quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Para o ano...


E eis que vem um ano novo, embora nada de novo venha... Nos tempos antigos, os povos celebravam a cada estação. Havia o tempo de plantar, de colher, de descansar e de amar. Em cada equinócio e solstício se dançava e festejava, cantando com os deuses, sempre muitos...


Então vieram outras crenças, outros modos de vida, veio a dominação da igreja, um deus único, as festas piedosas... As gentes esqueceram da alegria, a simples e doida alegria de se estar vivo.


Neste primeiro de ano eu desejo que todos possam recuperar essa antiga tradição, de se celebrar em cada momento da vida, de se cantar aos deuses, aos tantos deuses que por aí circulam no coração das gentes. Essas nossas divindades inventadas pelo nosso medo e pela angústia de se saber mortal...


No calendário romano é o deus Jano que abre a fieira de deuses, o deus com duas faces, o guardião dos portões. O deus que é sombra e luz, verdade e mentira, amor e ódio, início e fim, um deus dialético, mesclado de tudo o que é humano.


Aqui na nossa Abya Yala celebra-se com Inti, o deus sol, e outros tantos das mais variadas culturas. E aqui, como nos tempos antigos, ainda se baila nos equinócios e solstícios em grandes festas populares. É só uma celebração, uma orgiástica celebração desta vida que temos, para a qual somos chamados a plantar, colher, descansar e amar.


Em 2011 nada vai mudar se não nos pusermos a caminho, porque a estrada se faz assim, ao andar... Então, eu os convido ao borbulhar da champanhe, ao doce da cana, ao perfume do vinho ou ao simples gosto da água pura. Eu os conclamo para o ritualístico momento do primeiro momento dos restos de nossas vidas, neste primeiro de janeiro e em cada amanhecer.


Que venham todas as dádivas e todos os obstáculos... Nós os enfrentaremos com riso, prazer e luta!

Uma rua perdida em Florianópolis


Gosto da minha rua de areia, na qual afundo meus pés. Gosto do cheiro doce de dama da noite que se esparrama quando o dia vai embora. Encantam-me os risos de criança que se fazem ouvir a toda hora. Há sempre algum menino a brincar, jogando bola, empurrando carrinho, saltando de bicicleta. Há sempre uma guriazinha a saltitar, pulando corda, gargalhando, jogando taco. Estão sempre pela rua, em liberdade, com os pés no chão e cabelos ao vento.

Pela rua também circulam, soltos e livres, os cachorros. Vez ou outra algum deles encrespa e ataca, com os dentes arreganhados, mas uma voz de comando os aquieta. São inofensivos. No geral andam por ali sem maiores alardes. Alguns nos seguem até o mercado, como se fossem velhos companheiros. Também passeiam pela areia as galinhas, crias do Luis, e entram pelas casas sem causar qualquer turbação. Todo mundo as respeita e algumas até já têm nome. Duvido que o Luis possa matá-las um dia para comer.

Pelos muros igualmente voejam as grandes corujas, sempre alertas para o caso de algum gato pular e transformá-las em almoço ou jantar. Nos fios de luz posicionam-se os passarinhos, de vários tipos, com seus cantos inebriantes. E pela diversidade de árvores outros tantos oferecem seus trinados nestes dias quentes de verão.

Minha rua tem essa aura de rua de cidade pequena, na qual os vizinhos se conhecem, se cumprimentam com sorrisos, frases de cortesia e pedem arroz ou linha branca. Tem também muitos buracos por onde as bicicletas saltitam, malucas. E, quando chove, formam-se pequenos lagos em alguns pontos, nos quais alguns carros velhos acabam ficando. Quando a noite vem pode-se ficar admirandos os vagalumes e seu bailado, enquanto a gurizada se junta na frente de alguma casa para conversar e dar altas risadas.

A minha rua é assim, ainda não contaminada pelo ideia do progresso. Contam alguns que já vem vindo o calçamento e quando penso nisso, entristeço demais. Com o calçamento lá se vão os jogos de bola e os pés afundados na areia. Tomara que demore... tomara que demore....


segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Música e A Noite

O ouvido, o órgão do medo, pôde desenvolver-se tanto como se desenvolveu apenas na noite e na penumbra de cavernas e bosques sombrios, consoante o modo de viver da época do medo, isto é, a mais longa época da humanidade: no claro, o ouvido não é tão necessário. Daí o caráter da música, uma arte da noite e da penumbra. (Nietzsche)

A propósito....

Entre as coisas que podem levar um pensador ao desespero está o conhecimento de que o ilógico é necessário para o homem e de que do ilógico nasce muito de bom. Ele está tão firmemente implantado nas paixões, na linguagem, na religião e em geral em tudo aquilo que empresta valor à vida, que não se pode extraí-lo sem com isso danificar irremediavelmente essas belas coisas. São somente os homens demasiado ingênuos que podem acreditar que a natureza do homem possa ser transformada em uma natureza puramente lógica; mas se houver graus de aproximação desse alvo, o que não haveria de se perder nesse caminho! Mesmo o homem mais racional precisa outra vez, de tempo em tempo, da natureza, isto é, de sua postura fundamental ilógica diante de todas as coisas.
(Nietzsche)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Mais lutas na Grécia

As cenas da greve na Grécia mostram o nível de descontentamento da população com relação ao governo que se faz de surdo aos desejos de quem o elegeu. Desde que os primeiros sintomas da crise começaram a aparecer, o governo principiou a colocar em prática o mesmo velho receituário de tirar do povo o valor da conta que servirá para pagar aquilo que uma pequena parcela da sociedade usufruiu. Os movimentos de trabalhadores, as paralisações e as greves gerais não são coisas que brotaram do nada, como faz parecer a mídia comercial brasileira, que se limita a mostrar as cenas de “violência” do povo. Toda essa luta é fruto de uma longa batalha das gentes gregas contra o que ficou configurado como uma nova onda de acumulação capitalista.

Muito dos problemas que o país enfrenta hoje é fruto das escolhas equivocadas do governo desde o final dos anos 90, culminando com os fabulosos empréstimos recebidos para a construção de infra-estrutura para as olimpíadas de 2004. O dinheiro rolou, poucos encheram os bolsos, obras faraônicas foram feitas e muito pouco segue sendo aproveitado. O povo grego agora está sendo chamado para pagar a conta, cobrada com juros astronômicos pelos bancos “amigos”. A solução encontrada pelo governo é fazer novos empréstimos, o que elevará ainda mais a dívida, aliado a uma série de cortes unicamente na carne dos trabalhadores.

A gente grega é uma gente valente. As centrais sindicais, a despeito de todos os problemas e diferenças que historicamente têm, seguem se expressando e têm conseguido juntar as gentes nas lutas de rua. São manifestações impressionantes, que levam milhões de pessoas para as grandes passeatas. São como uma força da natureza, sem medo e sem hesitações. As gigantescas caminhadas são formadas por grupos muito bem preparados para os embates. Sabedores da brutal repressão policial, as pessoas já saem de casa com suas máscaras de gás e uns enormes porretes de madeira. Nas passeatas, avançam de braços enganchados, formando uma corrente humana de difícil desmanche. A grande maioria é formada por jovens. Eles sabem que, ou cuidam do futuro, ou estão fritos. Mas também se pode ver os velhos trabalhadores, gente das periferias que não aceitam mais pagar pelos ricos.

As primeiras medidas do chamado “ajuste” do governo começaram ainda em 2009 e em 2010 as coisas foram se aprofundando. O Congresso Nacional votou leis que permitem o arrocho dos trabalhadores, mudou a previdência, fez reforma trabalhista e tudo isso sob protestos das gentes. A cada sessão, a imensa praça Syntagma, em frente ao Parlamento, se enche de gente a dizer “não”. Mas, lá dentro ninguém ouve. Nem lá dentro, nem nos palácios. As leis seguem sendo aprovadas mesmo que toda a Grécia se levante em imensas manifestações. Não é sem razão que o povo seja obrigado a atuar de forma mais incisiva diante desta incapacidade auditiva crônica dos governantes.

Como bem diz Enrique Dussel, a sede do poder não está em quem está no posto de mando. Ela reside no povo organizado que decide sobre as coisas. E o povo grego já decidiu que não quer pagar essa conta. Por isso toda semana eles enchem as ruas com suas impressionantes e organizadas passeatas. Esta semana um ministro foi ferido. A cena correu o mundo como a dizer da “selvageria” do povo. Mas os atos infames destes ministros não são registrados pelas câmeras ávidas de espetáculo.

Eu andei com o povo grego pelas ruas de Atenas, atenta às vozes e aos reclamos. Eu vi o rosto inflamado de uma juventude valente e, no meio da massa de gente, que irrompe pelas avenidas da capital pode-se perceber, em construção, a figura de tantos Alexandros Panagulis, o inesquecível lutador grego que, em 1968, tentou matar o ditador Georgios Papadopoulos. “Eu não queria matar um homem, e sim um tirano”, disse Alekos, depois de ser preso e passar por terríveis torturas. Nascido nas imediações de Atenas, Alekos era um destes meninos inconformados com as injustiças, com a guerra, com a ditadura. Hoje, tal como nos terríveis tempos da ditadura militar na Grécia (de 1967 a 1974), o povo afirma o seu “não” a ouvidos moucos. Mas, tanto naqueles dias como agora, o cerco popular foi apertando e as revoltas devolveram à Grécia ao povo. É nisso que as entidades de trabalhadores apostam. Na capacidade do povo grego de superar todos os entraves e, mesmo sob a mira das armas e da repressão, caminhar na direção da soberania.

O governo socialista da Grécia atual vai nadando contra a corrente popular, cada dia mais afastado dos desejos de sua gente. Aplicou reformas, diminuiu direitos e agora prepara-se para votar o orçamento do ano de 2011, com mais cortes nos serviços públicos e arrocho salarial. Os parlamentares insistem em dizer que isso é necessário, porque se não for assim, a Grécia não recebe o último lote do empréstimo de mais de 100 bilhões de euros. Mas as gentes sabem muito bem o que significam mais dívidas. A conta fica sobre suas mesas. O grito na Grécia, desde 2009 é: Que os ricos paguem! Ninguém do poder parece ouvir, mas chega um dia em que a casa cai...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Só jornalista!


Outro dia, numa dessas atividades acadêmicas fui confrontada com uma situação da qual quase não me lembro, mas que outras pessoas fazem questão de lembrar. Não sou professora. Convidada que fui para dialogar com um aluno sobre seu projeto de mestrado que trata do povo boliviano, lá fui toda serelepe, porque gosto de saber que na academia ainda tem gente que se preocupa em estudar coisas que verdadeiramente interessam, como neste caso, a retomada da identidade do povo aymara e a proposta do Sumac Qamaña (o bem viver).

Então, foi a vez de me apresentarem. Como sempre eu abrevio a apresentação. Elaine Tavares, jornalista. Ao que a professora responsável pela atividade redargüiu, torcendo o nariz: “- só jornalista?” Pois é. Sou isso. Só jornalista. Nem doutora, nem professora, nem coisa nenhuma mais que jornalista. Talvez, para a academia, coisa menor. Mas, para mim, coisa maiúscula. Sou jornalista, destas que pensa o mundo, que narra, que contextualiza, que estuda a história, que busca nexos, que caminha com os empobrecidos, que rastreia a vida das gentes, que opina, que interpreta, que se emociona, que sente raiva, que investiga.

Sou jornalista. E é bom repetir isso. Porque, afinal, esse fazer humano anda tão desgastado. Sou jornalista e me compraz esse comprometimento com a vida mesma, essa coisa sublime que é decodificar os discursos prolixos e compartilhar o conhecimento com as pessoas, doutoras ou não. Encanta-me encontrar alguém na rua que, sabendo da minha condição de jornalista diz: “gostei daquele texto teu. Tão `simplinho´ que eu entendi tudo”. Esse é meu prêmio, minha estatueta de ouro. Quando as palavras que eu faço nascer caminham nas gentes. 

Dentro da universidade parece que não importa muito o que a gente faz, e sim os títulos que temos. Isso às vezes incomoda, mas é só um segundo, porque nos faz lembrar a eterna rixa entre professores e técnicos, que não acaba nunca e que é tão burra. Mas, enfim, para aqueles que realmente importam, que são os estudantes que auscultam a vida real, pessoas como eu ainda têm valor. Não sou professora, nem doutora, e isso não me dói. São as escolhas. Sou jornalista, só jornalista, e isso é muito bom! 

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Meu jesus vem passear


Sou filha do meu tempo e espaço. Nascida numa família cristã, desde pequenina o natal significou presépio, ou seja, a montagem da hora mágica na qual um menino veio ao mundo para anunciar uma boa nova. E, com ele, a promessa de que haveria outra aliança e que nossos pecados todos estariam perdoados. Lá em casa sempre demos prioridade a isso. Nunca ao Papai Noel, brinquedos, compras, etc... A expectativa era a chegada do menino. Eu mesma sempre colocava o sapato na janela, mas a mãe explicava: “os presentes não são coisas, são sentimentos e desejos”. Então, quando o dia amanhecia eu entendia que um gurizinho tinha nascido e, por força da mágica da religião, também havia passado pela janela deixando amor, saúde, alegria e todas essas coisas boas. E recolhia aquele sapato como se fora a coisa mais preciosa do mundo.


Na minha mente de criança eu imaginava não um velhinho montado no trenó, com renas e todas estas coisas da celebração européia. Eu acreditava piamente que havia um menino, bem sapeca, que saracoteava pelo mundo, montado numa grande estrela, levando presentes invisíveis aos olhos. E eu esperava o ano inteiro por esta noite de passeio divino. E o legal era que o fato dele ser um guri tirava toda a pomposidade do sagrado filho. Era como esperar um amigo, coisa íntima.


Depois eu cresci e fui conhecendo outros mitos, outras religiões. Aprendi a dar pago à terra (Pachamama) em agosto, a respeitar o trovão, a folha de coca, as plantas, os animais. Aprendi a reverenciar outras manifestações criadas pelo humano para sustentar suas dores e medos. Porque é disso que se trata quando se fala de deuses. Eles são redes nas quais descansamos de nossos terrores. E, esta construção humana me enche de ternura, porque reconheço aí a fragilidade da nossa raça. Isso me emociona.


Mas, apesar de tudo o que aprendi sobre os outros deuses, o natal ainda me encanta de um jeito muito especial. E, a despeito de todas as impossibilidades, eu espero o menino. Às vezes, nos tumultos familiares ou no barulho da festa, pode parecer que eu o esqueci, mas não. Lá no fundo do meu coração, eu o espero. E o vejo chegar, montado na estrela, rindo um riso de cristal. Também a despeito de tudo, deixo meu sapato na janela e o recolho de manhã com a absoluta certeza de que ali dentro estarão os presentes. Os que verdadeiramente importam.


E assim, nesta natal, como em todos os outros já vividos, meu jesus haverá de vir passear. E eu estarei esperando...


Que ele passe por aí também!...

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Fernando Baéz - um guerreiro contra a destruição cultural


Fernando Báez nasceu em San Felix de Guayana, Venezuela, e desde muito cedo começou a se interessar pela filosofia grega, especialmente Aristóteles. Depois, descobriu Averróis, o filósofo árabe que introduziu Aristóteles na Europa, via Granada. Formou-se em Educação, mas a filosofia continuou correndo rápida pelas veias. Em 1991 escreveu Reflexiones, um livro de ensaios, em 1993 foi a vez de fazer vir à luz os seus poemas no livro Alejado. Em 2000, lançou outro livro sobre o manuscrito bizantino, Tractatus Coislinianus, iniciando seu mergulho no mundo árabe.

Desde aí, Fernando Báez manteve constante interesse na poesia, filosofia árabe, censura antiga e contemporânea, escritura e na conexão do patrimônio cultural com a memória étnica. Em 2002 Báez publicou uma coleção de ensaios sobre a censura, La ortodoxia de los herejes, apresentando seu ponto de vista sobre as tentativas latino-americanas de construir uma teoria coerente sobre a questão da censura no século XX. Escritor fértil seguiu publicando poemas e outros textos sobre Aristóteles.

No ano de 1999, Fernando Báez iniciou o doutorado em Bibliotecologia e logo recebeu o Prêmio “Vintila Horia” por conta do seu ensaio acerca da História da antiga Biblioteca de Alexandria. Seu caminho pela filosofia e pelas bibliotecas consolidou a idéia de estudar a destruição cultural e encerrou seu doutorado com um livro que acabou se tornando um clássico: A história universal da destruição dos livros. Neste trabalho, que foi a sua tese, ele documenta a perda catastrófica de livros durante as guerras, tais como a destruição da biblioteca de Alexandria, queimada em 48 a.C. e as fogueiras acesas pelos nazistas.

Baéz faz da sua vida a busca pela história dos livros e a luta contra a destruição. Talvez porque, quando menino, tenha vivenciado a perda da biblioteca do seu pequeno povoado, San Félix, depois de uma inundação. Essa imagem nunca lhe saiu da cabeça e hoje, entender a destruição cultural e o que leva o poder a queimar os livros virou sua obsessão. Não foi sem razão que ele assumiu a missão de documentar, pela Unesco, a devastação de objetos culturais e religiosos no Iraque, depois da ocupação estadunidense, o que acabou gerando outro livro importantíssimo nesta área: A destruição cultural do Iraque – um testemunho do pós-guerra.

Hoje, Fernando Baéz é reconhecido como um dos mais importantes intelectuais do planeta, tendo seus livros traduzidos em mais de 12 línguas. Generoso, ele partilha diariamente com os amigos, as imagens dos estudos que segue fazendo pelo mundo no que diz respeito aos livros. No seu arquivo de fotos, estão raridades históricas como os cartazes feitos pelos nazistas incentivando a queima de livros.

Jovem e aficcionado pela memória cultural dos povos, Fernando é um intelectual latino-americano que precisa ser cada vez mais conhecido. Sua vitalidade e curiosidade investigativa colocam à nu a necessidade que o poder tem de destruir os livros, porque é deles que brotam as idéias, e as idéias movem mundo.

Veja na página do Iela (http://www.iela.ufsc.br/?page=noticia&id=1601) duas pérolas do arquivo de Baéz. O cartaz dos nazistas para queimar idéias marxistas e a contra propaganda para impedir esse crime.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Dia de festa


Amanhã será o aniversário da minha mãe. Mas ela não está mais. Encantou. Ainda assim, parece que nunca foi embora. Nestes dias em que a ausência pesa mais do que tudo, eu celebro a sua vida. Ouço um disco do Carlos Galhardo, outro da Ângela Maria. Pego seus bordados e arrisco um ponto cruz. Decido iniciar mais um tapete de crochê, que certamente durará um ano para ser completado. Como goiabada com queijo, ensaio um passo de bugio. Vejo velhas fotos e dou muita risada lembrando as coisas engraçadas que ela fazia e dizia.
Feito um inquieto micuim ela estava sempre em ação. Limpava janelas, preparava refeições, arrastava os móveis, buscava teias de aranha, cuidava da horta, adubava suas plantinhas, costurava, bordava, tudo ao mesmo tempo agora. Depois do almoço, ela descansava e todos nós corríamos para a sua cama, e ali ficávamos ao seu lado, lânguidos, ouvindo histórias, dando risada, contando causos. A cama era um porto seguro, um espaço de comunhão.
Hoje, passados tantos anos do seu encantamento, vejo o quanto dela ainda permanece em tudo que somos e fazemos, para o bem e para o mal. Gemada para curar a gripe, chá de boldo para o estômago, mangas nas tardes quentes, café da tarde com bolo, bife à milanesa com purê, pão de casa, pastel com arroz no natal, costelinha de porco comida com a mão. Aos cinqüenta anos me surpreendi outro dia com ela me olhando no espelho. Tão igual. Teimosa e generosa. Valente e melancólica. Doce e guerreira. Leoa e passarinho.
Amanhã, estarei com ela na varanda de casa, sorvendo um chimarrão. E haveremos de conversar longamente sobre as coisas do mundo. A tristeza no Haiti, a violência em Rapa Nui, a eleição da Dilma. E ela balançará a cabeça dizendo: mas que barbaridade. Depois, distraída, vai sorrir seu riso doce e perguntar: e o Internacional, foi campeão? Não mãe, foi o Fluminense! Quê?! Mas que barbaridade. E daremos muita risada...

sábado, 4 de dezembro de 2010

Levanta o povo de Rapa Nui

Liderança rapanui ferida no olho durante desalojo


Há pouco tempo o mundo inteiro acompanhou o semblante sorridente e inofensivo do novo presidente do Chile, Sebastián Piñera, durante o resgate dos mineiros que ficaram presos numa mina na região de Atacama. Mas, com os povos em luta e os trabalhadores chilenos ele não é tão inofensivo assim. Por 80 dias, prisioneiros Mapuche fizeram greve de fome, porque não aceitam estar presos como bandidos, se tudo o que fazem é lutar por sua terra, e o governo os tratou com brutal dureza.

Agora, nos primeiros dias de dezembro foi a vez do povo Rapanui, os que habitam a ilha de Páscoa, a ilha mais distante do continente, a 3.700 quilômetros da costa leste do Chile. Um grupo de 45 soldados fortemente armados irrompeu na comunidade recuperada pelo clã Tuko Tuki, no centro de Hanga Roa, capital da ilha. Esse espaço vem sendo reivindicado pela gente originária desde há muito tempo, sem que haja sensibilidade por parte do governo que atualmente ocupa as terras, com vários prédios públicos. Até mesmo os organismos internacionais de Direitos Humanos já reconheceram a legitimidade da demanda dos Rapanui, mas a violência desencadeada na última semana pela polícia chilena mostra o quanto isso ainda está longe de acabar.

Num único mês, mais de 35 grupos de famílias Rapanui recuperaram seus antigos terrenos que estão em mãos do governo e desde aí abriram uma ferida que aparentemente estava fechada. Justamente por ser um dos pontos mais afastados da terra, a ilha esteve longe da cobiça dos conquistadores por muito tempo. Foi só em 1722 que um navegador neerlandês chegou à ilha, exatamente num dia de Páscoa, daí este ser o nome dado ao lugar, como sempre, desrespeitando seu nome original. Porque a ilha não era um lugar deserto. Lá habitavam os Rapanui que davam ao lugar o nome de Rapa Nui, que significa ilha grande. Em 1774 um capitão inglês aportou no lugar e um século depois a ilha foi ocupada por europeus que introduziram ali a criação do gado ovino. Em 1888 a ilha foi anexada ao Chile e passou a existir como uma enorme fazenda de ovelhas, sendo o seu povo tornado escravo.

Foram muitas as lutas travadas pelo povo Rapanui pela recuperação da sua liberdade e de seu território. Mas, só em 1966 eles foram alçados à condição de cidadãos chilenos. Até então eram ninguém. Só que o povo da grande ilha nunca quis ser chileno, e nunca ninguém lhes perguntou isso. Essa cidadania foi imposta, assim como a escravidão anterior. Na gente Rapanui sempre esteve muito vivo o sentimento de sua identidade e hoje isso renasce com força total.

Desde o mês de julho de 2010 os Rapanui têm tomado prédios e terras que estão na mão do governo. Exigem de volta o que é seu. Querem o direito de dirigir suas próprias vidas, de acordo com os seus costumes. Outros prédios e terrenos ainda em mãos do estado recebem pequenas bandeiras de Rapa Nui como um símbolo de que aquele lugar tem outro dono. Há um clima de tensão no ar. E há um renascer dos movimentos originários que, apesar das diferenças entre os clãs, voltam a se reunir e encaminhar lutas conjuntas. A recuperação do território é a mais importante.

Na última semana o governo decidiu endurecer e realizou, no amanhecer, uma brutal operação de retirada de famílias. As pessoas ainda dormiam quando a polícia chegou, derrubando portas e golpeando todo mundo. Houve reação e muita gente acabou ferida. Fotos mostram senhoras de idade com balaços de borracha no rosto, uma das lideranças teve o olho destroçado, gente sangrando por todo o lado, alguns gravemente atingidos. Depois de toda a cena de brutalidade os soldados ainda se dispuseram a um último gesto de poder: queimaram as bandeiras de Rapa Nui, numa demonstração de desconhecimento das reivindicações e da cultura do povo autóctone. Nitroglicerina pura. As famílias originárias estão em pé de guerra.

A ilha de Rapa Nui é um importante centro turístico que recebe mais de 60 mil turistas por ano, atraídos pelos misteriosos Moais e pelas praias paradisíacas. Agora, está deflagrado um grave conflito entre o povo Rapanui e o Estado Chileno. O que as famílias querem é um diálogo aberto e respeito, muito respeito. Coisa que o ataque do dia 3 de dezembro mostra parecer impossível. A gente da ilha quer negociar, mas está disposta a lutar se preciso for. No caso deste clã que foi desalojado agora em 3 de dezembro, a reivindicação envolve um espaço de 5, 5 hectares no centro da capital. No terreno estão prédios importantes como a sede da prefeitura, o Banco do Estado e outros prédios públicos. O clã da família Hito reivindica um terreno onde está um dos mais importantes hotéis da ilha. Enfim, é uma batalha gigantesca a que está sendo travada agora naquela longínqua terra.

Quem acompanha a movimentação é o jornal Azkintwe, veículo oficial do país Mapuche. Mas, no resto do mundo poucos sabem da luta deste esplêndido povo, esquecido no meio do pacífico.

Com informações de Elias Paillan – Jornal Azkintwe

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Nós e o senhor das moscas

Dias desses vi na televisão um filme que já havia assistido nos anos 90 e quem naqueles dias, já me causara profunda tristeza. Chama-se “O senhor das moscas” e mostra um grupo de crianças perdidas numa ilha, depois da queda de um avião, fugindo da guerra. Na ilha, sozinhos, eles têm de se organizar e aí aparecem todos os estereótipos do humano. O ditador, o herói, os elementos da democracia, o misticismo fundamentalista, a ciência, os covardes, os perdidos, os fracos, o selvagem. A película é inspirada em um livro do mesmo nome escrito na década de 50 que, em tese, tenta mostrar o quanto o ser humano carrega dentro de si o germe da corrupção. E aí não se trata desta corrupção que vemos na TV quando um suborna o outro, mas a corrupção existencial, essa que torna um garoto normal e educado num ser sem qualquer sentimento ou moral: um selvagem, na acepção mais crua da palavra.

O senhor das moscas tenta mostrar que há algo de podre no humano que, cedo ou tarde se manifesta, como já havia ousado propor George Orwell, no Revolução dos Bichos. Mas, ao mesmo tempo também aponta a presença do humano justo, digno, bondoso e capaz de conviver com o diferente. Este, ao longo do filme, em que um deles vai assumindo o controle de todos os garotos pelo medo e pela força, vai ficando sozinho. Até ao ponto de ser caçado por todo o grupo, que comandado pelo chefe, se dispunha a eliminar o menino que ousava instituir uma vida de liberdade e respeito pelo outro, nas suas debilidades e belezas.

É uma experiência dolorosa que só acaba com o quê? Com achegada da força, vinda de fora. O exército libertador.

Por algum motivo esse filme me faz pensar no que acontece no Rio, hoje. Por viver tão longe, não me sinto muito capaz de fazer uma boa análise dos fatos. Há tantas variáveis a considerar. O tráfico, duro e cruel, a ganância imobiliária que quer as terras dos morros, a violência da polícia, a corrupção, a ausência completa do Estado nas áreas de favela, os barões da droga que estão no asfalto, enfim... tanta coisa, e outras mais fora do meu olfato. Mas, de alguma forma vejo cada um daqueles meninos do “senhor das moscas” se expressando no turbilhão de notícias e opiniões sobre as ocupações dos morros cariocas, dentro do grotesco “espetáculo” montado pelas emissoras de televisão.

A ascensão dos chefetes das drogas nas comunidades empobrecidas não é coisa que brota do nada. É fruto de toda a omissão do estado burguês diante das promessas que faz. Não há saúde, não há escola, não há lazer, não há vida. O capitalismo suga todas as forças dos trabalhadores e os joga uns contra outros. O povo se vira como pode, equilibrando-se na corda bamba entre a lei e o tráfico. E, aí, assomam todos os tipos de seres: os bem intencionados, os heróis, os selvagens, os fracos, os bondosos, os medrosos, etc... Mas, como bem analisa o professor Nildo Ouriques, o povo é sábio e só sobrevive porque sabe avaliar a correlação de forças do espaço onde vive. Ninguém quer viver sob o terror dos soldados do tráfico, mas tampouco quer a presença de uma polícia corrupta, racista e violenta. É um fogo cruzado que nunca pára.

Hoje a polícia ocupa o morro e a TV expõe as gentes a celebrar o fim de um tipo de opressão. Mas e amanhã, quando o tempo passar, e as câmeras se voltarem para outro tema? E se a polícia sair? E se o Estado não cumprir de novo com suas promessas? E se voltar o terror do tráfico? E se o Estado não agir no espaço dos chefes graúdos, os que vivem no asfalto? Há uma coisa que se chama sobrevivência. As pessoas querem seguir suas existências, de alguma forma, e de preferência bem. Como viveram até hoje, sem o Estado e sem a polícia? Porque são sábias e vergam tal qual o feixe, ao sabor do vento. Se não fosse assim não estariam vivas.

Mas, e amanhã, quando com as UPPs todos os morros estiverem livres da força do tráfico, se as empresas de turismo quiserem os terrenos onde vivem as gentes para ganhar dinheiro durante as festas das olimpíadas e da copa? Haveremos de ter a mídia aliada ao povo do morro? Haveremos de ver os comentaristas das redes nacionais defendendo as “pobres” famílias das favelas? Não! Não veremos. Será uma outra batalha a ser travada tal qual a do personagem do filme do senhor das moscas. Uma solitária batalha contra o capital, e aí não haverá um exército libertador. Pelos menos não um de fora.

A história dos empobrecidos é uma recorrente história de perdas. Coisa poderosa demais. Os de baixo estão sendo sempre colocados diante de suas derrotas, em todas as grande batalhas que travam por vida digna e farta para todos. A força do poder solapa e arrasa, fazendo com que as pequenas vitórias se desfaçam nas brumas. Isso cria uma atmosfera de profunda impotência. E não deveria ser assim. Se o povo empobrecido decidisse tornar-se quem é, as coisas seriam diferentes. Mas, para isso haveria que se despertar a consciência de classe, sair da emergência, da difícil tarefa de manter-se com a cabeça para fora do lodo mortal da sobrevivência cotidiana no reino do capital. Tanto trabalho a ser feito, tanto suor, quase um trabalho de Hércules.

O Rio de Janeiro é esse campo onde reina “o senhor das moscas”, uma espécie de pedaço do campo geral que é o mundo capitalista. No filme, é a cabeça de um porco que representa o mítico, o poder, a força, o símbolo de algo intangível, inalcançável, a coisa etérea que mantém todos os meninos sob um domínio incapaz de se desfazer. Vejo esse símbolo, agora, na caveira do BOPE. Em volta dela arma-se toda essa “festa” de libertação do morro. Mas o que esperar de uma força que tem a caveira como símbolo? Já bem disse Muniz Sodré num recente artigo sobre os fatos. Esta não é uma luta dos bonzinhos contra os malvados. Há tantos lados e tantas variáveis nestas personagens.

O Brasil vive nestes dias uma espécie de euforia desenvolvimentista. Desde o segundo governo Lula as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) estão se espalhando por vários cantos do país, como um símbolo da melhora da vida. Mas, muitas destas obras são questionáveis, não representam soluções reais para os problemas. Alguns, elas até aprofundam. Ainda assim, incensa-se sem sendo crítico. Agora, com o pré-sal, mais uma onda de “melhoras” deve atingir o país. Dinheiro do petróleo vindo aos borbotões. Para quem? Até onde esta onda alcançará as gentes simples? Receberão migalhas ou participarão do banquete, como convidadas? Garantirão aos milhões de jovens deste país a possibilidade da vida digna? Ou terão eles que enfrentar o “senhor das moscas”, como sempre foi?

Não sei. Tudo está aberto. Os meninos armados que hoje servem ao tráfico – urdido muito além dos morros empobrecidos – precisam de muito mais do que promessas. Precisam ver as coisas boas acontecendo com eles todos os dias, precisam se saber parte de uma sociedade justa e livre, na qual terão a chance de construir em pé de igualdade. Há uma cena no filme “o senhor das moscas” que me parece bem paradigmática das coisas que vivemos como seres humanos. O garoto “rebelde” está sendo caçado pelo grupo, o chefete quer a sua morte. Ele corre pela selva e se depara com um incêndio. Está acuado, sem saída. Então, dois dos garotos, que foram cooptados pelo líder ditador, o vêem sob uma árvore, quase sendo tocado pelo fogo. Eles estacam, atônitos. O chefe grita: “estão vendo algo?” E eles, olhando fixo nos olhos do menino, respondem, depois de um longo silêncio: “não”. É quando o garoto consegue fugir em direção à praia. Por um minuto, o sentimento de solidariedade e o desejo da liberdade se fazem parceiros. É a otimista mensagem do autor que, apesar de destacar o tempo todo a vileza e a capacidade de destruição que existe no humano, mostra que é possível, num átimo, tudo se transformar. E, claro, isso não se dá por magia, mas por uma profunda compreensão sobre o que, afinal, está em jogo.

No filme, os garotos entendem que algo está errado e procuram fazer algo para mudar. E nós, aqui, agora? Haveremos de continuar rendendo cultos ao senhor das moscas?

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A greve que fez Blumenau parar

Por Magali Moser - De Blumenau

O caos que se transformou o trânsito em Blumenau nos últimos dias, com a greve dos trabalhadores das empresas de ônibus, demonstra mais uma vez a necessidade e o papel fundamental do transporte coletivo urbano. O que mais se ouve é como a comunidade está sendo prejudicada com a interrupção no serviço. Mas, quando a população perceber que a greve é necessária e busca beneficiar também os usuários, vamos fortalecer ainda mais o movimento por um transporte melhor e mais barato para o povo.

A passagem de ônibus em Blumenau, hoje no valor de R$ 2,57, é a mais cara do Estado. O último aumento da tarifa foi quase o dobro da inflação de 5,39%. Nos últimos quatro anos, as tarifas aumentaram 48,2%, em média três vezes mais que os aumentos concedidos aos trabalhadores. A categoria reivindica aumento de 9,07%, tíquete refeição de R$ 260,00, equiparação salarial entre os cobradores e o direito a ter cartão ponto para marcar as horas trabalhadas. Não se trata de uma questão corporativista. Os trabalhadores denunciam a precariedade dos ônibus, alguns com até 13 anos de uso. Pela lei, o prazo máximo é de dez anos. A luta pela renovação da frota vai beneficiar diretamente os 130 mil usuários que dependem dos ônibus todos os dias. Isso mostra o compromisso com a classe trabalhadora!

Mais uma prova desse compromisso é que o Sindicato propôs a volta ao trabalho desde que a catraca fosse liberada para todos os usuários. Assim, os trabalhadores colocariam 100% da frota nas ruas, mas todos rodariam com a catraca livre. Esta seria uma forma da categoria reivindicar seus direitos e combater o principal argumento contra a greve que é prejuízo à população. Mas o comando das empresas, como era de se esperar, já rechaçou a proposta.

Ações patronais tentam fazer com que o Sindicato dos Empregados das Empresas Permissionárias do Transporte Coletivo Urbano de Blumenau e Gaspar (Sindetranscol) pague uma multa diária de R$ 20 mil se o transporte permanecer completamente paralisado, segundo determinação da juíza da 4ª Vara do Trabalho de Blumenau, Andréa Pasold. A greve é um direito do trabalhador, garantido na Constituição Federal e um recurso legítimo a que o sindicato recorre diante da intransigência dos patrões.

A disputa pelo desenvolvimento


O Instituto de Estudos Latino-Americanos realiza nestes dias 02 e 03 de dezembro um Seminário para discutir um tema que está presente na conjuntura com força total. É a idéia de desenvolvimento. Desde o início do governo de Luis Inácio, e continuando agora com Dilma, as propostas desenvolvimentistas voltaram à baila. Entender esse conceito e desvendar todos os seus matizes é fundamental para se pensar o país e a política atual.

Nesse sentido, o IELA, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), promove na UFSC uma discussão que envolve a temática do desenvolvimento e a recuperação histórica de importantes lutas dos trabalhadores brasileiros. As conferências e lançamentos de livros acontecem no Auditório do Centro Sócio-Econômico, sempre às 18h30min. Veja a programação:

A Disputa pelo Desenvolvimento

Dia 02/12/2010, às 18h30m:
POLOP e a crítica ao desenvolvimentismo

Local: Auditório do CSE.
Palestrante: Ceici Kameyama, do Centro de Estudos Victor Meyer.

Lançamento dos livros
Sobre o Fascismo, de August Talheimer;
Curso Básico da ORM – PO (Organização Revolucionária Marxista Política Operária)
POLOP: Uma trajetória de luta pela organização independente da classe operária no Brasil

Dia 03/12/2010, às 18h30m:
Os anos Lula (2003 - 2010)

Local: Auditório do CSE,
Palestrante: Paulo Passarinho, do CORECON – RJ e do Programa Faixa Livre, da rádio Band.

Lançamento do livro
Os Anos Lula: Contribuições para um balanço crítico (2003 – 2010)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Jornalismo desonesto

Vale a pena ler o texto do jornalista Gustavo Barreto, publicado no Consciência Net. Uma visão certeira do jornalismo e o caso da violência no Rio de Janeiro.




terça-feira, 23 de novembro de 2010

Importante esclarecimento

Vice-presidente da Casa da Criança ligou para informar que o agressor da noite de violência na UFSC não é mais professor da ONG, que realiza importante trabalho com crianças de comunidades empobrecidas. Ele ali cumpriu tarefas no ano de 2006 como professor de educação física e, segundo o vice-presidente, fez um belo trabalho com as crianças. Pena que tenha protagonizado as tristes cenas no campus. De qualquer forma, a Casa da Criança está atenta e sente-se entristecida de se ver envolvida neste episódio. As informações trazidas por este blog foram fornecidas pelos estudantes envolvidos que pegaram os nomes no boletim de ocorrência.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Quem é teu advogado?


A impunidade no Brasil para aqueles que têm dinheiro e podem pagar bons advogados está tornando a violência gratuita uma coisa bastante comum entre os jovens da classe média alta. Os casos de avolumam e os resultados práticos só fortalecem a idéia de que eles podem fazer tudo, que nada de mal vai lhes acontecer. Entediados com suas vidinhas boas, esses garotos saem por aí dando “porrada” em qualquer um que lhes apareça na frente. Na última semana foi bastante falada a agressão de um grupo de jovens contra homossexuais em São Paulo. Tudo violência bárbara, gratuita, ao melhor estilo “laranja mecânica”. Em Florianópolis já tivemos o caso do garoto menor de idade, filho de gente rica, que estuprou uma menina com requintes de crueldade e saiu livrinho da silva, pagando pena comunitária, que ninguém sabe exatamente qual é. Ou seja: impune.

Outro dia, duas garotas foram agredidas de maneira selvagem por um jovem estudante de medicina numa casa noturna da cidade, a Vecchio Giorgio, na Lagoa da Conceição. Uma delas teve a testa afundada por um soco. O cara só foi parar na polícia porque um policial civil estava no bar e impediu que o dono da casa livrasse a cara do agressor. Ainda assim, não foi lavrado flagrante e o cara foi liberado. Nunca vai prestar contas deste ato.

E, na semana passada, dentro do Campus da Universidade Federal, dois estudantes e um professor - Vinicius de Mendonça (odonto), Luiz Felipe Prazeres (professor) e Daniel Bernardo de Souza Alves - bateram covardemente num garoto que vinha tranquilamente de bicicleta para uma comemoração depois da vitória no DCE. Eles só foram pegos porque, vistos pelos companheiros do garoto, tentaram fugir num carro e foram apedrejados. Então, os agressores também foram para o hospital onde já estava o garoto agredido. Os amigos reconheceram os dois e chamaram a polícia. Um deles é aluno da Odontologia. Outro disse atuar numa entidade como educador, o que parece ainda mais paradoxal. O que ensinará este jovem?

Para os agredidos fica uma perplexidade. As pessoas andam por aí batendo nas pessoas, cometendo atos de selvageria e nada acontece. Basta que apareça um bom advogado e lá estão eles fora da prisão, coisa que não acontece com os pobres, negros ou os identificados como “marginais” simplesmente por sua aparência.

Então, a gente vê na televisão os psicólogos, antropólogos e outros tantos estudiosos da violência falando sobre o que acontece com essa gente saciada que agora decidiu praticar seus atos de violência às claras, sem medo de nada. Porque é obvio que essas violências sempre aconteceram em todas as classes sociais, apenas que até pouco tempo os chamados “bem-nascidos” não andavam por aí à luz do dia batendo na cara das pessoas com lâmpadas. Agora eles fazem isso sem pudor. Mas, já se parou para pensar no que está para além das aparências? Será isso apenas uma patologia passageira e passível de cura?

Defendo a tese de que não, não é passageiro e não é uma doença do sistema. É, ao contrário, a natureza do sistema capitalista se explicitando, mostrando mais uma face de violência e exploração contra os sem poder. Essa agressão se dá no momento em que um capitalista suga a mais-valia de um trabalhador, quando a acumulação de riqueza faz com que um tenha muito e a maioria não tenha condições nem de reproduzir a sua vida. Essa violência aparece nas regras de produção que matam e adoecem milhões de pessoas todos os dias nas grandes fábricas e indústrias. E chega ao ápice quando sai do círculo produtivo e passa para a vida fora do trabalho. Como é o caso dos garotos riquinhos que queimam índios, que batem em mulheres negras e pobres porque julgaram ser uma “prostituta”. Ou seja, essa classe de gente nasce e cresce dentro de um ambiente em que se configura coisa normal explorar e violentar as gentes, ainda que seja na lógica produtiva do capital. Então, fazer isso no dia-a-dia não deve lhes parecer errado.

Tem um filme de terror muito conhecido que se chama “O Albergue”, e mostra como os ricos pagam fortunas para irem até uma cidade perdida de algum lugar no leste europeu (é óbvio) praticar um esporte radical: matar pessoas com requintes de crueldade. Um esporte, uma brincadeira, um passatempo divertido. É a metáfora perfeita destes tempos da fase tardia do capitalismo. Aos ricos, tudo! Mesmo no tal do estado de direito. Afinal, têm os advogados e dinheiro...

domingo, 21 de novembro de 2010

Do fundo do baú!!!

Do inesquecível Orlando Silva.. Sertaneja.. uma das belezas do nosso cancioneiro!!! Saudade destas vozes e destas letras de puro lirismo....


sábado, 20 de novembro de 2010

Sou negro


O cinema já imortalizou esta cena. Zumbi dos Palmares, resistindo até o último momento, no alto da Serra da Barriga, comandando mais de 50 mil almas, preferindo a morte digna que a rendição. Não sem razão que esta passou a ser a principal figura do panteão de heróis do povo negro. E haveria de ter muitos e tantos, sem nome ou rosto, que enfrentaram a escravidão nestas terras tropicais, trazidos, como bichos, nos navios negreiros ingleses, sustentando a economia daquele país que viria a ser um império.

Pois foi com os braços de homens e mulheres negros que os lordes garantiram a revolução industrial e a consolidação do sistema capitalista. Só o braço escravo, já bem contou Eric Williams, daria conta da colonização baseada na monocultura extensiva. Mas essa gente valente, que foi sequestrada de suas terras, nunca se rendeu. A liberdade era seu horizonte e tão logo escapavam das correntes criavam quilombos, comunidades livres, solidárias, auto-gestionadas. A maior delas: Palmares. E é em honra a esse povo, com Zubi à frente, que no dia 20 de novembro, se celebra o Dia da Consciência Negra.

A data não é uma lembrança ritual de um tempo que já passou. Ela é a ferida aberta de uma sociedade que segue vivenciando os pressupostos do tempo da escravidão, mergulhada no racismo e na discriminação. Basta ver o que aconteceu agora, no período eleitoral, com as manifestações raivosas contra os nordestinos. Por isso que é preciso lembrar, e lembrar, e lembrar o que resultou de todo o processo escravista nestas terras brasilis.

Desde quando os portugueses decidiram apostar na mão-de-obra escrava aqui, nas novas terras, foi necessário consolidar uma ideologia que respaldasse o absurdo. Era mais do que óbvio que a elite colonial não haveria de espalhar aos quatro cantos que esta era uma medida “econômica” necessária para garantir seus lucros. O melhor foi então criar a idéia de que os negros eram de uma raça inferior, tal qual os índios, gente de segunda classe aos quais não faria diferença ser escravizado. Ou melhor. Era natural que o fossem. E então foi só repetir, e repetir, e repetir. A coisa pegou. E tanto, que passados 300 anos de escravidão, até mesmo os escravos – pessoas das gerações que se seguiram e que nunca haviam conhecido a liberdade – acreditaram nisso.

Depois, com o fim do regime escravista, uma vez que já estava garantida acumulação do capital das famílias coloniais, a ideologia seguiu fazendo seus estragos. Os negros libertos ficaram ao léu. Não havia política para inclusão de toda uma multidão de gente que, de repente, se via livre. Muitos, já velhos, não tinham como vender a sua força de trabalho e perambulavam pelas ruas, a mendigar. Ao que o sistema acrescentou novos adjetivos: preguiçosos, vagabundos, marginais. Nas grandes cidades eles foram se encravando nos morros, buscando um canto para morar, já que o Estado lhes abandonava.

E então, como não havia como eliminar a presença do negro na vida nacional, uma vez que aqui eram milhões, a elite decidiu que era preciso “embranquecer” o país, já que, conforme sustentavam os ideólogos de plantão, a raça negra haveria de constituir sempre um dos fatores da inferioridade do país. Ou seja, depois de terem usado do braço negro para forjar suas riquezas, a elite os considera causa da desgraça nacional. Cínismo pouco é bobagem.

Desde então, sociólogos, antropólogos e cientistas sociais se debruçam sobre aquilo que chamaram e ainda chamam de “problema do negro”, buscando refletir os elementos do racismo e do preconceito. Diante desta diferenciada forma de capitulação ideológica, o sociólogo Guerreiro Ramos vai apontar sua metralhadora verbal. “Por que o negro é um problema? O que o faz ser um problema? Uma condição humana só é elevada a condição de problema quando não se coaduna com um ideal, um valor, uma norma. Se se rotula `problema´ao negro é porque ele é anormal. O que torna problemática a situação do negro é que ele tem a pele escura. Essa parece ser a anormalidade a sanar”. Ramos lembra que foi a superioridade européia no processo de colonização que criou estas manifestações - as quais chama de “patológicas” – de que o padrão estético dito normal e bonito só pode ser o branco. “ É uma tremenda alienação que não leva em conta a realidade local. Nossa país é um país de negros”.

Guerreiro Ramos argumenta que enquanto os estudiosos brasileiros não se libertarem da visão eurocêntrica da qual são cativos, muito pouco se poderá dizer sobre o racismo e a discriminação do negro no país. Os autores mais incensados, como Gilberto Freire e Nina Rodrigues, por exemplo, viam o negro como o exótico, o problemático, o não-Brasil. Euclides da Cunha acreditava que a fusão das raças era prejudicial e que o mestiço era um decaído, embora pudesse transcender e ser salvo pela civilização. Era uma espécie de tese de “embranquecimento” pela inclusão na vida nacional. Oliveira Viana chegou a dizer que a inferioridade seria passageira porque a tendência seria, pela mestiçagem, embranquecer.

Na tese defendida por Guerreiro Ramos a saída é a afirmação cotidiana da condição de negro, “niger sum”, pelo seu significado dialético numa sociedade em que todos parecem querer ser brancos por força da ideologia. “Sou negro, identifico como meu o corpo em que está o meu eu e considero minha condição ética como um dos suportes do meu orgulho pessoal”. Ele também defendeu, durante toda a vida, de que era necessário tirar do próprio negro a idéia de que havia um “problema do negro”. “O negro no Brasil é povo, o negro não é um componente estranho da nossa demografia”.

Hoje, o movimento negro atuante no Brasil tem trabalhado bastante essa tese, de afirmação cotidiana, mas não é fácil desfazer séculos de ideologia. Além do que é também possível encontrar entre algunas ONGs a idéia de que para o negro valem as políticas pobres como aquelas que, com dinheiro de fundações estrangeiras - como Ford, a Kellogs e outras que são inclusive responsáveis pela condição econômica de periferia de nossa gente - promovem cursos de cabelereira para mulheres negras e de garção para homens negros, como se a eles só pudessem ser garantidas estas profissões.

As cotas nas universidades avançaram em muito a dialetização da questão racial no Brasil, tanto que o racismo vivo e fulgurante se manifestou de várias maneiras, inclusive com estudantes brancos entrando na Justiça contra elas, como se as cotas já não fossem uma realidade nas universidades. Só que as cotas que existiam até então eram para os estudantes com cursinho particular, os nascido em berço explêndido e estes não admitiam “repartir” a vida universitária com estes que muitos ainda consideram “inferiores”, justificando a cristalização da ideologia implantada nos tempos coloniais.

Também o sistema capitalista é pródigo em cooptar as idéias e bandeiras do movimento negro, transformando em produto a idéia de afirmação racial, como se pode notar nas revistas especializadas que acabam dando destaque ao negro, mas sempre dentro dos padrões capitalistas, de consumo e de estética.

Por isso a lembrança de Zumbi é tão desconfortável, e não foi sem razão que, em Florianópolis, tenha sido recusada pela Câmara de Vereadores a proposta de um feriado no Dia da Consciência Negra. Porque quando se fala de Zumbi dos Palmares, se fala de outro modo de organizar a vida, auto-gestionada, cooperativa, solidária, comunitária, outros padrões de beleza e de relação com as coisas. Quando se fala em Zumbia se fala de luta aguerrida, armada, rebelde. Porque na sua história de líder de Palmares, Zumbi recusou a rendição, a composição de classe, a capitulação. Ele foi até o fim na proposição /niger sum/ (sou negro), e para a elite branca e racista isso pode se configurar num “mau explemplo”. Melhor encobrir ou ainda, tornar um produto.

De qualquer forma aí está o Dia da Consciência Negra nos interpelando, fazendo pensar que ainda há muito caminho a percorrer na destruição da ideologia racista inoculada desde os tempos coloniais.

Que viva Zumbi e que viva a idéia poderosa da afirmação de Guerreiro Ramos: Sou negro, sou povo brasileiro!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Zumbi vive


Foi assim, andando sem rumo pelo centro da cidade, eu vi Zumbi. Estava em frente ao McDonalds da Deodoro, encostado na parede, olhando fixo para outros adolescentes como ele, que se empanturravam de Big Mac. Era um guri de uns 17 anos, com um tênis que parecia maior que o pé, magro, calça jeans caída deixando aparecer um fio da cueca e o abdômen bem torneado. O rosto luzia como o de um deus. Impassível, com um pé na parede, ele observava. Não havia ódio, nem raiva no rosto de barba rala, a qual cofiava, pensativo. Talvez um enfado. Nas mesinhas, a gordurosa comida se misturava aos risos dos “bem nascidos”. E ele ali, Zumbi, olhando, soberbo.

Então, como pressentindo que algo muito esperado vinha, ele enfim desviou o olhar do grupo ruidoso. E pela direita surgiu a princesa, Dandara, eu presumo. Gigante, luzidia, caminhava como se estivesse nas nuvens, apesar do salto 10. Poderosa, impressionante, num vestido amarelo ouro que lhe realçava as formas de bronze. Os brincos enormes balançavam brilhantes e ela abriu um sorriso de pérola quando viu o garoto, agora com o rosto suavizado pela visão do paraíso. Na mesa do McDonalds, todo mundo parou para vê-la chegar, era por demais luminosa.

Ela chegou e lhe sussurrou algo. Ele riu largo e olhou para as mesinhas. Ela jogou a cabeça para trás e estufou o peito como a dizer, “vamo-nos”. E saíram pela rua, de mãos dadas, vez ou outra olhando um nos olhos do outro. Ela lhe afagou o cabelo, ele maneou a cabeça, ela lhe tocou a boca com a orelha, ele assentiu. Então, pararam em frente ao carrinho de água de coco. Ela sorveu com gosto a água amarguinha. Ele acompanhou. Ela olhou com mofa para o McDonalds, ele abriu outra fieira de pérolas. E dividiram o coco, um e outro, lambendo o mesmo canudo. Zumbi e Dandara, dois negros de hoje, defendendo suas barricadas. Cá fora assomam os exércitos, os Domingos Velho, a cultura do consumo e da colonização mental. E eles ali, na água de coco, resistindo e rindo-se dos burgueses, como reis do quilombo.

Encheram-me de ternura aqueles dois, e me fizeram ver que a resistência negra aí está, todos os dias, na rua, na cidade, abrindo veredas, a despeito do racismo e do preconceito. E se foram eles pelo mercado afora, deixando um rastro de beleza na rua e em mim.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Tomando o céu por assalto - El Salvador e a luta da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional


El Salvador é um país da América Central com apenas 21.040,79 km. Faz limite com Honduras, Guatemala e Oceano Pacífico. Seu pequeno território inclui ainda nove ilhas e o golfo de Fonseca, abrigando pouco mais de seis milhões de almas. O que é hoje um país dependente, antes da chegada dos espanhóis abrigava duas importantes civilizações: os pipiles, que tinham seu centro em Cuzcatlán e os maias, na parte ocidental. Estes dois povos tinham uma cultura bastante avançada, conheciam a astronomia, a arquitetura e a escrita baseada em desenhos.

Os espanhóis apareceram por aquelas terras no ano de 1524, comandados por Pedro Alvarado que venceu os pipiles e fundou a cidade de San Salvador, para apagar da memória a linda Cuzcatlán. Desde então, o processo de extermínio das comunidades autóctones seguiu como em toda a América Latina, e instalou-se a colônia. Ainda assim, a cidade fundada por Alvarado teve um protagonismo importante na luta pela independência da região. Quando por todo o continente clamavam as vozes de libertação, em 1811, um padre de nome José Matias Delgado levantou o povo em armas. Foi derrotado mas plantou uma semente que nunca mais haveria de deixar de germinar.

Tanto que quando a Guatemala se fez livre em 1821 e anexou El Salvador ao seu território, os movimentos por liberdade não cessaram. Durante muitos anos a região fez parte das Províncias Unidas da América Central (com Guatemala, Honduras, Nicarágua e Costa Rica). Mas, em 1841, finalmente El Salvador tornou-se república independente.

Esta condição não foi coisa fácil e por 40 anos o país viveu inúmeros conflitos entre as forças conservadoras e liberais. Foi só no início do século XX que os conservadores venceram a queda de braço e governaram o país por décadas, sempre escolhendo seus sucessores sem se importar em consultar a população. El Salvador era como uma grande fazenda, na qual as gentes eram apenas um detalhe. Ditadores eram coisa comum no país.

Mas esta face da opressão e violência contrastava com o desejo de liberdade que seguia vivo na população e eram as revoltas populares que faziam avançar direitos no país. Apesar da mão firme dos dirigentes militares, o povo se insurgia vez ou outra e o Partido Comunista era uma das poucas instituições a travar a luta por democracia e autoderminação.

Nos anos 60, quando toda a América Latina caiu sob as ditaduras militares, El Salvador já era “useira e vezeira” desta prática. Ainda assim, naqueles anos os partidos de esquerda foram colocados na ilegalidade. Mais de 300 mil pessoas sairam do país, fugindo da miséria e da opressão. Quando os anos 70 chegaram, a luta interna exigia medidas mais radicais e é aí que nascem as Forças Populares de Libertação “Farabundo Martí”, o Partido da Revolução Salvadorenha, que ficou conhecido como o Exército Revolucionário do Povo, a Resistência Nacional e o Partido Revolucionário dos Trabalhadores Centroamericanos. O país vivia uma efervescência popular que ficou ainda mais forte com o triunfo da revolução sandinista, na vizinha Nicarágua, em 1975. Vários focos guerrilheiros floresciam no país.

A experiência nicaraguense levou a um processo de unificação da esquerda que constitui a Coordenadora Político Militar, juntando várias instituições. No campo político nasce, nos anos 80, a Frente Democrática Salvadorenha, disposta a jogar no campo eleitoral, dentro das regras da democracia liberal. Mas, essa experiência não dura mais do que 17 dias e as entidades percebem a necessidade de se preparar a investida armada conjunta, por isso também é criada a Frente Democrática Revolucionária. A luta se acirra em todo o país contra o governo de corte autoritário e direitista. Em março de 1980, nem mesmo o bipo da igreja católica Dom Oscar Romero é poupado. Por ajudar os pobres e defender os guerrilheiros era muito mal visto pelo poder, o que levou ao seu assassinato, em plena missa, quando rezava junto com seus fiéis.

A morte de Romero acelerou a junção da esquerda, que atuava em focos separados. Assim, no dia 10 de outubro de 1980, a união de três grandes entidades de esquerda dá vida à Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional com o seguinte manifesto: haverá somente uma direção, um só plano militar, um só comando e uma só linha política. Diante disso, os Estados Unidos passou a ajudar o governo salvadorenho, pois havia que derrubar qualquer outra tentativa de libertação na América Central. Começa então uma guerra sem quartel. O governo é cada vez mais duro, usando todas as armas do terror contra a população camponesa. As gentes resistem em frentes de luta organizada.

A guerra civil em El Salvador durou longos 10 anos, ceifou mais de 75 mil vidas, e as forças revolucionárias não lograram vencer. A ajuda militar estadunidense que fincou pé na região para destruir os sandinistas, acabou por atuar também no país, levando a FMLN a assinar um acordo de paz em 1991, sob a mediação da ONU e hoje a Frente é partido político integrado á vida institucional salvadorenha.

Mas é na década de luta guerrilheira da brava gente salvadorenha que nasce a Rádio Venceremos, inspirada na histórica Rádio Rebelde criada por Che Guevara na Cuba revolucionária. Esta emissora, transmitindo nas condições mais adversas, no meio da mata, conseguiu ao longo de todo o processo revolucionário ser uma referência de luta e organização do povo alçado em rebelião. Hoje, a memória daqueles dias de bravura e esperança está registrada no Museu da Palavra e da Imagem. Um dos fundadores da rádio, o venezuelano radicado em El Salvador, Carlos Henríquez Consalvi, que hoje comanda o museu, conseguiu recuperar um vídeo que conta como atuavam os comunicadores populares durante a marcha pela liberdade.

O documentário emociona ao mostrar homens e mulheres na valente tarefa de difundiar informações desde a selva, sem qualquer possibilidade técnica, apenas com a férrea vontade de mudar o mundo. As caras de alegria de cada um dos que ali protagonizaram a história do povo salvadorenho são e uma ternura abissal. E mostram como é possível fazer comunicação quando o que está na frente é um sonho possível de vida digna e riquezas repartidas. Tomando o céu por assalto, estas gentes salvadorenhas nos ensinam o caminho. Vale a pena ver.

http://www.tal.tv/es/webtv/video.asp?house=P001483&video=10-ANOS-TOMANDO-EL-CIELO-POR-ASALTO

domingo, 14 de novembro de 2010

Puxada de Cavalo

Cerca de 15 pessoas mantém uma vigília na entrada de Ribeirão Souto, em Pomerode , Santa Catarina, em protesto contra a chamada "puxada de cavalo". Nesta "brincadeira", a comunidade obriga os cavalos a puxarem mais de duas toneladas, num longo e doloroso processo de tortura. No ano passado várias pessoas foram agredidas e este ano os manifestantes contam com a proteção da polícia militar.
Neste momento, as pessoas estão cerca de dois quilômetros do local onde acontece a "puxada". O pessoal da comunidade está armado com ovos podres e bosta de cavalo para jogar em quem se aproximar com o que eles chamam de discurso de "ecochato". Segundo os manifestantes a tortura aos cavalos nem pode ser chamada de "tradição" pois faz apenas pouco mais de uma década que a "brincadeira" acontece. Ainda há muita estrada para trilhar na defesa dos animais.
Nietzsche, no final da vida, teve um momento de profunda tristeza quando viu um cavalo ser espancado pelo seu dono. Agarrou-se ao animal e chorou por muito tempo, impotente diante do arbítrio. Hoje, já é possível fazer mais do que chorar. Os animais estão aí para serem cuidados pelos humanos. Basta de tortura!
Lá em Pomerode, poucas mas comprometidas pessoas, fazem a sua parte.

sábado, 13 de novembro de 2010

Dois anjinhos...

Duas lindas moradoras novas: Anita e Manuelita. Quem pode aguentar essas carinhas???



sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Liberdade de expressão: uma armadilha para pegar quem?


O velho Marx já ensinou a muitos anos sobre o que é a ideologia. É o encobrimento da verdade. Assim, tudo aquilo que esconde, vela, obscurece, tapa, encobre, engana, é ideologia. É dentro deste espectro que podemos colocar o debate que se faz hoje no Brasil, na Venezuela, no Equador e na Bolívia sobre o binômio “liberdade de expressão X censura”. Para discutir esse tema é preciso antes de mais nada observar de onde partem os gritos de “censura, censura”, porque na sociedade capitalista toda e qualquer questão precisa ser analisada sob o aspecto de classe. A tal da “democracia”, tão bendita por toda a gente, precisa ela mesma de um adjetivo, como bem já ensinou Lênin. “Democracia para quem? Para que classe?”.

Na Venezuela a questão da liberdade de expressão entrou com mais força no imaginário das gentes quando o governo decidiu cassar a outorga de uma emissora de televisão, a RCTV, por esta se negar terminantemente a cumprir a lei, discutida e votada democraticamente pela população e pela Assembléia Nacional. “Censura, cerceamento da liberdade de expressão” foram os conceitos usados pelos donos da emissora para “denunciar” a ação governamental. Os empresários eram entrevistados pela CNN e suas emissoras amigas, de toda América Latina, iam reproduzindo a fala dos poderosos donos da RCTV. Transformados em vítimas da censura, eles foram inclusive convidados para palestras e outros quetais aqui nas terras tupiniquins.

Lá na Venezuela os organismos de classe dos jornalistas, totalmente submetidos à razão empresarial, também gritavam “censura, censura” e faziam coro com as entidades de donos de empresas de comunicação internacionais sobre o “absurdo” de haver um governo que fazia cumprir a lei. Claro que pouquíssimos jornais e jornalistas conseguiram passar a informação correta sobre o caso, explicando a lei, e mostrando que os que se faziam de vítima, na verdade eram os que burlavam as regras e não respeitavam a vontade popular e política. Ou seja, os arautos da “democracia liberal” não queriam respeitar as instituições da sua democracia. O que significa que quando a democracia que eles desenham se volta contra eles, já não é mais democracia. Aí é ditadura e cerceamento da liberdade de expressão.

No Brasil, a questão da censura voltou à baila agora com o debate sobre os Conselhos de Comunicação. Mesma coisa. A “democracia liberal” consente que existam conselhos de saúde, de educação, de segurança, etc... Mas, de comunicação não pode. Por quê? Porque cerceia a liberdade de expressão. Cabe perguntar. De quem? Os grandes meios de comunicação comercial no Brasil praticam a censura, todos os dias, sistematicamente. Eles escondem os fatos relacionados a movimentos sociais, lutas populares, povos indígenas, enfim, as maiorias exploradas. Estas só aparecem nas páginas dos jornais ou na TV na seção de polícia ou quando são vítimas de alguma tragédia. No demais são esquecidas, escondidas, impedidas de dizerem a sua palavra criadora. E quando a sociedade organizada quer discutir sobre o que sai na TV, que é uma concessão pública, aí essa atitude “absurda” vira um grande risco de censura e de acabar com a liberdade de expressão. Bueno, ao povo que não consegue se informar pelos meios, porque estes censuram as visões diferentes das suas, basta observar quem está falando, quem é contra os conselhos. De que classe eles são. Do grupo dos dominantes, ou dos dominados?

Agora, na Bolívia, ocorre a mesma coisa com relação à recém aprovada lei anti-racista. Basta uma olhada rápida nos grandes jornais de La Paz e lá está a elite branca a gritar: “censura, censura”. A Sociedade Interamericana de Imprensa, que representa os empresários, fala em cerceamento da liberdade de expressão. Os grêmios de jornalistas, também alinhados com os patrões falam a mesma coisa, assim como as entidades que representam o poder branco, colonial e racista. Estes mesmos atores sociais que ao longo de 500 anos censuraram a voz e a realidade indígena e negra nos seus veículos de comunicação, agora vem falar de censura. E clamam contra suas próprias instituições. A lei anti-racista prevê que os meios de comunicação que incentivarem pensamentos e ações racistas poderão ser multados ou fechados. Onde está o “absurdo” aí? Qual é o cerceamento da liberdade de expressão se a própria idéia de liberdade, tão cara aos liberais, se remete à máxima: “a minha liberdade vai até onde começa a do outro”? Então, como podem achar que é cerceamento da liberdade de expressão usar do famoso “contrato social” que garante respeito às diferenças?

Ora, toda essa gritaria dos grandes empresários da comunicação e seus capachos nada mais é do que o profundo medo que todos têm da opinião pública esclarecida. Eles querem o direito de continuar a vomitar ideologia nos seus veículos, escondendo a voz das maiorias, obscurecendo a realidade, tapando a verdade. Eles querem ter o exclusivo direito de decidir quem aparece na televisão e qual o discurso é válido. Eles querem manter intacto seu poder escravista, racista e colonial que continua se expressando como se não tivessem passado 500 anos e a democracia avançado nas suas adjetivações. Hoje, na América Latina, já não há apenas a democracia liberal, há a democracia participativa, protagônica, o nacionalismo popular. As coisas estão mudando e as elites necrosadas se recusam a ver.

O racismo é construção de quem domina

Discursos como esses, das elites latino-americanas e seus capachos, podem muito bem ser explicados pela história. Os componentes de racismo, discriminação e medo da opinião pública esclarecida têm suas raízes na dominação de classe. Para pensar essa nossa América Latina um bom trabalho é o do escritor Eric Williams, nascido e criado na ilha caribenha de Trinidad Tobago, epicentro da escravidão desde a invasão destas terras orientais pelos europeus. No seu livro Capitalismo e Escravidão, ele mostra claramente que o processo de escravidão não esteve restrito apenas ao negro. Tão logo os europeus chegaram ao que chamaram de Índias Orientais, os primeiros braços que trataram de escravizar foram os dos índios.

Os europeus buscavam as Índias e encontraram uma terra nova. Não entendiam a língua, não queriam saber de colonização. Tudo o que buscavam era o ouro. Foi fácil então usar da legitimação filosófica do velho conceito grego que ensinava ser apenas “o igual”, “o mesmo”, aquele que devia ser respeitado. Se a gente originária não era igual à européia, logo, não tinha alma, era uma coisa, e podia ser usada como mão de obra escrava para encontrar as riquezas com as quais sonhavam. Simples assim. Essa foi a ideologia que comandou a invasão e seguiu se sustentando ao longo destes 500 anos. Por isso é tão difícil ao branco boliviano aceitar que os povos originários possam ter direitos. Daí essa perplexidade diante do fato de que, agora, por conta de uma lei, eles não poderão mais expressar sua ideologia racista, que nada mais fez e ainda faz, que sustentar um sistema de produção baseado na exploração daquele que não é igual.

Eric Williams vai contar ainda como a Inglaterra construiu sua riqueza a partir do tráfico de gente branca e negra, para as novas terras, a serem usadas como braço forte na produção do açúcar, do tabaco, do algodão e do café. Como o índio não se prestou ao jogo da escravidão, lutando, fugindo, morrendo por conta das doenças e até se matando, o sistema capitalista emergente precisava inventar uma saída para a exploração da vastidão que havia encontrado. A escravidão foi uma instituição econômica criada para produzir a riqueza da Inglaterra e, de quebra, dos demais países coloniais. Só ela seria capaz de dar conta da produção em grande escala, em grandes extensões de terra. Não estava em questão se o negro era inferior ou superior. Eram braços, e não eram iguais, logo, passíveis de dominação. Eles foram roubados da África para trabalhar a terra roubada dos originários de Abya Yala.

Também os brancos pobres dos países europeus vieram para as Américas como servos sob contrato, o que era, na prática, escravidão. Segundo Williams, de 1654 a 1685, mais de 10 mil pessoas nestas condições partiram somente da cidade de Bristol, na Inglaterra, para servir a algum senhor no Caribe. Conta ainda que na civilizada terra dos lordes também eram comuns os raptos de mulheres, crianças e jovens, depois vendidos como servos. Uma fonte segura de dinheiro. De qualquer forma, estas ações não davam conta do trabalho gigantesco que estava por ser feito no novo mundo, e é aí que entra a África. Para os negociantes de gente, a África era terra sem lei e lá haveria de ter milhões de braços para serem roubados sem que alguém se importasse. E assim foi. Milhões vieram para a América Latina e foram esses, juntamente com os índios e os brancos pobres, que ergueram o modo de produção capitalista, garantiram a acumulação do capital e produziram a riqueza dos que hoje são chamados de “países ricos”.

E justamente porque essa gente foi a responsável pela acumulação de riqueza de alguns que era preciso consolidar uma ideologia de discriminação, para que se mantivesse sob controle a dominação. Daí o discurso – sistematicamente repetido na escola, na família, nos meios de comunicação – de que o índio é preguiçoso, o negro é inferior e o pobre é incapaz. Assim, se isso começa a mudar, a elite opressora sabe que o seu mundo pode ruir.

Liberdade de expressão

É por conta da necessidade de manter forte a ideologia que garante a dominação que as elites latino-americanas tremem de medo quando a “liberdade de expressão” se volta contra elas. Esse conceito liberal só tem valor se for exercido pelos que mandam e aí voltamos àquilo que já escrevi lá em cima. Quando aqueles que os dominadores consideram “não-seres” - os pobres, os negros, os índios – começam a se unir e a construir outro conceito de direito, de modo de organizar a vida, de comunicação, então se pode ouvir os gritos de “censura, censura, censura” e a ladainha do risco de se extinguir a liberdade de expressão.

O que precisa ficar bem claro a todas as gentes é de que está em andamento na América Latina uma transformação. Por aqui, os povos originários, os movimentos populares organizados, estão constituindo outras formas de viver, para além dos velhos conceitos europeus que dominaram as mentes até então. Depois de 500 anos amordaçados pela “censura” dos dominadores, os oprimidos começam a conhecer sua própria história, descobrir seus heróis, destapar sua caminhada de valentia e resistência. Nomes como Tupac Amaru, Juana Azurduy, Zumbi dos Palmares, Guaicapuru, Bartolina Sisa, Tupac Catari, Sepé Tiaraju, Dandara, Artigas, Chica Pelega, assomam, ocupam seu espaço no imaginário popular e provocam a mudança necessária.

Conceitos como Sumak kawsay, dos Quíchua equatorianos, ou o Teko Porã, dos Guarani, traduzem um jeito de viver que é bem diferente do modo de produção capitalista baseado na exploração, na competição, no individualismo. O chamado “bem viver” pressupõe uma relação verdadeiramente harmônica e equilibrada com a natureza, está sustentado na cooperação e na proposta coletiva de organização da vida. Estes são conceitos poderosos e “perigosos”. Por isso, os meios de comunicação não podem ficar à mercê dos desejos populares. Essas idéias “perigosas” poderiam começar a aparecer num espaço onde elas estão terminantemente proibidas. É esse modo de pensar que tem sido sistematicamente censurado pelos meios de comunicação. Porque as elites sabem que destruída e ideologia da discriminação contra o diferente e esclarecida a opinião pública, o mundo que construíram pode começar a ruir. A verdadeira liberdade de expressão é coisa que precisa ficar bem escondida, por isso são tão altos os gritos que dizem que ela pode se acabar se as gentes começarem a “meter o bedelho” neste negócio que prospera há 500 anos.

Basta de bobagens

É neste contexto histórico, econômico e político que deveriam ser analisados os fatos que ocorrem hoje na Venezuela, no Equador, na Bolívia e na Argentina. O Brasil deveria, não copiar o que lá as gentes construíram na sua caminhada histórica, mas compreender e perceber que é possível estabelecer aqui também um processo de mudança. Neste mês de novembro o Ministério das Comunicações chamou um seminário para discutir uma possível lei de regulamentação da mídia brasileira. Não foi sem razão que os convidados eram de Portugal, Espanha e Estados Unidos. Exemplos de um mundo distante, envelhecido, necrosado, representantes de um capitalismo moribundo. As revolucionárias, criativas e inovadoras contribuições dos países vizinhos não foram mencionadas. A Venezuela tem uma das leis mais interessantes de regulamentação da rádio e TV, a Argentina deu um passo adiante com a contribuição do movimento popular, a Bolívia avança contra o racismo, o Equador inova na sua Constituição, e por aqui tudo é silêncio. Censura?

Os governantes insistem em buscar luz onde reina a obscuridade. E, ainda assim pode-se ouvir o grito dos empresários a dizer: censura, censura, censura. O atraso brasileiro é tão grande que mesmo as liberais regulamentações européias são avançadas demais. Enquanto isso Abya Yala caminha, rasgando os véus...