Foto: Notícias do Dia
Ao ler a notícia de que o prefeito César Souza e seus secretários
decidiram fechar com areia a foz do rio Brás, que deságua no mar de Canasvieras,
como a solução para o problema de contaminação por esgoto, aparece um único
pensamento: isso é uma irracionalidade. Mas, depois, com mais frieza,
observa-se que essa é a única racionalidade que essa gente conhece. Para esse
tipo de político, que não tem qualquer ligação afetiva com a cidade, o que
precisa é estancar o problema imediato, para evitar a debandada dos turistas. É
que a contaminação do mar estava levando vagas de gente para os postos de saúde
do bairro, com uma série de problemas de saúde, e logo depois direto para fora
da ilha.
Pouco interessa ao
prefeito e seus secretários conhecer a origem do problema, saber desde
quando que aquele bairro joga esgoto na praia, ou todo o tipo de agressão que o
velho rio vem sofrendo desde há décadas, com toda a especulação imobiliária
feita, muitas vezes, sem qualquer planejamento, ao bel prazer da alterações de
zoneamento aplicadas pelos vereadores. No final das contas, a culpa da onda de
doenças na praia ficou para o Rio Brás. Julgado e punido ele recebeu cargas e
cargas de areia, para que não mais chegasse ao mar. E agora, o que fazer com
ele? Entubar, desviar, drenar, o quê? A melhor opção, fruto dessa racionalidade
cezística, é fazer o maldito desaparecer. E a merda? Ah, a merda, certamente
darão um jeito de enterrar.
O drama do rio Brás não é caso inédito na cidade. Vários dos
rios da ilha foram virando riscos de esgoto por conta de uma cidade sem
planejamento e sem cuidado com a vida. Quem se lembra do velho rio da Bulha
enterrado sob a Hercílio Luz, morto sem dó e hoje escondido pelo asfalto? Ou o
pobre rio do Noca, no Campeche, ou o rio Rafael? E o Rio Tavares, que ainda se
mostra como uma água suja na entrada do bairro, como a pedir socorro diuturnamente?
E o rio do Carreirão, que ficava ali onde termina a rua Presidente Coutinho?
Tudo destruído em nome do progresso. Com eles a solução foi a mesma. Se enfeavam
a cidade com o cheiro podre da merda, a punição era esconder, entubar, tirar do
alcance da vista.
Mas, a água que brota nos caminhos naturais sempre encontra
um jeito de se livrar. Por isso mesmo que ainda acontecem alagamentos nos
mesmos lugares onde antes eram caminhos de rio. A natureza dá jeito de
sobreviver em meio ao processo de destruição levado a cabo pelos humanos.
Assim, encher de areia a saída do rio do Brás não vai resolver nada. Só um
paliativo para os negócios.
Florianópolis é uma ilha, não é um espaço interminável onde
podem os seres se aglomerar uns sobre os outros nos prédios bonitos. Há limites
para a água, para a luz, para a mobilidade. Há limites, não tem jeito. Não é
uma ilha elástica que pode se alargar por conta dos desejos dos empreiteiros.
Ela é um espaço "imexível", sem chance de se espraiar. Ou se entende
isso ou certamente se destruirá o paraíso.
Para os que ricos, a solução é simples. Se a cidade ficar
insuportável eles pegam o avião e se vão para outro lugar. Mas e os que não
podem ir? Que farão? Terão de se conformar em viver numa cidade destroçada,
ladeada por água, sem que se possa tocá-la. Uma cidade sem água potável,
colapsada energeticamente e na qual andar é um sofrimento.
O fato é que muito já foi destruído, por esse e por tantos
outros políticos que já passaram pela administração. Também as gentes comuns,
os cidadãos da polis, destroem e burlam as regras em nome de seus desejos. A
responsabilidade não é só de uma parcela da população. Mas, há algo que não podem
esconder. Gente há que estuda, que luta, que propõe soluções sustentáveis e
equilibradas ambientalmente. Gente há que sabe que esse é um recanto turístico
digno de ser visto por todo o mundo. Mas, isso tem de ser feito de um jeito que
não se destrua justamente o que as pessoas vem buscar. Um
exemplo é a proposta do Parque das Três Pontas. Turismo comunitário,
sustentável, com menor impacto de predação. Mas, em vez disso, querem colocar
na ponta um hotel de 18 andares. Aí, em vez de trabalho para os pescadores,
beleza para os turistas e vida para os bichos do mar, teremos quilos e quilos de
merda jorrando na beira do mar.
Hoje foi o rio do Brás, ontem já foram tantos outros,
destruídos e enterrados. Amanhã será o quê? Seguiremos colocando areia,
escondendo a sujeira?
A ilha é uma ilha. Ela está esgotada. Temos algumas opções.
Ou a mantemos no oxigênio, numa sobrevida, ou cuidamos dela, para que seja bela
e plena. Estou pela segunda opção e nesse desejo caminho com gente que tem
respostas técnicas e políticas para que nossa cidade siga sendo um pequeno
paraíso. Que se escutem essas vozes, os
chamados eco-chatos, os ambientalistas, os urbanistas, os representantes
comunitários do Plano Diretor, os que conhecem e amam a nossa histórica
Meiembipe.