-se a alma do futebol arte, porque, segundo dizem, é assim que tem de ser. Jogamos contra a Venezuela e empatamos, perdemos para o Uruguai e daqui a pouco pode até ser que nem cheguemos à Copa. O futebol mercadoria venceu. O futebol homogeneizado numa proposta alienígena venceu. A dependência nos afogou até no que tínhamos de mais genuíno, nosso toque de bola, nossa magia. Foi-se o tempo de Garrincha, Pelé, Eder, Marinho, Nelinho, Reinaldo, Rivelino, Sócrates, Eder, Zico, Falcão e tantos outros do nosso panteão canarinho. 

O que nos resta é o nosso campo de botão, onde ainda podemos colocar nossa originalidade em ação, com os craques do verdadeiro futebol brasileiro. Adeus, futebol... Perdemos mais uma batalha para o capital. 


domingo, 8 de outubro de 2023

Odisseias do cotidiano



Dez horas, domingo. Hora de levantar o pai. A chuva comendo. Seu Tavares abre os olhinhos e já dá um sorriso. É um amorzinho. Levanta a coberta e a surpresa nos espera. Tá cocozado e bastante. Hora do banho. Faz as gingias de alongamento e toca a levantar. Põe na cadeira de banho e vai para o chuveiro. No começo ele encrespa, mas quando a água quentinha vai subindo ele relaxa e curte. Limpa, limpa, limpa. Tudo pronto, desliga o chuveiro e vai saindo. Mais cocô na parada, bah... Pedro corre pra limpar o chão e eu volto com o pai para o chuveiro para mais uma lavada. Tudo certo, é hora de secar. Vai secando, passando crème com óleo de girassol em todo o corpo. Depois coloca a roupa da parte de cima. Na parte de baixo ainda é hora de fazer o curativo numa escara que apareceu no cóccix. Ajeita, limpa bem, põe a pomada, a gaze e tudo certo. Fechado. Aí vem a hora de colocar a fralda e calça. Passa o crème com óleo nas pernas, ajeita a fralda. É hora então de levantar ele da cadeira. Pedro sustenta pelos braços, porque ele não se sustenta mais, e eu ajeito a roupa. Parecia que tudo ia bem, mas eis que o Pedro sente um quentinho no pé. Mais cocô. Putz grila. Por sorte caiu tudo no pé e não sujou a fralda. Volta pra cadeira e dá um tempo para dar risada porque a cara do Pedro é engraçada demais. Ele mesmo cai no riso e vai para o banheiro para tirar o cocô do pé. Eu volto a fazer nova higiene no pai. Espio para ver se não sujou o curativo. Graças aos bons deuses do Tahuantinsuyo não sujou. O Pedro volta e ergue ele de novo. Eu subo a fralda e a calça e pronto. Tudo certo. Ufa. Bota na cadeira de rodas para ir para sala. Coloca a meia, o sapato, e envolve ele num coberto para poder atravessar a parte descoberta porque a chuva tá caindo forte. Pedro empurra a cadeira e eu sigo com o guarda-chuva. Encerrada a fase despertar. Valamideuzi... Mas ali está ele, bem bonitinho, lavado, arrumado e pronto para o café. Assim vamos indo, fazendo nosso impossível para garantir vida boa e bonita para o pai.

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Aventuras no Busão


O pai saliva muito de noite e por conta disso eu preciso trocar os travesseiros seguidamente e lavá-los. Como não é fácil secar, o jeito é ter vários deles para repor enquanto os outros secam. Assim que hoje eu fui ao centro para comprar mais alguns. Fiz meu recorrido tradicional e parei na Ki Lojão, onde comprei dois travesseiros. Achei grande, mas a moça disse que era padrão. Tudo bem. Saí de lá com um saco que era praticamente do meu tamanho. Eu podia entrar dentro dele e vir disfarçada. Foi engraçado. 

Segui em direção ao Ticen para pegar o Rio Tavares. A fila já estava enorme e eu com aquele sacão. Pensei:, vou ter de ir em pé e com esse saco enorme. Caracoles. Lá fui eu. Por um milagre dos deuses consegui um banco e me enfiei ali com o saco, incomodando um pouco o vizinho. Até ali, beleza. O trânsito lento e eu rezando para o busão chegar antes das duas e meia, horário da saída do Gramal. Chegou duas e meia. Saltei correndo quase tropeçando no saco, mas não consegui pegar o maldito ônibus. O motorista já arrancava e não parou. . O próximo só sairia em 25 minutos e era Eucalipto, o que significaria uns 40 minutos zanzando pelo bairro, pelos Morros da Pedras até voltar pela Gramal. Sem saída fui do outro lado pegar um Caieira da Barra do Sul que saía as 14 e 35. A fila imensa. Esperei todo mundo entrar e fiquei em pé perto da porta com o enorme saco da Ki Lojão. Um entra e sai de gente e eu me espremendo nos travesseiros a cada um que passava. Pra piorar tive de ouvir duas mulheres falando do ônibus cheio assim: "É ruim, mas a gente se diverte". Quem se diverte, querida?, pensei e mandei pra elas um olhar de monstra.

Quando chegou o Trevo do Erasmo, saltei. Dali até minha casa são 17 minutos andando. E lá fui eu me arrastando com o saco de travesseiros. Sou fraca de músculo então a cada tanto tinha que dar uma parada para trocar de mão. Os travesseiros, apesar de não muito pesados, incomodavam pelo volume. Toca andar e andar até que finalmente enxerguei o portão de casa. Ô glória! Votidizete uma coisa... essa vida de pessoa que usa drogas, no caso o transporte desintegrado da cidade amada. Isso acaba com um cristão! E o que me dá mais raiva é saber que o povo ainda pode votar num disgrama que não está nem aí para o nosso sofrimento. Valei-me São Pancrácio...


sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Como vencer a batalha da mentira e da desinformação

Foto: Vilar RodrigoWikimedia Commons - Os espaços vicinais como espaços do encontro 

Sempre tive muito arraigada em mim a proposta do trabalho de base. Não por acaso. Sou filha das CEBS. Quando no Brasil vivíamos a ditadura, tudo era proibido. Falar de política, discutir demandas, compreender a realidade, organizar lutas trabalhistas. Os partidos de esquerda eram clandestinos e não havia outra forma de chegar ao povo que não a do trabalho de base, esse feito nas comunidades, nas associações de moradores. A Igreja Católica, na sua vertente da Teologia da Libertação, foi talvez a única que conseguiu fazer esse trabalho organizativo às claras. Quem iria impedir que os clubes de mães da igreja se reunissem? Ou que os grupos de juventude católica se encontrassem? Foi assim que nasceram as Comunidades Eclesiais de Base. O objetivo era discutir a bíblia, mas a discussão passava pela análise da realidade e, principalmente pela proposta de que não era necessário esperar o céu para ser feliz. Era possível ser feliz aqui e agora.  A teoria do vale de lágrimas totalmente desmantelada. 

Foram anos e anos nesse trabalho e não há como negar que grande parte, senão a maioria, dos movimentos sociais que começaram a surgir e se fortalecer no começo dos anos 1980, tiveram aí a sua semente. Combater a ditadura passava por essas reuniões de pequenos grupos.

Outro dia, em conversa com o professor Nildo Ouriques, ele comentava que os tempos modernos não comportam mais aquele tipo de trabalho que fazíamos na ditadura. Creio que ele tem meia razão. 

Hoje não é mais necessário criar subterfúgios para uma reunião ou para a organização dos trabalhadores. Tudo está aberto. E mais, temos uma plataforma tecnológica que, em tese, nos abre para o mundo e na qual podemos publicar textos, vídeos, fazer encontros etc... Não há partidos clandestinos e as possibilidades para os debates são infinitas. Mas, aí também residem problemas.

Justamente por sua multiplicidade as plataformas de comunicação acabam gerando um excesso de informação. Qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode fazer um vídeo expondo sua “verdade” e isso vai rodando nas telas, uma após a outra, sem que a gente consiga mais – por conta do extremado número – distinguir o que é correto, o que está embasado em informações seguras, o que verdadeiramente faz sentido. Isso sem contar os vídeos de dancinha e de bichinho que nos distraem a cada tanto. Caminhamos num pântano, numa areia movediça, dos quais raramente conseguimos escapar. 

Como então enfrentar esse tempo, que é totalmente outro, mas que traz suas dificuldades singulares? Acredito firmemente que precisamos, junto com os meios tecnológicos que dispomos, trabalhar também no presencial. Os pequenos grupos, as pequenas reuniões, os pequenos encontros. Eles servem para estabelecer e fortalecer laços amorosos que, em última instância, é o que determina a atenção e a audiência. Isso pode ser feito com o uatizapi? Não sei! Pode ser. Mas, creio que nada supera o olho no olho, o caminho do abraço, do afeto, do respeito construído na caminhada real. Daí que o uatizapi vem depois, como são os grupos de família ou de amigos. Os laços já estão formados...

Como o universo das redes se configura na formação de bolhas, fica bem difícil chegar a alguém que não faça parte do nosso mundo, que não compartilhe nossa forma de ver a realidade. E sair da bolha nos joga nesse pântano de informações que pululam incessantemente. Assim que realizar esse trabalho de encontro em espaços diferenciados pode ajudar os partidos, os grupos políticos, os movimentos, a estabelecer nexos com gente que não se encontraria nos lugares onde estamos acostumados a estar. As estradas reais ainda são importantes, penso eu. 

Não sei se isso poderia ser chamado de trabalho de base, mas a arte do encontro vivencial ainda me parece ser indispensável. Adélia Prado, poetisa mineira, diz: só o que a memória ama fica eterno. Lembro-me de mim mesma, nos caminhos das CEBS, ouvindo sobre a bíblia e sobre a luta política e as memórias mais penetrantes são as caras, os toques, os abraços, os sorrisos, a atmosfera da solidariedade, da cooperação. Isso ficou marcado como uma forma de viver, é mais forte que o discurso. 

Alguns me chamariam de igrejeira... mas eu prefiro dizer que a raiz dessa minha certeza é antropológica. O ser humano pende para a beleza e para o belo e quando os vislumbra, ainda que por uma pequena greta, os segue, os persegue! 

Daí que descobrir como fazer esse trabalho num tempo em que aparentemente não há mais censura e onde a informação jorra é nosso desafio... 

Óbvio que nesse caminho não podemos abrir mão da comunicação de massa... mas isso é outro assunto! 

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Com Samuel, pelos Andes

Na foto, Samuel, o caminhão vermelho e nós três, na parada em Paso de Jama.

Seu nome: Samuel. O encontramos meio escondido debaixo de um enorme caminhão que carregava papel. Estava quase marrom, a cor que cobria tudo na perdida cidade de Susques, na puna argentina. Com um pano sujo, tocava aqui e ali no coração da máquina buscando achar o problema que o prendia naquele lugar. Estava atrasado e mal-humorado. Susques é chamada de portal dos Andes, cidade fronteiriça onde está o posto da alfandega e todos os caminhões que cruzam a linha entre a Argentina e o Chile têm que, obrigatoriamente, parar ali. Por isso, era ali que também estávamos em busca de uma carona para San Pedro de Atacama. Samuel já era o quarto caminhoneiro a ser consultado sobre a tal carona.  “Não dá, tô quebrado”, foi a resposta seca e incisiva. Já eram onze da manhã  e a possibilidade de outros caminhões passarem  se esvaía. O movimento maior era sempre de manhazinha. “Até o meio dia ainda pode aparecer alguém”, dizia Fernando, um dos fiscais da aduana, ansioso por nos ajudar. Mas no olhos dele se percebia que as chances eram pequenas. Teríamos que ficar mais um dia em Susques e nosso sonho de chegar ao deserto ainda naquele dia ficava mais distante. Dalí não saía ônibus nem nada. A única chance era mesmo um caminhão.

As onze e meia da manhã o Samuel apareceu na aduana para acertar os papéis. Iria arriscar atravessar a cordilheira com o caminhão ruim. Não podia mais ficar ali. Estava igual a nós, com pressa de chegar ao Chile, mas tinha medo de levar caronas, pois a coisa podia ficar ruim. A cordilheira é traiçoeira e havia notícias de que estava nevando mais acima. “É arriscado”, balbuciava, enquanto Fernando insistia em convencê-lo a nos levar. Então, finalmente, foi vencido.  E lá fomos nós para a boléia levando a reboque o argentino Horácio, que voltava para o posto da fronteira com um galão de gasolina. Seu carro havia ficado lá, sem combustível. Seríamos cinco a subir os Andes no caminhão avariado. 

 A insistente fumaça branca que saia do possante deixava claro que sem óleo não chegaríamos a lugar nenhum. Poucos quilômetros depois de Susques paramos num posto, o último de toda a travessia da cordilheira. Por azar, só havia quatro litros de óleo  disponíveis. Compramos. Sim, nós, porque o Samuel estava tão quebrado quanto o caminhão. Há dias fora de casa e com o veículo avariado já não restava qualquer tostão. E assim tossindo e cuspindo fumaça lá foi o caminhão pela trilha da montanha.

A travessia é solitária. Vez ou outra, muito rara, aparece alguém. Geralmente os caminhões passam bem cedinho e são pouquíssimos os carros de passeio. O trotezito do caminhão não saia dos 40, 30 quilômetros por hora. Íamos rezando para que o óleo não evaporasse todinho. Mas, faltou santo. O barulhinho de pi, pi, pi no painel dava conta de que era preciso parar. Na estrada, o vazio. Uma chuva forte, deserto total. Os cinco desolados, esperando que passasse alguém. Por um milagre apareceu um caminhão e compramos mais quatro litros de óleo. Voltou todo mundo para o caminhão e toca a subir. Marcela começou a ter dor de dente e ria de nervoso. Eu, que não havia comido nada aquele dia, comecei a passar mal por causa da altura. Na frente, Miriam seguia, impávida, de papo com Horácio que contava sobre Córdoba, sua cidade natal. A duras penas chegamos a Paso de Jama, o ponto da fronteira, e ali deixamos o companheiro argentino. Nada havia além da aduana.

Feito os trâmite seguimos a subida da montanha, o possante cuspindo fumaça. Agora, na estrada de asfalto o que nos esperava era a neve. Começou assim, de repente, e num segundo, tudo estava coberto de gelo, inclusive o caminhão. Bem naquela hora lá veio o barulhinho insistente pi,  pi, pi, exigindo óleo. De novo paramos, no meio da neve, e descemos a olhar a estrada. Um frio de rachar. Mais um milagre? Rezávamos.  

Pois não demorou dez minutos e logo apontou outro caminhão. O motorista nos vendeu mais quatro litros de óleo. Vibrávamos com palmas e gritos. O caminhão seguiria seu ritmo de completa lentidão. Samuel ria da bagunça e contava um pouco de sua vida. Em 27 anos de estrada, sempre fazendo a rota da cordilheira, nunca havia passado por aquele tipo de situação. Casado e com três filhos queria chegar logo à cidade de Calama, no Chile, onde esperavam por ele com uma comidinha caseira e uma cama quente. Achava estranho o fato de nós três sermos casadas  e estarmos viajando sozinhas. “Lá no Brasil a gente é moderno”, brincava Miriam.  E ele ria um riso que deixava entrever que lá no Chile não era assim não. 

Como a jornada estava longa dividíamos a pouca comida que tínhamos: um pão de sal pequeno que eu comprara em Susques, cortado em quatro pedaços, uma barra de cereal, também cortada em quatro pedaços e pedaços de gengibre. Foi o que nos sustentou até o fim do dia. Não imaginávamos que levaríamos mais de oito horas  para fazer duzentos e poucos quilômetros até San Pedro. 

Já ia caindo a noite e estávamos ainda a 20 quilômetros de San Pedro. Parecia que tudo iria dar certo. Chegaríamos, enfim. Mas, o malfadado pi, pi, pi de novo nos fez parar. Agora não seria mais possível um novo milagre. Era pedir demais para os deuses da cordilheira. Samuel disse que se, por ventura, passasse alguém seria melhor a gente ir com a nova carona. Ele passaria a noite na estrada. Não aceitamos. Estávamos juntos e chegaríamos juntos. O vento soprava com uma força descomunal. Ficamos os quatro, dentro do caminhão, parados no meio fio, buscando nos aquecer com o calor um do outro. 

Então, no meio da ventania, como um novo milagre, assomou um carro branco, de passeio. Samuel desceu e pediu para que parasse. Eram dois bolivianos que vinham na direção contrária. Uma conversa rápida e Samuel trouxe a notícia. “Eles vão voltar e levam vocês até a aduana”. Insistimos que seríamos solidárias ficando até conseguir mais óleo, mas Samuel não quis . “Vocês cheguem lá e peçam para os carabinieri virem me buscar. Eles ajudam”.  Bom, assim tudo bem, eram só 20 quilômetros, seria um passinho para eles. Lá fomos nós então com as mochilas para dentro do carro dos bolivianos, enquanto Samuel ficava na estrada acenando. 

Os dois rapazes conversavam nervosos e por fim nos contaram o conto. Na verdade, o motorista tinha vindo justamente do posto da fronteira. Tinha sido mandado de volta porque trazia um clandestino. Os guardas o obrigaram a  levar o outro – que era um primo – até a fronteira. Mas eles haviam decidido que o garoto ficaria ali, no meio do deserto, naquela ventania, e entraria no Chile à pé, em algum ponto, de forma clandestina. “Chegando lá não digam nada”, pediam, assustados. E nós concordando é claro, mais assustadas do que eles.  Pois foi assim que chegamos ao Chile. No carro do boliviano, que já estava encrencado. 

A polícia, normalmente mal-humorada, já nos marcou. Revista total. Abre mala, abre bolsa. Éramos “suspeitas”. Eu, que trazia um saco de folha de coca no bolso, corri para o banheiro e me livrei de tudo. Foi um momento de tensão. E mesmo longe, foi Samuel quem nos salvou, pois contamos toda a aventura e pedimos aos carabinieri que fossem ajudar o companheiro, chileno, que estava a 20 quilômetros dali correndo risco de morrer de frio. Penso que foi só aí que acreditaram que não éramos cúmplices do boliviano. Este, que já havia liberado o primo, sumiu no mundo.

Passado o perrengue da aduana, mochila nas costas, entramos à pé em San Pedro, no Chile, depois de oito horas na estrada. Foi o tempo que levamos para fazer pouco mais de 200 quilômetros, tendo passado por calor, chuva, neve e vento na cordilheira. Ainda estávamos um pouco tensas com toda a aventura e caminhávamos sem falar. Então, ao virar a esquina do pequeno povoado, que era a cara daquelas vilas de seriado de Zorro, foi exatamente isso que vimos. Dentro de um ônibus que saia da cidade, o próprio Zorro, dirigindo, mascarado, a acenar. Caímos na gargalhada e entramos na Caracoles – rua principal - prontas para viver a mais linda experiência do deserto chileno. 

Lá longe, no meio da noite, Samuel recebia dos carabinieri mais alguns litros de óleo, o que lhe garantiria passar a noite em casa.

***


Do Brega

Foto: Rosane Lima


Verdadeiramente tenho uma espécie de compulsão pelo brega. Não sei ser chique. Mesmo quando quero, a coisa acaba descambando. Nas ruas, meus olhos tendem a buscar as lojinhas de roupas baratas e bregas. Não sei por quê. Outro dia fui ao xopim com minha amiga Jussara disposta a comprar uma calça jeans chique. Fomos às lojas da Levis e da Forum...Provei uns 20 modelos, não gostei de nenhum... Geralmente faço uma carinha de enfado, enquanto digo: feeeeiiiiiia. Depois, fui conferir os preços. Com o valor de uma única calça eu compraria seis nas Pernambucanas. Bah, não tem como. 

O pior que sou assim desde pequena. Quando morávamos em São Borja o pai abriu um crediário para nós na Loja Nemetz, uma das mais chiques da cidade. A gente podia ir lá e comprar o que quiséssemos. Minha irmã fazia a festa, comprava roupas, sapatos, bolsas, lenços, tudo o que havia na crista da moda. E eu olhava aquelas roupas esquisitas com a mesma carinha de enfado que faço hoje. Não comprava nada. Minha alegria mesmo era quando eu ia às Pernambucanas com a mãe. A gente ficava por lá uma tarde inteira olhando as fazendas, que era como chamávamos os cortes de tecido. Geralmente paninhos simples, coloridos e baratinhos os quais se transformavam em lindos vestidinhos bregas que a mãe mesmo fazia. Eu me sentindo o máximo. 

O mesmo passa com sapatos. Não consigo sair da tradição. Quando pequena eu usava só as Franciscanas, sandálias confortáveis usadas por freiras. Era tudo de bom. Usei até a fase adulta e só parei porque a fábrica se acabou. Nunca mais vi uma franciscana. Só de pensar eu choro. Como eram boas aquelas sandálias. Sem elas passei para as alpargatas de sola de corda. Usei por anos e ainda uso. Mas as preferidas são as havaianas. Uso o tempo todo, apesar de que agora gourmetizaram as bichinhas. Estão custando 70 reais. Um absurdo. Talvez seja hora de buscar algo mais raiz. Outro dia visitei as lojas de calçados em busca de uma sandália de verão.. mesma coisa de sempre. A cara de enfado e mãos vazias. Acabo no Mercado Público com algum modelito havaiana ou uma alpargata. No inverno até tento ser chique, mas não aguento muito tempo. Uso uma botinha bonitinha um dia e no dia seguinte lá estou de sandália de couro e meia. A alma é brega...  Tem jeito não... Tivesse eu dinheiro seria o fino do brega... exageradamente...



quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Os patinetes e as ciclovias



Pois os patinetes voltaram a aparecer por toda a cidade. E têm feito a alegria da garotada. Na UFSC é possível ver muita gente pra lá e pra cá com aquelas coisinhas amarelas ou verdes. E é bom, porque no trânsito caótico da cidade acaba sendo uma forma bem rápida de se mexer. A mobilidade só piora, então aparecem as “alternativas”. Dizer o quê? Na UFSC, que é uma universidade onde circulam mais de 30 mil pessoas por dia a gente pode ficar numa parada de ônibus por até 40 minutos. É sim! Por isso mesmo que a gurizada pede ciclovia e agora acha bacana esse lance dos patinetes. A turma saúde pedala e os mais preguiçosos andam nas maquininhas de duas rodas, que sequer pedem esforço. 

Não sou contra ciclovia nem contra os patinetes. Há que desenvolver técnicas de sobrevivência no caos. Mas é preciso ultrapassar o limite das pautas pequeno-burguesas que clamam por ciclovias e outros tipos de transporte individuais. E por que digo isso? É simples. Os trabalhadores são seres que moram quase sempre muito longe de seus locais de trabalho. Eles não têm como fazer 30 ou 40 quilômetros em cima de um patinete (seria desconfortável e caro), muito menos pedalar tudo isso para ir e para vir. Imagine uma senhora como eu, prá lá dos 60, como vai pedalar todo esse trajeto depois de um dia estafante de trabalho, num trânsito que mata? Que tipo de governante pode conceber isso? 

Os trabalhadores precisam de transporte de massa. Repito. Transporte de massa. Com qualidade e de preferência com tarifa zero. Porque 90% das pessoas que usam o transporte se deslocam para engordar a conta do capital, o mesmo que lhes suga a vida e ainda permite que percam de duas a três horas no inferno do transporte desintegrado. Eu quero um ônibus bom e rápido, um trem de superfície, qualquer coisa que nos transporte num átimo para onde nosso coração clama: a casa, aconchegante morada. 

O transporte individual, seja o carro, a bicicleta, o patinete, a moto, resolve a vida de muitos. Mas não da maioria. Fosse assim não teríamos mais de 200 mil pessoas se aglomerando nos ônibus todos os dias, padecendo com falta de linhas e horários. 

Pois bem, vêm aí as eleições municipais. De novo vamos ver propostas mirabolantes e muitas historinhas no tik tok. Não se enganem. Para nós, trabalhadores, a única proposta realmente séria é o transporte de massa, bom, rápido e barato, senão gratuito. Fora isso são arranjos individuais, que não servem à maioria. Temos amargado prefeito após prefeito o descuido com nossa vida cotidiana. Não podemos dar nosso voto para quem nos engana.

sábado, 26 de agosto de 2023

Do amor




Carlos Walter Porto-Gonçalves é assim, um monumento. Geógrafo dos mais importantes não só do Brasil, mas da América Latina, ele não se comporta como um “pescoçudo”, que é como eu chamo os doutores metidos. Bem ao contrário. Ele é risonho e falador. O conheci num evento em Curitiba, junto com a sua companheira Márcia. Fiquei meio tensa porque sempre tenho medo de conhecer quem admiro. Vai que a pessoa é uma babaca. Não foi o caso. Carlos Walter é um fofo,  alegre e intenso. Um homem adorável e uma espécie de biblioteca ambulante. Em poucos minutos de conversa e ele já vai te dando a conjuntura, a história atual e passada, números, dados, estatísticas, teses, mas de um jeito tão querido que nunca soa pedante. Ele é um poço de saber e tem prazer em dividir o que sabe. Um ser raro, por supuesto.

Quando comecei meu doutorado, sobre a questão indígena, ele foi o primeiro nome que me veio à mente. Mas, e cadê a coragem para pedir para ser da minha banca? Não fosse minha amada Beatriz Paiva eu não o teria chamado. Ela insistiu e o fiz. Aceitou na hora, com aquele seu sorriso de menino, feliz e satisfeito. Ajudou muito na qualificação, dando dicas de leituras, fazendo observações cirúrgicas. Só enriqueceu. Sempre que eu olho meu trabalho eu fico inflada de orgulho por saber que ele tirou um tempo de sua vida corrida para ler e fazer comentários. 

Ele agora está vivendo em Florianópolis e eu posso partilhar de sua amizade e seu convívio. Posso dizer que somos amigos, e isso é incrível. Gosto de estar com ele e ouvir suas inúmeras e maravilhosas histórias. Caminhares de um geógrafo humano que se encanta com as pessoas e os lugares. Um latino-americano. Seu conhecimento não é frio. É quente. Repleto de ternuras e amor pelas gentes e pelos lugares. Quando ele fala o mundo se abre em delicadezas e espanto. O vejo menos que gostaria, mas é bom de saber que ele está aí, bem perto, pronto para a comunhão amorosa dos seus saberes. 

No dia que lancei meu livro de crônicas me fez uma baita surpresa. Foi lá, com seu sorriso e seu abraço. Ele, uma espécie de deus, se movendo por uma simples mortal. Encheu meu coração de alegria. Autor de dezenas de livros e artigos ele já foi até Prêmio Casas das Américas. É uma sumidade, mas não ostenta. Quem priva de seu convívio sabe. Fala pelos cotovelos, derrama saberes e nos embriaga com seu conhecimento. É um intelectual generoso, que sabe ensinar e dividir. 

Te amo Carlos Walter, és verdadeiramente um ser especial. Te amo pacas...

Furdunço



Hoje foi um dia de chuvas e ventos, caiu até granizo. Quando a tarde escureceu todinha, o pai ainda dormia a siesta. Veio o temporal e ele nem viu. Pensei em deixá-lo no quarto, já que estava frio. Mas, acordar, tomar café e ficar ali, olhando para o vazio, não parecia certo. O pai gosta do furdunço que sempre assoma na nossa pequena cozinha onde organizamos uma gostosa poltrona para ele ficar. Com ele, ficam os cachorros, os gatos e a gente, circulando, estudando, fazendo coisas. Também tem a vitrola que toca suas músicas preferidas ou a TV com os doramas, que são os meus preferidos, mas que ele acompanha. A vida pulsa na cozinha. Melhor fazer a operação “ET”. 

Colocamos o pai na cadeira de rodas e cobrimos o corpo todo com um cobertor, inclusive a cabeça. Só os olhinhos ficam de fora.  Aí é sair correndo, atravessando o pequeno caminho que vai do quarto – que fica fora da casa - até a cozinha. Nisso o meu sobrinho Renato é craque. 

Chegando à cozinha ele se alegra vivamente. A música toca, os cachorros se achegam, mais tarde chega o bisneto, gritaria, confusão, furdunço. Ele ri bem faceiro, esparramado na sua poltrona, coberto com o cobertor quentinho. É hora da janta. Bagunça e falaceira. A vida em movimento. Não é que a parada não seja dura ou que a doença de Alzheimer não seja cruel. Mas temos aqui em casa essa coisa do bom humor, do riso, da alegria. Vamos enfrentando cada golpe da doença com graça, na valentia. E ver o pai alegre, em meio à barafunda da cozinha é bom demais. A gente já entendeu que a velhice precisa ser vivida na aldeia, no meio da muvuca, na quenturinha do amor. E assim, vamos indo... e ele, resistindo...

Homenagem aos vivos/ Miriam Santini de Abreu


Minha amiga, parceira de realidades e companheira de vida, Miriam Santini de Abreu, será homenageada pelo Desacato, nesta sexta-feira, dia 25, na  2ª. Edição da distinção Gustavo de Lacerda de Jornalismo, dentro do seminário sobre comunicação que celebra também os 16 anos do Portal. Esta é uma distinção absolutamente merecida, a considerar que Gustavo Lacerda, jornalista catarinense, foi no seu tempo um agitador, buscando garantir direitos aos colegas e criando a Associação Brasileira de Imprensa para ser um espaço de luta e reflexão. 

Miriam tem essa veia, da criadora de coisas, agitadora. Ela é como uma cornucópia, sempre jorrando ideias de textos, artigos científicos, projetos. Não para quieta um minuto. É como se sua cabeça fosse uma enorme galpão, com inúmeras e variadas oficinas, aonde ela vai construindo, lapidando, moldando. E dela sempre saem belezas. 

A gente se conheceu quando ela foi trabalhar no Sintufsc e eu era diretora por lá no começo dos anos 2000. Queríamos, Raquel e eu, uma jornalista que estivesse disposta a fazer jornalismo de verdade, sem se acomodar no sindicalês. E ela se mostrou perfeita. Em pouco tempo já comandava com segurança a comunicação do sindicato, sempre com alguma ideia inovadora, fora da caixa. Chegou a fazer, sozinha, um jornal sobre São Francisco do Sul que planejava a instalação da empresa ArcelorMittal Vega através de parceria publico-privada, com investimentos públicos que beneficiaram grandemente a empresa e tornavam a cidade refém. Uma maravilha aquele jornal. 

A Miriam é como um dínamo, sempre girando. Assim fez seu mestrado, focado na farsa do desenvolvimento sustentável e o papel do jornalismo nesse engodo. Depois seu doutorado, discutindo a cidade. E segue estudando em pós e pós e pós doutorados, porque tem sempre uma pergunta inquietante a lhe queimar os miolos. É estudiosa e metódica. No meio disso tudo ela ainda faz seu trabalho no sindicato e mais umas trocentas outras coisas que toca em diversas parcerias. Jornalismo, meio ambiente, cidade, moradia, plano diretor. Pensa a cidade. Pensa o jornalismo. Faz livro, faz vídeo, organiza debates. É parceira de longas conversas teóricas e de projetos alucinantes, que nos esgotam forças e plata. Mas, não descansa. E eu a sigo em tudo que propõem porque gosto de caminhar com ela, de partilhar de sua imensa luz.

Nesta sexta ela recebe esta distinção e eu agradeço aos queridos amigos do Desacato por isso. Porque homenagens precisam ser feitas em vida, para que a pessoa saiba e sinta o que significa para o grupo onde está inserida. Parabéns minha adorável amiga, trem bala que desembesta e envereda por todos os caminhos, abrindo frentes, descortinando horizontes. Tu mereces esse carinho e esse reconhecimento. 

Te amo, sua pobrezita nojenta! Minha eterna Scully dos cabelos vermelhos...

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Buscando um rosto

Foto: casa de Vânia e Theotonio, hoje um museu que guarda a memória.

Assistindo o vídeo com o depoimento de Nadia Bambirra, filha de Vania e Theotonio, ela contou um episódio que me emocionou de maneira avassaladora. No Chile, sob o golpe em 1973, centenas de pessoas foram buscar asilo na pequena Embaixada do Panamá. Nadia lembra que um dos funcionários da embaixada, usou uma técnica perigosa para evitar que os soldados de Pinochet atirassem nas pessoas que saiam da casa em direção ao outro imóvel – cedido por Vânia e Theotonio para abrigar os mais de 200 asilados. Como os milicos não podiam atirar enquanto os refugiados estivessem em solo da embaixada, ele juntava as pessoas em grupos dentro de uma corda, unidos em círculo, e ia no meio, com a bandeira do Panamá nas mãos erguidas, assinalando que aquele círculo dentro da corda era território panamenho. Assim, de grupo em grupo,  conseguiu tirar as mais de 200 pessoas do pequeno prédio da embaixada, levando-os para a casa de Vânia e Theotonio, onde se abrigaram por um tempo e depois conseguiram sair do país. 

Essa cena me comoveu às lágrimas. E fiquei curiosa de saber quem era esse homem extraordinário que colocou a sua vida em risco por gente que nem conhecia. Afinal, quem garantia que os milicos não iam atirar? Comecei a  pesquisar e cada texto que eu encontrava falando sobre esse assunto, fazia referência ao papel importante da Embaixada do Panamá, salvando gente, inclusive os brasileiros, mas nada do nome da pessoa. Busquei nas páginas do governo panamenho, liguei para pessoas no Chile, liguei para a atual embaixada do Panamá no Chile e nada. Meu amigo Maicon ajudou na pesquisa e viu que em 1973 quem governava o Panamá era o general Omar Torrijos, um homem comprometido com as ideias socialistas. Estava mais ou menos explicado aquele ato heroico do funcionário da embaixada. Era um home de Torrijos. Era alguém que apoiava Allende contra o golpe. Provavelmente um socialista. Fiquei ainda mais impactada com aquele home sem rosto, erguendo a bandeira do seu país, salvando pessoas. Um torrijista! 

Seguia buscando seu nome, sem sucesso, quando um comentário da própria Nadia no vídeo que publicamos abriu caminho para o reconhecimento desse homem bom: o que levara os grupos dentro do círculo de cordas com a bandeira na mão não era o cônsul nem o embaixador, era o secretário da embaixada, o diplomata José Guillermo Stoute. De novo fui envolvida por intensa emoção. Sabia agora o seu nome e ele pode ser colocado no seu lugar na história como aquele que com extrema coragem usou seu corpo para salvar mais de 200 almas. 

José Guilhermo Stoute Aguilar.

Esse ainda é um nome sem rosto. Fui de novo para  a internet e coloquei lá o seu nome, diplomata, 1973.  Apareceu o nome de uma mulher que é a sua filha. Na página diz que ele nasceu em 1916 e morreu em 1994. Fora isso nenhuma outra referência. Nenhuma foto. De novo fui às lágrimas. Ele encantou sem que a gente pudesse dizer o quanto somos gratos por seu gesto repleto de humanidade. Um panamenho torrijista, ainda sem rosto. 

Mas, eu não desisto. Vou continuar buscando. Penso que haverei de encontrar seu rosto, para que todos o conheçam e para que possamos reverenciar sua memória.  Um homem que no meio do terror desatado pelo maldito Pinochet protegeu com seu corpo e a bandeira do seu país os nossos companheiros.

Gracias querido José Guilhermo Stoute Aguilar.


sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Rádio Campeche, 25 anos

Balaio da Rádio - Foto: Rubens Lopes


A rádio comunitária do Campeche completará 25 anos em novembro. Um quarto de século sendo o espaço comunicativo das lutas e da cultural local. Nasceu em 1998, fruto da ação do jornalista Lúcio Haeser que conseguiu juntar todas as forças vivas que atuavam no bairro: a comunidade em luta. Desta união nasceu a ARCA, Associação Rádio Comunitária Campeche, cujo objetivo primeiro foi dar vazão a toda informação criada na batalha pelo Plano Diretor. Foi um tempo de grande ebulição social e muita participação popular. Nosso bairro era ponta de lança no debate sobre a cidade. E a rádio surgiu para ser o elo entre os movimentos, irradiando as propostas construídas coletivamente.  

Desde aqueles intensos anos a comunitária vem cumprindo seu papel de ser o espaço onde as vozes em luta podem se expressar. Muitos programas nasceram e morreram, muitos companheiros e companheiras passaram, porque a luta comunitária é assim mesmo, dinâmica e fluida. O plano diretor foi construído, as propostas foram debatidas e aprovadas, as batalhas com a administração da cidade foram travadas. Algumas nós vencemos, outras não. O plano aprovado não foi o que os movimentos desenharam e agora estamos de novo em luta por conta de outras mudanças e transformações. 

Nestes 25 anos muita coisa mudou por aqui. O bairro cresceu demais, vertiginosamente, e todos os dias podemos ver terrenos sendo tomados pelas máquinas, nossa vegetação atlântica sendo derrubada, nossas corujas buraqueiras sem lugar para criar seus filhotes.  Os novos moradores que chegam por conta da paisagem especulada não sabem quem foi Dona Nicota, nem o seu Chico, não conheceram seu Getúlio, nem arrastaram redes das canoas. Poucos são aqueles que se integram ao bairro de verdade, buscando viver o Campeche em toda a sua plenitude. A maioria só mora aqui. E, nesse contexto a própria rádio fica meio perdida. 

Alguns novos parceiros pensam que a rádio deveria se abrir aos novos tempos, buscar novos sócios entre os novos moradores de plástico, mudar o estatuto, permitir patrocínios. Os mais velhos insistem que a rádio não é uma rádio comercial, não nasceu para fazer dinheiro e sim para servir a comunidade. E comunidade entendida como povo em luta, como gente que compartilha um projeto comum.  Uma rádio comunitária não representa um grupo de moradores aleatórios ou que ocupam um mesmo território. Uma rádio comunitária representa aqueles e aquelas que estão sempre em luta por uma vida melhor no bairro e na cidade. 

Essas diferentes concepções de rádio sempre estiveram em disputa nestes mais de 20 anos, sendo que a proposta comunitária, depois de reiterados debates, até agora deu o tom. Mas, não sabemos até quando será assim. Afinal, não foi apenas o bairro que mudou. A cidade mudou, as pessoas também. Aquela generosa proposta de um Campeche-jardim, de casas baixas e vizinhos atentos no cuidado da praia e da vida comunal anda meio apagada. As propostas liberais de humanização do capitalismo estão cada vez mais fazendo a cabeça das pessoas, mesmo aquelas que se reivindicam de esquerda. É um tempo gris. 

Estamos abrindo agora em agosto mais um processo eleitoral para a direção da rádio. Será um momento decisivo porque as lutas renhidas, típicas da nossa comunidade, estão em baixa. E quando não há movimento a rádio também sente. Afinal, vai divulgar as lutas de quem? Já passamos por momentos assim, de baixa pressão. E decidimos seguir na resistência, em pé, mantendo os velhos princípios, fomentando e esperando novos ventos. Agora estamos assim de novo. Na virada de um quarto de século vamos mais uma vez decidir o que queremos ser. Ou seguimos comunitária, ou assumimos o caminho da rádio livre, desligada das lutas reais, focada em particularismo. 

A história dirá. 

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

A burocracia e a UFSC


A burocracia é um poder. Isso é um fato. Os que se aferram a ela a usam para justificar uma forma de agir que não encontra amparo numa visão mais humana e empática de mundo. No serviço público isso tem sido uma arma. Lembro de uma vez, eu sentada numa sala de espera do INSS, e uma trabalhadora mandou embora um senhor bem velhinho, dedos calejados, chinelo havaiana, que tinha vindo resolver um problema de sua aposentadoria, porque ele não tinha em mãos uma conta de luz ou algo que atestasse residência. Ora, era absolutamente visível que aquele senhor não era um fraudador da previdência. Era alguém desinformado. Ela poderia ter liberado sua aposentadoria, de pouco menos de seiscentos reais na época, e pedido para ele trazer a conta no dia seguinte. Não, o mandou embora. E ele saiu, perplexo e perdido. 

Na UFSC pós-pandemia temos observado um avanço grande dessa burocracia imobilizadora. Tudo é feito por formulários na internet e há que obedecer a fila. A fila. Uma coisa que inviabiliza cuidar de urgências e emergências. Imaginem um setor de informática, com uma fila de pedidos para reparação num computador. O que deveria ser levado em conta? A fila ou a necessidade real do reparo? Um computador em meio a vários outros para o serviço administrativo é mais ou menos urgente que um computador que é único – por conta dos programas que carrega – para a realização de determinado serviço? Obvio que é o segundo. Mas se ele estiver lá para trás na fila não será reparado até que chegue a sua vez. Isso, para mim, não é qualidade de atendimento. 

Muitos colegas defendem a fila e até se negam a falar por telefone ou pessoalmente com as pessoas porque é “preciso respeitar a fila” e se houver uma conversa a fila pode ser desrespeitada. Penso eu que essa é uma posição equivocada. Há que contextualizar a fila. Não sou contra formulários. Penso que pode ser uma boa estratégia, mas nele deveria constar um espaço para a explicação da emergência ou da urgência. “Ah, mas tudo é urgente para quem está precisando”. Sim e não. O trabalhador responsável pode muito bem avaliar e decidir. Como aquela moça do INSS. Poderia ter liberado o dinheiro e recebido a comprovação de residência depois. E se o velho fosse um marginal, fraudador, bueno, é o risco. Mas pelo menos ele não teria saído dessuleado. Naquele dia eu fui atrás e ajudei o homem. Mas e os outros tantos? 

Penso que a fila deveria seguir o critério da fila no hospital. Quem tá em pior situação, é atendido primeiro. Tratar de maneira desigual os desiguais. A burocracia dura desumaniza, emperra os caminhos em vez de abrir. O trabalho no serviço público envolve relações humanas, fundamentalmente. Lidar com gente. Eu estou na UFSC desde 1994. Sei exatamente quem está tentando ludibriar a fila e quem realmente está na urgência, porque conheço a instituição, conheço o trabalho que cada setor desenvolve. E conheço porque me importo. Já me ferrei algumas vezes, com gente enganadora, é verdade, mas muito poucas. Na maioria das vezes as pessoas falam a verdade. 

A burocracia é boa porque organiza. Mas quem a maneja somos nós, humanos. E os humanos no serviço público precisam agir na força de Exu, abrindo caminhos, abrindo caminhos... Essa deveria ser a nossa primeira preocupação! 


terça-feira, 1 de agosto de 2023

O planeta se move


Nestes dias que correm duas coisas me fazem grande falta. Uma é a análise do meu querido amigo Danilo Carneiro, sempre de olho na conjuntura mundial, cirúrgico e preciso. E a outra é de uma publicação aos moldes da revista Cadernos do Terceiro Mundo, que era assim a nossa referência máxima para compreender o mundo além continente. Por exemplo, as últimas notícias que chegam do continente africano são impactantes. Ainda que golpes e rebeliões não sejam novidade, o fato de tantos novos dirigentes apontarem caminhos nacionalistas e de suspensão da sangria dos recursos naturais e das riquezas, sinalizam que coisas importantes voltam a cruzar aqueles caminhos. A presença de bandeiras russas nos protestos populares e a presença do presidente Putin junto aos governantes balançam o tabuleiro mundial. 

É claro que nosso desconhecimento das entranhas da luta política na África não permite uma análise mais apurada – há que estudar mais e melhor essas novas forças que surgem – mas igualmente é fato de que tanto a Rússia quanto a China estão contrabalançando o poder até então quase absoluto dos Estados Unidos. Não digo que isso seja bom, mas é uma mudança significativa.  

A guerra na Ucrânia desatada ainda em 2014, com as barbaridades cometidas na região do Donbass contra os separatistas pró-russos, o envolvimento da OTAN, braço armado do imperialismo estadunidense, e a tentativa de esmagar a liderança russa parece não estar surtindo o efeito esperado. O mundo observa os perigosos passos que vão sendo dados, visto que a Rússia é uma nação nuclear e caso seja esfacelada terá também o seu arsenal de morte igualmente dividido por sabe-se lá quantos senhores da guerra, malucos, mercenários, cuja única pátria é o dinheiro. Que futuro teríamos? 

Na América Latina estamos vendo a presença cada dia maior da China financiando projetos grandiosos, comprando terras, investindo nos movimentos, dando movimento às economias na América Central e do Sul, realizando tratados de comércio, garantindo mercado para os produtos de cada país e avançando no controle das riquezas estratégicas de cada um. Também uma novidade por aqui já que o domínio estadunidense sempre foi avassalador. Óbvio que a China não é mais nem menos “boazinha” que os EUA. Tudo são negócios e a expressão viva do capitalismo que tudo busca abocanhar. Mas, ainda assim, é uma presença diferente.

Esses acontecimentos que parecem tão distante do nosso dia-a-dia não o são. Cada passo dado pelas grandes potências em luta respinga em nós, mais ou menos. Ainda mais num tempo em que a maior parte da esquerda latino-americana está praticamente vencida pela ideologia liberal, preferindo dar uma cara mais humana ao capitalismo em vez de destruí-lo. A situação é tão louca que governantes autoritários e ultraconservadores como Bukele, de El Salvador, se apropriam das bandeiras que deveriam ser da esquerda e acabam aclamados pelas populações. Bolsonaro, no Brasil, também foi assim. Pregava contra o sistema, ainda que mentisse. 

São tempos turbulentos. Estamos atentos. 

sexta-feira, 14 de julho de 2023

A cidade esfacelada

Foto: Anderson Coelho/ND - O mar comendo as casas irregulares no Morro das Pedras


Uma das técnicas mais difundidas pela máquina da propaganda que visa manipular as consciências é a fragmentação. Ou seja, impedir uma visão abrangente e totalizante das coisas faz com que os fatos se sucedam como se brotassem do nada. As coisas acontecem como se não houvesse um antes e nem levassem a um depois. São acontecimentos mágicos, aparecem e somem, sem que qualquer linha os amarre a um cenário maior. No geral, os fatos aparecem sempre recheados de emoções e sensações, mas nunca mostram o quadro completo.

Basta ligar a TV ou acessar a redes e lá estão os “fatos”, se sucedendo em vertiginosas campanhas que apelam ao emocional, e se dissipam rapidamente tão logo outra emoção seja colocada no lugar. Nenhum contexto, nenhuma análise. Nada. Só a sensação. E a vida vai seguindo aos saltos, sem que as pessoas percebam que a montanha russa das sensações existe para impedir que vejam o todo.

Assim estamos na nossa cidade “mágica”. Desde 2014, quando foi aprovado, de maneira absurda, o Plano Diretor, Florianópolis vive um processo vertiginoso de especulação da vida e de privatização dos bens públicos. Nos últimos meses temos visto o prefeito de ocasião, Topázio, exibir seus dotes de menino propaganda no TikTok mostrando a cidade em pequenos vídeos, exaltando a cultura, o turismo e dizendo como tudo está indo bem e como a cidade está boa e bonita para todos. Apresenta propostas mirabolantes e diz pra população que tudo será feito com a ajuda privada, esses amigos queridos, sempre dispostos a melhorar a cidade. 

Sobre os bairros inchados, sem planejamento, não fala nada. Sobre a falta de estrutura nas comunidades, não fala nada. Sobre o horror cotidiano do transporte coletivo, não fala nada. Sobre a impossibilidade de se morar na cidade devido aos absurdos preços dos alugueis, não fala nada. Sobre a sobrecarga nos Postos de Saúde, que seguem com poucas senhas e incapazes de atender a população na demanda necessária, não fala nada. Sobre o alucinado processo de construção aprovado pelas mudanças no Plano Diretor, não fala nada. Sobre a inexistência de espaços de lazer nas comunidades, não fala nada. Enfim, a cidade verdadeira, com seus dramas e mazelas, não aparece no programa do prefeito e muito menos nos meios de comunicação. 

O jornalismo local é uma vergonha. Alimenta e respalda essa lógica da fragmentação, sensação, emoção e desconexão com o todo. Os problemas até são mostrados, mas assim, como se fossem casos isolados, brotados do nada, sem relação com o processo de destruição. Um exemplo disso é o caso da UPA Sul, que o prefeito quer deslocar para o antigo aeroporto. As matérias falam dos atos, das manifestações, mas não acabam fechando a história com a fala do prefeito dizendo que não tem dinheiro para reformar. E pronto. Não questionam, não investigam, não cumprem seu papel de aprofundar os temas. E partem para outra comoção. Como foi o caso do pouso acidentado de um avião na pista do “Floripa Airport” (sic). Explora-se o pavor dos passageiros, o drama dos cancelamentos dos voos, mas nenhuma palavra sobre a responsabilidade da empresa privada que agora controla o aeroporto de Florianópolis. Nada de tocar na empresa suíça. Tudo ficará bem... Foi só um “acidente”. 

Nas redes igualmente os temas de interesse da maioria têm pouco espaço. Pode-se ver à exaustão postagens sobre a proposta de um Dia do Batman – claramente uma manipulação para tirar o foco das coisas sérias – mas quase nada sobre a luta das comunidades com relação à saúde, educação, segurança, moradia e outros temas que verdadeiramente importam. 

Não demora muito e começam as tramas da campanha eleitoral, aí voltam a aparecer os temas “quentes”. Muitas promessas serão requentadas como a melhoria do transporte coletivo, a despoluição da Beira Mar (sic), a melhoria na saúde e tudo mais. Serão apenas alguns dias e logo tudo volta à normalidade. Desaparecem os temas de interesse geral e voltam os fragmentos de bobagens e tolices. A população desinformada acreditará no que tiver a melhor campanha publicitária e seguirá navegando nos mares revoltosos da vida dura, pensando que tudo são designíos de deus. 

A cidade se esfacela e nós também. Haverá saída? 

***


segunda-feira, 10 de julho de 2023

A UPA Sul fica ou não?


O prefeito disse hoje na televisão: não há qualquer possibilidade de manter a UPA Sul ao lado do terminal urbano. Segundo ele, não há recursos para realizar as obras de melhoramento e por isso mesmo vai entregar para uma empresa privada, que é administradora do Aeroporto, a tarefa de construir o tal complexo de saúde nas dependências do velho aeroporto, o qual abrigará também a UPA. 

Essa proposta do Topázio faz parte do plano iniciado com Gean de entregar tudo o que é público para a mão privada. Tanto que a própria administração da nova UPA será dada a uma Organização Social – que é nome fantasia de empresa privada. A proposta é ir gradativamente se livrando do compromisso público. Segundo a economista Tamara Siemann, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE-SC), em entrevista ao Sintrasem, a administração municipal gastou de junho de 2022 a junho de 2023, um total de 45 milhões de reais com despesas de terceirização, com um aumento de 28%. E, explica Tamara, cada vez que a prefeitura aumenta o gasto com as empresas privadas, vai diminuindo a margem para investir em pessoal próprio. 

Ora, para a prefeitura é bem melhor. Vendo a cidade como uma empresa isso significa que cada vez haverá menos trabalhador público e muito mais trabalhadores terceirizados cuidando do que é público. Qual é o ponto: trabalhador terceirizado ganha muito menos e não tem as garantias que o trabalhador público tem. É ruim para o trabalhador e é ruim para o usuário. Ou seja, o prefeito não quer nem saber do bem-estar da população. Está mais preocupado em garantir recursos para os parceiros privados. 

A mesma saída foi dada para o Plano Diretor, visto que com as mudanças, quem vai desenhar a cidade é o empresariado. As construtoras decidirão quantos andares colocarão nos prédios e trocarão os excessos por alguma pracinha ou algo do gênero, nos lugares que eles quiserem. Pequenas migalhas em troca da destruição da cidade.

A comunidade do Sul da ilha não quer que a UPA saia de onde está. Ali o ponto é estratégico. Está do lado do terminal e do Corpo de Bombeiros. Para chegar a UPA hoje basta um ônibus. Se for para o Aeroporto a coisa complica. Do jeito que é a mobilidade na cidade, o doente terá de pegar dois ou três ônibus para chegar ao destino. Ah, mas quem se importa né? O povo que pegue um Uber. É o que devem pensar os tais “administradores” da cidade. 

Já faz bastante tempo que o público deixou de ser a medida da ação da prefeitura. Tempo demais. Ainda assim, a comunidade grita. Sábado fez protesto, abraçou a UPA e informou sobre a proposta ladina. E se perguntar para qualquer um que está na UPA esperando atendimento, a resposta certamente será a mesma: a UPA tem de ficar ali mesmo. Mas, ao que parece, o prefeito está mais preocupado com os likes no TikTok e ouvir os usuários nem lhe passa pela cabeça. Afinal, quem disse que na cidade manda é o povo? No geral não é, mas tempos há, em que as gente se levantam e aí é o bicho...

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Mais um crime de Israel





Fotos: do Twitter de Palestina Internacional Broadcast

Israel é um estado criminoso, sistematicamente violando os direitos humanos, matando jovens, prendendo crianças, derrubando casas, expulsando pessoas. Faz isso há décadas sem sofrer qualquer retaliação, pelo contrário: é amigo e parceiro do império, então só recebe benesses e saudações simpáticas. Não há um dia sequer que não se tenha alguma notícia sobre o massacre cotidiano e sistemático ao povo palestino, do qual vem roubando território com violência e terror. Obviamente poucos são os meios que reproduzem esse permanente extermínio e, no geral, quando divulgam algo, tratam de colocar a culpa nos palestinos. Para a mídia comercial eles é que são os terroristas, quando na verdade apenas reagem ao terror. 

Nos últimos dias, temos visto cenas bárbaras do ataque de Israel ao campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia. Já não basta que toda essa gente esteja desterrada, perdida de suas casas, de seus familiares, de sua terra. Há que destruir também a possibilidade de seguir vivendo. São imagens terríveis de corpos nas ruas, famílias correndo sem rumo, casas sendo destruídas e até câmeras de vídeo sendo fuziladas desde tanques. A covardia dos poderosos. 

Já em 2002, durante a segunda intifada palestina, as forças israelenses também promoveram um massacre em Jenin, onde, segundo os sionistas, está sendo criada uma nova geração de “terroristas”. Naquele ano mais de 52 palestinos foram assassinados e grande parte do campo de refugiados foi destruída. Agora as notícias são de que mais de 10 pessoas foram mortas e 100 estão feridas. Mas, o s ataques não param. 

O campo de Jenin foi criado nos anos 1950 justamente para abrigar as famílias que foram expulsas de suas terras em 1948, após a criação do Estado israelita. O que por si só mostra que a “terra sem gente” apregoada pela ONU nunca esteve vazia. Atualmente o campo abriga perto de 18 mil pessoas e é considerado um refúgio para os que são expulsos seguidamente por Israel. Agora, por conta dos ataques milhares delas estão em fuga. Israel realiza ataques aéreos e também terrestres e não está permitindo a entrada de ajuda médica nem humanitária. 

Nem a ONU nem qualquer outro estado condena os atos criminosos de Israel. Os palestinos seguem resistindo da forma como podem. Desde 1948, quando o estado de Israel foi criado de maneira artificial pela ONU, o território palestino vem sendo tomado pela força e os palestinos confinados em campos de concentração em sua própria terra. 

O que acontece naquela região do mundo não é uma guerra. É um genocídio. Mas, se quem o produz é amigo dos Estados Unidos está tudo bem. Nenhum programa especial, nem chamadas emocionadas nos jornais das grandes redes, nem contextualização história para que as gentes continuem desinformadas. Como sempre acontece, quem luta contra o poder do império é chamado de terrorista, quando de fato quem gera e provoca o terror é Israel. 

A Palestina segue em luta e haverá de ser livre!


quarta-feira, 28 de junho de 2023

O estudo e o pai

Estudar e cuidar do pai é sempre uma coisa bem difícil porque se fico concentrada ele cobra atenção. Por outro lado ficamos muito tempo juntos durante a tarde e eu sempre tento encontrar uma forma de dar a atenção que ele exige, mas também aproveitar um pouco. Então decidi estudar como eu fazia antes, quando eu era menina. Naqueles dias a minha vó costumava ficar costurando na sala e eu ia ler os meus livros para ela. Eu lia e explicava para a vó qual era o lance do livro. Eu aprendia ensinando e ela se divertia com minha algaravia. Então, passei a fazer o mesmo. Pego o livro que estou estudando e vou lendo e explicando a parada para o pai. Conseguimos passar um bom tempo assim. Ele me olha com atenção e eu fico falando, colocando ele no centro da conversa. É legal, porque essa técnica de ensinar para aprender sempre funcionou comigo e ele se sente envolvido na situação. É assim que vamos passando as tardes, avançando algumas páginas de leituras fundamentais. Provavelmente ele não entende patavina do que estou falando, mas seu eu pergunto: e aí, sacou? Ele prontamente responde: saquei!



quarta-feira, 14 de junho de 2023

Roberto Carlos Alves, um trabalhador



Trabalhar no serviço público não é bolinho. Além do preconceito expresso na máxima: servidor público é tudo vagabundo, ainda há todo peso da máquina que mais atrapalha do que ajuda o serviço a andar. Por isso, quando encontramos um trabalhador que sabe driblar as dificuldades e faz as coisas aconteceram há que iluminar. Porque, sim, é possível ser um bom trabalhador no serviço público. Roberto Carlos Alves é um exemplo vivo em ação na UFSC. Sua especialidade é resolver as coisas. Nada fica sem resposta e mesmo quando tudo parece impossível, ele encontra uma brecha e aparece com a solução. Ele definitivamente é um exemplo de trabalhador público.

Roberto entrou na UFSC quando tinha 19 anos. Fez concurso para o HU num tempo em que ser um trabalhador público era sinônimo de segurança e bom salário. Naqueles dias, em 1985, os reajustes eram iguais, tanto para professores quanto para trabalhadores. Sua primeira função foi de oficce boy e ele a cumpriu com bastante competência. Logo em seguida surgiu uma vaga para atendente de enfermagem. Como a irmã trabalhava em hospital ela ajudou no treinamento, e foi por conta da prova prática que ele se deu bem. “No dia do resultado, o hall da reitoria cheio de gente, eu fui olhar a lista e vi lá o meu nome em 24º lugar. Eram 30 vagas”. 

No HU Roberto trabalhou no setor de esterilização, na parte do expurgo de materiais sujos. Não gostava muito da coisa, mas, com seu bom humor característico sempre levou na maciota. Pouco tempo depois passou para o centro cirúrgico, lidando com as roupas limpas. Melhorou. Naquela época ele tratou de fazer um curso de datilografia, pois se surgisse alguma vaga de escriturário ele queria pegar. Mais uma vez buscou amparo na ascensão interna e em novo concurso passou para assistente de administração. Foi parar no balcão da clínica médica. Lá conheceu a Delvina, colega que mais tarde foi trabalhar no Gabinete do Reitor. 

E foi justamente a Delvina que o convidou para trabalhar no gabinete. Naquele tempo havia muito trabalho de datilografia e o Roberto era fera na coisa. Podia copiar um documento rapidamente, datilografando sem olhar para as teclas. Também era responsável pela digitação nas máquinas de telex. Era um fenômeno. E foi por conta dessa habilidade que acabou saindo do HU e indo para o gabinete. Mas, os dedos que corriam céleres pelas teclas da máquina também dedilhavam violão e a música era uma paixão na vida de Roberto. Daí que seu sonho era fazer o Curso de Música na Udesc. Dedicado como sempre, ele fez o vestibular e passou. Mas, tinha um problema, o curso era de manhã. A saída foi passar a fazer os plantões da noite. Ele ficava todas as noites e os colegas não precisavam mais fazer plantão. Foi um acordo feliz e assim conseguiu terminar o curso. 

Em 2003 foi convidado pela professora Elisabete Flausino para trabalhar no Departamento de Economia, no CSE. Os tempos já estavam mudando e sua habilidade como datilógrafo começava a migrar para o computador. Mas, ao longo do tempo no gabinete ele também havia secretariado a Estatuinte e aprendido as manhas sobre como administrar as coisas na UFSC. Por isso, em pouco tempo já estava envolvido com o trabalho de manutenção na relação com a Fepese. Foi quando começou uma grande reforma no Centro Socioeconômico e o professor Zapelline não teve dúvidas: chamou o Roberto. E lá foi ele coordenar a obra, resolvendo todos os problemas com a habitual alegria e bom humor. Nunca teve tempo ruim para o Roberto. 

Foi por conta disso que quando o professor Ricardo assumiu o CSE, logo chamou o Roberto para secretariar o Centro. Não haveria melhor pessoa. Para qualquer problema a frase mais ouvida era: fale com o Roberto. Fosse como fosse ele resolveria. E sempre foi assim. Ricardo saiu, entrou Eliseth e depois Irineu como diretor, a torcida de todo mundo era para que Roberto continuasse. E ele continuou, para alegria geral. Sua mesa era sempre um amontoado de papéis, com os mais variados pedidos, e sua sala um espaço de lamentações, as quais ele transformava em alegria, sistematicamente. Ninguém saía dali sem uma resposta. “Fica tranquilo, vamos resolver”, ele dizia, e resolvia.

Ele lembra que apesar de amar o trabalho na UFSC chegou a tentar uma chance na música. Montou um conjunto e estavam até indo bem, sempre com muitos bailes e apresentações. Chegaram a ser a banda base do CTG Figueira Velha. Mas, aí, ele teve um acidente de moto e precisou ficar seis meses em recuperação. A coisa esfriou. Nesse ínterim o tecladista morreu e o gaiteiro não quis mais tocar. Era o fim de “os Travessos”.  Mais tarde houve uma chance de ir para Portugal, mas Roberto se apaixonou e decidiu ficar. Quem ganhou foi a UFSC. 

Agora, aos 57 anos, ele foi nomeado pelo reitor Irineu como Diretor do Departamento de Manutenção Externa e ao andar pela UFSC já se pode notar concretamente a mão do Roberto na organização da vida da UFSC. O campus está bem cuidado, foram retomados os viveiros de flores, os problemas prosaicos vão sendo resolvidos silenciosamente, como é do seu feitio. Roberto é de uma geração de trabalhadores que tem muito claro o seu papel como trabalhador público. Sabe que para a missão da universidade se cumprir, a máquina precisa andar. E ele sabe muito bem como fazer isso acontecer. 

Roberto Carlos Alves é um exemplo de trabalhador público. Sabe fazer e sabe comandar. Sempre com muito riso, muitas histórias e muita competência. Eu o reverencio e o honro.