sexta-feira, 8 de junho de 2012

A praça do povo livre




Para Maria Medianeira


Já andei por muitos lugares surpreendentes no mundo. E também pisei espaços de muita beleza. Como esquecer a visão da Acrópole numa noite de lua cheia, logo depois de uma greve geral que sacudiu Atenas? Ou a deslumbrante da ilha de Patmos onde fica a caverna dentro da qual São João recebeu as revelações do Apocalipse? Também já tive a graça de contemplar as pirâmides do Egito, numa noite fria, de lua branca, num dos maiores espetáculos de som e cor que já vi. Também pude caminhar pelos templos egípcios ao longo do Nilo, com suas colunas imensas, cheias de notícias do passado distante. A cidade espanhola de Córdoba, memória do mundo árabe, Granada, Lisboa. Já pisei na Chapada Diamantina, no serrado mineiro, nas praias de Maceió, na pedra da Bruxa, e tantas outras paragens onde até a respiração pára, de tanta lindeza.

Mas, a cena que mais me emocionou até hoje foi a de uma praça no interior do Rio Grande do Sul, na cidade onde nasci. Tínhamos saído de Florianópolis – ao melhor estilo easy rider – em direção à fronteira gaúcha aonde iríamos levar as cinzas da minha mãe. Ela havia morrido em 1998, e seu sonho sempre fora voltar aos pagos. Mas, só em 2010 tínhamos conseguido as condições para tanto. Partimos no carro de uma amiga, eu, ela, meu pai, meu sobrinho e um amigo dele. Fomos devagar, parando aqui e ali. Dormimos em São Miguel depois de ver o show de luzes que mostra a saga de Sepé Tiaraju. Outro momento de encanto.

No dia seguinte já estávamos à margem do rio Ibicuí, onde minha mãe costumava nadar quando criança. Era ali que ela queria ficar para sempre, circulando de um lado a outro, misturada à grande energia cósmica. O rio faz divisa entre Itaqui e Uruguaiana, a cidade onde vim ao mundo. Então, nada mais natural que depois da bonita cerimônia a gente fosse para a terrinha, visitar velhos amigos do meu pai. Foi o que fizemos.

Uruguaiana segue sendo o que sempre foi. Uma cidade pequena, bem no estilo das cidades da banda oriental. Ruas largas, casas altas, calçadas espaçosas, árvores por toda parte. Foi bonito circular por ali, nas paragens da minha infância. Tudo continuava lá, apenas aparecia aos meus olhos adultos com outra força. Até o castelo que era meu sonho e que parecia grandioso, surgiu só como uma casa grande. Mas nada diminuiu o encanto. Tudo era emoção. Os amigos, os parentes, aquele ar.

Então, quando a noite chegou, veio a maior beleza. Decidimos encontrar uma amiga num bar em frente à praça central. E para lá fomos. A tarde já caia e a barra da noite se anunciava no céu de janeiro. Fazia calor. A praça era a mesma de 40 anos atrás. Mas havia uma novidade. Ela estava cheia de gente. Nunca vi coisa assim em toda minha vida. Cada canto da praça estava iluminado. Parecia dia claro. As crianças corriam por entre as árvores e os heróis de bronze. As mulheres passeavam tomando sorvete, famílias tomavam chimarrão. Era quase como a visão do paraíso. Havia música, risos, luz, cor. Todos nós fomos tomados por uma emoção indizível. Forte demais. Aquilo era comunidade. A imagem concreta de comunidade.

Sempre que quero expressar esse sentimento de vida comum, de comunhão, de partilha amorosa, me vem àquela cena. Nunca vi nada igual. E os meus olhos se enchem de lágrimas. Dentro de mim, que sou filha da banda oriental, assoma o mesmo sonho de meu amado Artigas - o general dos povos livres: a construção de uma comunidade onde todos vivam em paz, felizes e livres. Por um átimo, naquela noite, na feérica Praça de Uruguaiana, esse sonho pareceu real.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

MST ocupa fazenda em Santa Catarina


Por Pepe Pereira dos Santos - Timbó Grande

Na madrugada do día 07 de Junho, 47 famílias Sem Terra ocuparam a Fazenda Caçador Grande, localizada a 4 km da sede do municipio, uma área de 254 hectares em Timbó Grande, SC.

No centenário da Guerra do Contestado, episódio catarinense quando famílias ficaram sem terra pela invasão de uma empresa de exploração de madeira vinda dos Estados Unidos, agora famílias recuperam uma área improdutiva, pertencente à Timbó Empreendimentos Florestais administrada operacionalmente pela Terra Master, uma empresa de origem estadunidense que encontrou no planalto catarinense uma oportunidade de lucro com a exploração do solo e da água para o monocultivo de pinos e eucalipto. A fazenda ocupada estava há muito abandonada e a ocupação foi tranquila. Agora as famílias, animadas pela conquista, estão construindo os barracos e organizando o acampamento. Mais famílias são esperadas no local e vizinhos da Fazenda afirmaram que a empresa ainda possui cerca de 10 fazendas na região semelhantes à que foi ocupada hoje.

O município registra um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano do país.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Governo tripudia trabalhadores e espera pela greve


“Na federal é assim. Todo ano tem greve”, dizem, entre risos, alguns estudantes. É como se fosse um ritual a cumprir, e algo que nascesse da “vagabundice” dos trabalhadores públicos que não querem trabalhar. É certo que tem algum trabalhador que se comporta dessa forma, mas não é a maioria. Se fosse assim, as universidades não funcionariam e nem seriam as instituições mais importantes do país, onde se cria 90% da ciência. Algum mérito os técnico-administrativos têm de ter nisso aí, porque nenhuma pesquisa, estudo ou extensão acontece sem esses trabalhadores.

E, como é comum nas relações de trabalho, todo os anos os trabalhadores precisam ter seus salários ajustados, pelo menos no que diz respeito às perdas do período, como acontece com qualquer outra categoria. Mas, entre os trabalhadores públicos não é o que sucede. Não há data-base para eles. Os salários só se reajustam se existe luta. E olha que é lei. E, como também ocorre com qualquer outro trabalhador, os públicos igualmente comem, vestem seus filhos, gastam com saúde, educação e tudo mais. Logo, precisam recuperar as perdas e, de quebra, garantirem um aumento real.

Não bastasse esse kit-básico da vida laboral que diz respeito a salário, os trabalhadores públicos lutam desde há anos por uma carreira. E o que é isso? A possibilidade de, entrando numa instituição pública, fazer carreira lá dentro, mudar de posto, crescer, como também acontece nas empresas privadas. Mas, isso, igualmente está fechado para os trabalhadores públicos. Não há proposta de carreira e uma criatura, ao entrar num cargo, ali fica até morrer, mesmo que estude e se qualifique. Fora isso, ao longo dos anos, por conta dos governos de plantão, muitas outras desgraças se abateram sobre o funcionalismo – principalmente os do executivo. Cargos importantes foram extintos, funções iguais ganharam salários diferenciados, aposentados foram mal enquadrados na tabela salarial, enfim, um festival de horrores.

Tudo isso vem sendo discutido com o governo, sem avançar um passo sequer. Na greve do ano passado, os trabalhadores ficaram quase três meses parados e as negociações não avançaram em nada. O governo exigiu o fim do movimento para apresentar uma proposta. Os trabalhadores saíram da greve, derrotados. E o governo não ofereceu proposta. Desde 2007 já foram contabilizadas 52 reuniões com o governo, no que ele chama de negociação permanente. E o que de fato permanece é a completa indiferença com a situação dos trabalhadores. Os salários estão congelados, não foram feitas as mudanças de racionalização dos cargos, os aposentados perdem direitos. O caos.

Na semana passada os trabalhadores das universidades decidiram encaminhar um indicativo de greve. Mais uma. Porque também não dá para ficar aturando enrolação permanente de um governo que não se dispõe a oferecer qualquer solução aos problemas criados. Pelo contrário, existe até projeto propondo o congelamento dos salários em 10 anos.

Pois a última reunião com os representantes da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento foi uma tristeza. Usando da velha tática da chantagem, a funcionária do Planejamento, Marcela Tapajós, disse que era muito difícil o governo sentar com os trabalhadores que já estavam anunciando greve. Ao que foi respondido que a proposta de greve só nasceu por conta de essas reuniões não saírem do lugar. E o que se sucedeu não foi diferente de tudo o que os trabalhadores vêm vivendo desde sempre. Conversa fiada, chantagem e ameaças. Basta ver como o governo está tratando a greve dos professores, também se recusando a conversar. Nas mesas “de enrolação”, o governo aparece ora com a conversa de mudança no piso, ora com uma ideia de nova carreira, mas nada aparece como proposta real. Apesar de alardear crescimento no PIB nos últimos anos, a presidente Dilma não quer saber de dividir isso com os trabalhadores. Certamente o interesse maior é seguir pagando os escorchantes valores das dívidas externa e interna.

E, assim, o governo vai criando um impasse, deixando os trabalhadores num beco sem saída. Nas mesas, nada avança. Então, talvez, quem sabe, na luta. Mesmo com a derrota no ano passado, os trabalhadores acreditam que não dá para ficar inerte, vendo os salários congelarem e todas as misérias da carreira e da tabela salarial seguirem crescendo.

Isso significa que as universidades viverão nova greve dos técnicos administrativos. Em Santa Catarina, o movimento dos professores que assoma em todo o país, não chegou. Os sindicatos de docentes não chamaram assembleias nem deliberaram por greve. Há uma apatia e uma acomodação muito grande entre eles. Mas, o dos técnico-administrativos acatou o indicativo da Federação Brasileira dos Sindicatos das Universidades Brasileiras e deve entrar em greve a partir do dia 11 de junho, assim como também os técnico-administrativos dos Institutos Federais.

Como sempre acontece, uma greve na universidade demora a tocar a sociedade. No geral, os movimentos duram de dois a três meses. Não tem a mesma força que uma greve de ônibus, que paralisa uma cidade e não passa dos três dias. Greve na educação é coisa que se arrasta, como se parar o processo de criação de conhecimento de milhares de pessoas fosse algo sem importância. Parece até que o governo lucra com a greve, já que muitos dos gastos acabam diminuindo. É uma coisa perversa. O governo deixa os trabalhadores sem qualquer aceno de negociação e passam-se os meses. Quando então aparece algum impasse, como a impossibilidade de um início de semestre, uma formatura, ou coisa assim, então a sociedade se volta contra os trabalhadores. Eles são os vagabundos que não deixam seus filhos se formarem, ou arranjarem um emprego. Toda a dor das famílias dos trabalhadores fica no vazio, diante da ira de quem precisa de um serviço que não é prestado.

Então, na queda de braço entre os trabalhadores e o estado – no geral sempre a serviço do capital – o cordão arrebenta no lado mais fraco. Até porque, desde o final dos anos 90 que os trabalhadores públicos vêm diminuindo seu ímpeto de luta. As últimas greves tiveram muita adesão, mas pouca mobilização. Isso significa que os serviços param, mas a força da luta não aparece em passeatas massivas ou atos de massa. Isso é ruim porque o governo percebe a fragilidade do movimento e aí deixa o tempo passar para que a greve vá se desmilinguindo.

Esse ano está colocado mais um desafio. Muitos trabalhadores novos entraram nas universidades nos últimos tempos. Espera-se que esse sangue novo vibre na órbita da luta mesma, luta real, na rua, na mobilização. Muitos direitos que os trabalhadores mais antigos ainda têm, os novos não terão garantido. Entraram em desvantagem. Então, mais motivos ainda têm para fazerem a greve ferver. Vai ser um momento importante no qual esses novos trabalhadores mostrarão a que vieram: se são meros carreiristas, pulando de concurso em concurso, ou se tem mesmo o desejo de atuar na construção de uma educação universitária de qualidade e com compromisso social.

A semana que vem aponta para esse novo embate com o governo. Educação parada. Universidade parada. Criação do conhecimento prejudicada. A eterna luta do trabalho contra o capital. Sim, porque quando um governo prefere pagar juros a banqueiros em vez de valorizar seus trabalhadores, ele está, de fato, representando o capital. A luta de classe outra vez se expressando. A ver como se comportam a sociedade, os trabalhadores, o governo, o capital.