quarta-feira, 8 de abril de 2015

Sindicalismo e consciência de classe


Um belo momento da greve pelas 30 horas

Durante dez anos estive em um ou outro cargo de direção do Sintufsc - o sindicato dos trabalhadores da UFSC. Nossa proposta era, além de travar a luta corporativa, absolutamente necessária, preparar os trabalhadores para grandes debates da vida nacional e internacional. O ponto central era, a partir das atividades de formação, incentivar o despertar da consciência de classe.

Marx diz, no Capital que a consciência de classe - o entendimento de como funciona o sistema capitalista, formado por uma classe que explora e outra que é explorada - brotaria no trabalhador na medida em que a classe operária estivesse cada vez mais disciplinada, unida e organizada. Saber como funciona o sistema, tirar o véu que cria a alienação, eram condições necessárias para isso. Daí o trabalho de formação que os sindicatos precisavam desenvolver.  

Ter uma consciência de classe consiste em discernir as relações de produção capitalistas e defender os interesses de sua classe - a dos trabalhadores - contra o capital. Pressupõe ainda uma postura solidária com todos os seus iguais  - trabalhadores explorados -  e uma ação coletiva diante do inimigo comum.  

Conferências, seminários, cursos, tudo era organizado para que os trabalhadores da UFSC pudessem desvelar a realidade e adquirir essa consciência de classe revolucionária, capaz de atuar no sentido de destruir o sistema capitalista, solidariamente unida com os demais companheiros na mesma situação . De certa forma, isso não funcionou. Apesar de durante essa década termos conseguido aglutinar novos trabalhadores nesse caminho, com o passar do tempo eles foram se afastando e alguns chegaram abandonar totalmente o campo da luta de classe.

É fato que algumas pessoas mantiveram o rumo, mas foram poucas. Não conseguimos envolver a categoria no projeto de mudança de mundo. E aí aparece uma questão que tem me ocupado nos últimos tempos. O trabalho de informação sobre como funciona o sistema foi feito.  Não há como dizer que os trabalhadores desconhecem que existe um sistema capitalista, e que, nele, há os que exploram e os que são explorados. Todos sabem disso. Também sabem que na sua relação com o empregador eles são os explorados. Ainda que os trabalhadores públicos sejam pagos pelo dinheiro dos impostos, logo, pelo povo,  é o estado que assume o papel de patrão. Como o estado existe para atender os interesses da classe dominante  - os exploradores - também os trabalhadores públicos estão imbricados nessa equação de dominação trabalho x capital. E as pessoas sabem disso. Então por que não têm consciência de classe?

São históricas - e algumas até bizarras - situações em que os trabalhadores da UFSC mostraram sua face mais conservadora e egoísta na relação com outras categorias e mesmo com estudantes.  Pedidos de ajuda que foram negados, houve rejeição à lutas conjuntas e até a negativa de um prato de comida. Discursos dos mais venenosos contra o MST e até mesmo contra os palestinos ou iraquianos. Por quê? Se ao longo da vida laboral e sindical a categoria teve a possibilidade de conhecer a realidade, saber como funciona a sociedade, sair da caverna da ignorância, por quê?

De certa forma o pensador polonês Zygmunt Bauman apresenta alguns elementos para refletir sobre esse questionamento. Segundo ele, os tempos vividos hoje são outros, líquidos, no qual nada mais é feito para durar. A sociedade da produção foi substituída pela sociedade do consumo, logo as respostas para os problemas atuais precisam estar ancoradas na realidade presente. O trabalhador, ao que parece, já sabe que é um explorado, tem clara consciência disso, mas aparentemente ele não se importa, desde que possa estar incluído no mundo do consumo.

O próprio sistema capitalista - sempre se renovando - oferece ao empobrecido a possibilidade de estar na mesma órbita que o explorador. Ou seja: o rico tem um celular de mil dólares, mas ao pobre também é dada a possibilidade de ter um celular. Custará mais barato, será uma imitação, mas as funções estão ali. Terá acesso à internet e ao uatizapi. Logo, que se dane a exploração, estamos no fluxo. Nesses novos tempos já não basta  "desvelar" ao trabalhador a realidade, pois a ideologia já não está mais na consciência. A ideologia está na coisa. Daí que é preciso trabalhar com outras categorias, ligar o contexto da exploração - que é ruim e destruidora do humano - com o mundo de hoje, com os desafios de hoje e com as alienações de hoje.

Se a ideologia está na coisa, no objeto que é vorazmente consumido, é a partir daí que temos de começar a pensar. Os trabalhadores,  seja no trabalho formal ou informal, que conseguem garantir recursos para viver no mundo das coisas maravilhosas, não se importam que esse mundo venha a conta gotas, ou em imitações baratas. Eles querem comprar e participar. É o cidadão cliente, aquele que só é, se compra.

Esse é, então o desafio do sindicalismo. Debruçar-se sobre a realidade. Não dá para ficar choramingando que as pessoas não querem lutar, que não vêm para as manifestações. Há que entender por que isso acontece e traçar novas respostas para esses novos desafios. Ou faz isso, ou estará fadado à morte, ou a indiferença, que é também uma espécie de morte.

No campo do serviço público o desafio é ainda maior. Os salários são seguros, os empregos estáveis. Assim, mergulhar no mundo das coisas, do consumo, é bastante fácil. Nos últimos anos, os ventos foram favoráveis. A economia estabilizou, o crédito fluiu, foi possível comprar muitas coisas, viajar, consumir à larga. Agora, se anuncia um tempo de arrocho. Os preços vão subir, o crédito escassear. Haverá desconfortos. O que não sabemos é se, acostumados com a ilusão do consumo, os trabalhadores terão forças para escapar a esse canto de sereia. Por isso, os sindicatos continuam sendo necessários. Para que a luta contra a opressão e alienação não seja uma batalha solitária. Mas, se os sindicalistas não estiverem preparados, teórica e politicamente, perderão a batalha.

Nesses dias de paralisação do serviço público federal, a UFSC se apresenta como um palco privilegiado desse debate. Setores fecharam as portas atendendo ao chamado do sindicato de "cruzar os braços". Uma resposta oca, a um chamado oco. Respostas velhas para novos desafios. Não há movimento, não há debates, não há reflexões.

Basta lembrarmos que no ano passado, a nova safra de trabalhadores, que entrou no serviço público nos últimos anos, apresentou uma proposta de greve original e novidadeira: uma greve de trabalho. Não fechar as portas, mas abrir. Aquilo foi uma proposta brilhante. Novas respostas para novos tempos. O resultado dessa novidade foi um golpe dado por parte da categoria - direção sindical, aposentados e alguns ativos da velha guarda - que boicotou o movimento e, em uma assembleia melancólica, acabou com a greve que durou quase três meses, cheia de atos, movimentos e atividades culturais e políticas. O golpe, desagregador e inusitado, veio por conta da incapacidade de compreender os novos tempos, as novas respostas. Trabalhar, em greve? Como assim? Nunca foi assim? O velho sindicalismo, cego, prisioneiro do passado.

Mas, o que apareceu como uma derrota pode ser também o germe de uma mudança. Aquela brisa novidadeira não se dissipou. Ela vive, nos corredores, nos bares do campus, nas paradas de ônibus. A juventude observa, estuda, se encontra e debate. A última batalha ainda não foi travada.

Eu tenho muitas esperanças...


Festa indígena na UFSC





Momentos da vida nesses quatro anos



















Das entranhas dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul vieram para dentro da Universidade Federal, como alunos, os Guarani, Kaigang e Xokleng La Klanõ. Professores já em suas aldeias, ensinando coisa de juruá e de índio, buscando acompanhar a vida educativa, ora integrado, ora fora. Uma batalha cotidiana já que os indígenas, como qualquer outro grupo social, não conseguem preservar seu modo de vida sem território. São milhares ainda as famílias indígenas que não têm um pedaço de terra onde possam aportar e pensar a vida. Muita luta ainda se faz nas beiras de estradas, nos acampamentos improvisados, em terras alheias. Tanta coisa para re-conquistar, visto que o índio é o verdadeiro dono da terra. Mas, desde 1500 tem sido usurpado, invadido, roubado. Uma longa história de tragédias e resistência…

Na noite deste dia 8 de abril de 2015, às 19h, no Centro de Eventos da UFSC, essa resistência/luta mostra um dos aspectos de sua face. Mais de 100 representantes das três etnias que vivem em Santa Catarina – com alguns vindos do Rio Grande do Sul - recebem seu diploma de graduação na Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, curso criado na UFSC para garantir formação aos povos originários, dentro da nova política de educação que promove a inserção de negros e índios nas universidades.

Desde o começo o curso foi um desafio. Primeiro, para que existisse de fato, com toda a discussão necessária junto às aldeias e o difícil processo de busca de recursos. E, depois, para que não se tornasse só mais um curso de graduação dentro da universidade, sem levar em conta a especificidade do mundo indígena. Foram quatro anos de batalha. Dos trabalhadores, que precisaram aprender a viver com uma outra forma de organizar a vida e o tempo. Dos professores e coordenadores, que tiveram de encontrar caminhos nos quais o saber pudesse ter duas vias. E dos próprios alunos, que precisaram enfrentar um ambiente totalmente hostil, desde o eterno preconceito até na organização do espaço.

Muitos desses desafios foram vencidos pouco a pouco, outros ainda subsistem. Mas, para os alunos que conseguiram terminar suas monografias, a vitória está estampada nos rostos satisfeitos pelo trabalho criado. Praticamente todos os trabalhos finais versaram sobre a cultura indígena. Família, ervas medicinais, território, mitos, histórias. Conforme aponta o coordenador pedagógico do curso, Rivelino Barreto, que é da etnia Tucano, da Amazônia, os alunos decidiram pensar a própria vida na própria cultura. “Até então, os indígenas que entravam na faculdade tinham de seguir a regra de pensar os trabalhos de conclusão de acordo com o que certo autor pensou, reproduzindo apenas um saber que não era nosso. Nessa licenciatura os alunos puderam colocar na mesa da universidade os conceitos indígenas. Trouxeram eles as suas teorias, os seus saberes e os expuseram. O indígena não tem o hábito de ler um autor e o reproduzir. Nós pensamos e vivemos a partir do que vemos, do que ouvimos, do que vivemos na prática. Nossas referências são nossos velhos, nossos pajés. Esse curso foi, de fato, um diálogo”.

Hoje à noite, quando receberem o sonhado “canudo” os jovens indígenas que caminharam pelo campus da UFSC durante quatro anos, levam um pedaço de papel que é importante na cultura não-índia. Mas, muito mais do que isso, eles deixam nas prateleiras da biblioteca um saber que até então estava restrito a eles mesmos ou um que outro estudioso. A cultura Guarani, Xoklen La Klanõ e Kaigang pode ser visitada, e é contada pelos próprios índios. Não é um falar sobre um “outro”, distante. É um dizer de si mesmo, com toda a delicadeza/força de uma cultura que, a despeito de tantos massacres, sobrevive e ocupa os espaços. Não como coitadinhos tutelados, mas como uma gente que tem o que dizer.

O mundo indígena é constituído de uma episteme que se diferencia do mundo criado pela cultura ocidental cristã. Diferencia-se nos conceitos, nos mitos fundadores, na forma de organizar a vida. Durante centenas de anos essas episteme foi negada, excluída, ridicularizada. Mas, tal como a boa semente, não esterilizada pela Monsanto, os povos originários seguem fazendo brotar, nos minúsculos territórios livres do saber, a sua palavra.

Hoje, meus parentes vivem um momento de alegria. Logo depois retornam para suas aldeias, na dura batalha por um tempo que ainda não chegou. Mas, que chegará!


Parabéns, vida longa e próspera (para ser intergaláctica)!  Eko Porã!
    

terça-feira, 7 de abril de 2015

Greve dos professores cada vez mais forte




















Professores não esmoreceram no dia de hoje e fizeram uma vigília durante a sessão ordinária da Assembleia Legislativa. Casa cheia nas galerias e no saguão de entrada.  Havia a possibilidade de ir à votação uma contraproposta do governo para a questão dos professores temporários.  Mas, nada disso aconteceu. O governo decidiu chamar os líderes das bancadas para uma reunião amanhã de manhã, na qual será apresentado o ante projeto que pode contemplar algumas das propostas dos professores em greve, como a manutenção da equivalência salarial para os temporários e da licenciatura curta. Por outro lado os professores mesmos não sabem o teor do anteprojeto. Tudo está em aberto.

O que botou fogo na sessão dos deputados catarinenses foi o vídeo de uma fala do secretário de Educação, Eduardo Deschamps, que, durante uma vídeo conferência com diretores de escola exige "fidelidade" à moda dos antigos coronéis e ainda ameaça os professores. Segundo ele, os que fizerem greve e estiverem em estágio probatório serão demitidos - o que é uma ilegalidade. A greve é um direito do trabalhador. Ele também diz que os diretores devem servir ao governo, mesmo tendo sido eleitos pela comunidade.

Vários deputados se remeteram à fala do secretário e alguns chegaram a pedir a exoneração de Deschamps, com o entusiasmado aplauso dos professores que acompanharam a sessão. "O governo nega que estejamos em greve, mas manda o secretário ameaçar os diretores para que ameacem os professores. É uma vergonha!".

Amanha nova batalha será travada pois o governo vai tentar passar seu anteprojeto. E novamente os professores prometem uma vigília, contando ainda com a parceria dos estudantes que, a cada dia, engrossam o coro de apoio ao movimento.  Afinal, a discussão sobre os direitos dos contratados temporários é só uma parte da pauta da greve. Ainda há outros temas para serem tratados no campo das negociações do movimento. De qualquer forma, uma vitória com a pauta dos ACTs pode dar fôlego à luta dos educadores catarinenses que estão há quatro anos esperando que o governo seja consequente com suas promessas.

Hoje, enquanto acompanhavam a fala dos deputados, os professores que não puderam entrar no plenário se espalhavam pelo saguão onde também estavam expostas telas com representação de rostos humanos. Nada poderia ser tão ajustado. Nas telas, a imagem da amargura, da dor, do desassossego, expressões muito parecidas com as das pessoas que - a duras penas - fazem a educação pública caminhar. Mas, no rosto dos professores, além da amargura por precisar parar as aulas para garantir direitos, também podia se ver a garra que os torna tão especiais. Se ainda há educação para os filhos das famílias desse estado é porque esses homens e mulheres tiram leite de pedra. Uma categoria valente e de qualidade. 

Que venha a vitória.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Fórum sobre o Processo de Paz na Colômbia



Acontece em Florianópolis, no dia 15 de abril , às 19h, no Auditório Henrique Fontes, CCE/UFSC, a conferência de Sérgio Quintero, da Marcha Patriótica, da Colômbia. A atividade faz parte do processo de discussão que culminará em junho, no Uruguai, no II Fórum pela Paz na Colômbia. Esse pré-fórum que tem por tema “Processo de Paz, Diálogos, Lutas e Contradições” é organizado por uma série de entidades sindicais, populares e políticas da cidade e visa informar com mais segurança sobre o processo de paz desencadeado há três anos, envolvendo o governo colombiano e as Farcs, mediado pelo governo cubano.

A Colômbia vive uma guerra civil que teve seu estopim em 1948, com o assassinato de Jorge Gaitán, então candidato progressista às eleições presidenciais. Amados pelas gentes, sua desaparição violenta desencadeou um processo de rebeliões e violências estatais que se aprofundaram nos anos 60, com o fortalecimento de grupos organizados visando a libertação nacional, tais como as FARCs e a FLN. A guerrilha sobrevive apesar de todos os ataques dos paramilitares e dos mercenários a soldo, financiados pelos Estados Unidos.

Por outro lado, décadas de resistência e de luta tem envolvido a população em um redemoinho que parece não ter fim. Há um desejo de paz, uma vez que ao longo dos anos o país tem perdido seus melhores filhos em ações que podem ser caracterizadas como “terrorismo de estado”. Incontáveis são os estudantes, sindicalistas e líderes populares que são assassinados e desaparecidos por obra do exército colombiano ou de grupos mercenários que representam ora os interesses do estado, ora os interesses dos narcotraficantes. O resultado desse processo ultrapassa os quatro milhões de pessoas desalojadas de suas terras, expulsas de seus lugares de moradia, que vagam pelo país ou migram para outros espaços na América Latina. Os que não tem como se mover acabam morrendo nos fogos cruzados.

Em todo o mundo, lutadores sociais se juntam aos esforços de paz. A chamada “mesa de conversação” está em andamento, embora lenta. As FARCs já mostraram sua boa vontade e definiram um cessar fogo, mas as ações de governo e paramilitares continuam. É um tabuleiro delicado que exige confiança de todos os lados, coisa difícil de lograr, uma vez que as experiências passadas não são boas. Em duas ocasiões, quando guerrilheiros entregaram suas armas, foram depois perseguidos e assassinados. E ninguém quer que isso se repita, por isso os passos são dados de maneira muito cuidadosa.

Enquanto a mesa segue, em todo mundo são realizados encontros que visam conhecer a realidade e prestar solidariedade ao povo colombiano. É o caso desse pré-forum. Para quem está nas mesas de negociação e na luta cotidiana, esses apoios são como um vento fresco na fervura da batalha e ajudam na correlação de forças, daí a sua importância.

A Colômbia quer a paz, mas ela não pode ser uma imposição governamental. Ela tem de ser uma construção firme e segura, que garanta a segurança de todos os envolvidos nas lutas.

Conferência com Ségio Quintero – Marcha Patriótica
Onde: Auditório do CCE/UFSC
Quando: 15 de abril - 19h


domingo, 5 de abril de 2015

Palestina - a violência cotidiana


Entrevista com Emad Burnat, diretor do filme "Cinco Câmeras Quebradas", sobre a luta do povo da Palestina, singularizada num pequeno povoado, que sofre cotidiana agressão israelense.