sexta-feira, 9 de junho de 2017

Che e a Universidade necessária a Cuba



Quando a revolução cubana se fez vitoriosa, os estudantes universitários trataram de tomar a universidade. Assumiram o controle das casas de estudantes, passaram a impor regras aos antigos professores e a intervir na direção da universidade. Queriam fazer valer suas demandas. Começaram então várias lutas internas porque a revolução precisava dar a linha para o ensino universitário. Os estudantes queriam autonomia, e não aceitavam que o governo revolucionário dissesse como iria ser o ensino e que carreiras seriam prioritárias.

Então, o governo revolucionário mandou Che Guevara para falar com os estudantes. Ele era um ícone. Haveria de ser ouvido. E o que Che disse não foi o que os jovens queriam ouvir. Mas, foi o que era preciso dizer. “Dizemos nossas verdades, talvez azedas, talvez injustas em alguns aspectos, que machuquem talvez muita gente, mas que transmitem o pensamento de um governo revolucionário honesto”.

E o que disse el Che aos jovens que estavam querendo decidir seus destinos isolados da revolução? Que era preciso uma universidade capaz de formar os técnicos, teóricos e profissionais de que Cuba precisava. Que era preciso formar pessoas para fazer avançar a revolução. Que o governo revolucionário tinha de apontar o caminho. “Quem tem o direito de limitar a vocação de um estudante por uma ordem do Estado? Quem tem o direito de decidir que apenas podem se formar dez advogados por ano e que devem se formar cem químicos industriais? Isso é ditadura? Está bem, é ditadura. Mas a ditadura das circunstâncias terá o mesmo caráter que a ditadura que existia antes sob a forma de vestibular ou de pagamento de matrículas ou de exames que iam eliminando os menos capazes?”

Che foi então confrontado com o ponto central que dividia os estudantes. Eles clamavam por autonomia, não queriam a intervenção do estado.  E Che enfrentou, com sua honestidade crua. Jamais mentiria aos jovens para conseguir o que queria: “Não queremos aqui mistificar as palavras e tentar explicar que não, que isso não é perda de autonomia, que na realidade não é nada mais do que uma integração mais sólida, como o é na realidade.  Mas, essa integração mais sólida significa perda de autonomia, e essa perda de autonomia é necessária para a nação inteira”.

Ele insistiu com os estudantes que a batalha pela qual tantos cubanos deram a vida era a luta de uma nova classe social que agora teria direito à cultura: “O que tentamos fazer desaparecer em Cuba é a luta de classes. Quem se opõe a que um grande número de estudantes de origem humilde adquira os benefícios da cultura, está tentando exercer um monopólio de classe sobre esta”.

A charla dura e verdadeira do guerrilheiro convenceu os estudantes e Cuba seguiu seu caminho de belezas. Formou os profissionais que precisava e é um dos países com mais alto índice educacional.




quarta-feira, 7 de junho de 2017

Sempre contra o capital...




Todos os dias acontecem coisa que nos mostram o quanto o capitalismo é um modo de organizar a vida que não deu certo. Fracassou. Não cumpriu com a promessa de uma boa vida para quem se esforça. Tudo isso é mentira. Quem mais se esforça é quem menos tem vida boa. Essa é a verdade nua e crua.

Hoje, no centro, vi mais uma dessas cenas que me fortalecem a certeza de que é preciso que chegue o comunismo.

Estava na saída de um desses centros de compras, onde tem várias lojas de variados produtos.  Então vi sair uma típica família classe alta. A mãe, bonita, de salto altíssimo, cheia de joias e as duas filhas, vestidas como princesas. As garotinhas traziam algumas sacolas nas mãos e falavam alto, excitadas, possivelmente por conta das coisas bonitas que estavam dentro das sacolas. No pé da escada rolante estava uma menina, agarrada a uma bolsa puída, com roupas bem surradas e chinelo de dedo com meia.

Impossível descrever aqui, com palavras, o olhar da guriazinha. Ela mirava as duas meninas que estavam com as sacolas. Era um olhar abissal. Não havia inveja, nem raiva, nenhum sentimento ruim. Era um olhar de profunda tristeza. Uma tristeza imensa, oceânica. Ela seguiu as garotas com aquele olhar, até que elas se perderam entre as gentes. Então, ela voltou seus olhos para os pés e ficou ali, parada, olhando pra baixo, pensando sabe lá o que.

Não sei o que motivou aquele olhar de um desespero impotente. Se a alegria das garotas com as compras, se a cena familiar, se a belezura das roupinhas. Não sei. Mas foi o olhar mais triste que eu vi. A menininha de chinelo com meia, em frente a loja chique.

Pensei que num mundo de riquezas repartidas não haverá espaço para isso. Não haverá quem tem mais, quem pode mais, quem consegue comprar e quem não. Não haverá abandono, nem medo, nem insegurança, nem desespero. Ah, quando eu vejo uma guria assim, de olhar tão triste, eu tenho ainda mais certeza de que o caminho é esse que escolhi. Lutar contra o capital e construir o mundo novo.   


Artigas, um caminho





Por Raul Fitipaldi

“Artigas, um caminho”, de Elaine Tavares é um documentário que percorre a estrada épica do Protetor dos Povos Livres, José Gervasio Artigas, líder e ícone da independência oriental e apresenta o trajeto que durante quase 600 km recorreram Artigas e seu Povo, de Montevidéu até Concórdia, na atual Argentina.

Elaine Tavares resume em 35 minutos, com entrevistas, belas paisagens e grande sensibilidade jornalística, o Êxodo Oriental, ou melhor, a Redota, nome dado pelo povo da Banda Oriental àquela gesta histórica que, iniciada em 23 de outubro de 1811, construiu o caminho da independência uruguaia.

É nesse momento resgatado pela jornalista e escritora que começam os processos libertários do Sul das Américas. A luta pela Reforma Agrária, a luta dos pobres do campo e das periferias, dos indígenas, dos negros e pardos, marchando em retirada estratégica, tão dolorosa como genial, para organizar a vitória final contra o dominador espanhol e as oligarquias nascentes.

“Artigas, um caminho” se oferece como um audiovisual leve, informativo e didático, que recolhe, na história desta região da Pátria Grande, o instante exato em que nossos povos do Sul, tomaram consciência de sua capacidade para conquistar a liberdade e derrotar a opressão.

O vídeo será apresentado no Festival Audiovisual do Mercosul, o FAM, dia 21 de junho, na sessão de documentários que começa às 16h e 30min. Artigas, um caminho será projetado junto com o documentário Som dos Sinos, de Marina Thomé e Marcia Mansur.

Ficha técnica:
Roteiro e direção: Elaine Tavares
Direção de fotografia e edição: Rubens Lopes
Som direto: Paulo Renato Venuto
Assistente de câmera: Antônio Martins
Duração: 31’54”


Quem controla os meios controla a vida


No filme, como na vida, os trabalhadores são os desgraçados

Tem um desses filmes bobos, de roliúdi, bem antigo, estrelado pelo canastrão Arnold Schwarzenegger, que sempre me impactou, desde a primeira vez que eu o vi. Por acaso, me deparei com ele outra vez nesse final de semana e fiquei a matutar sobre o domínio que os que manejam o sistema capitalista de produção têm sobre nós. Eles nos mantém no limite da vida, para que possamos gerar, com nosso trabalho, a riqueza da qual eles desfrutarão.  É um grotesco jogo, no qual os trabalhadores são as peças mais frágeis, porque só tem a força de trabalho para vender.

O filme, produzido em 1990, do qual falo, é “O Vingador do Futuro”. Conta a história de um cara que viaja para Marte, planeta que naqueles dias já está ocupado pelos terráqueos. É um filme tolo, com muitos tiros e força bruta, afinal, é Schwarzenegger.

A cena que me impactou é a do momento em que os dirigentes da colônia de terráqueos desligam o ar. Como todos sabem, em Marte não tem oxigênio. Todos que ali vivem dependem do suprimento de ar que é liberado por quem controla/dirige o lugar. Então, como eles não conseguem parar o herói, decidem punir a colônia inteira, para ver se o cara se entrega. É assustador. Sem o ar, as pessoas vão asfixiando, iniciando um processo de morte horrível.

Pois no capitalismo é assim. Os caras vão privatizando tudo, tirando da gente inclusive aquilo que nos é vital, como a água, por exemplo. Quantos milhões de pessoas vivem hoje em luta por conta da água? E como todos nós naturalizamos o fato de que a água é uma mercadoria, tendo cada um sua garrafinha? Como se ter a garrafa, garantisse a água. Não garante. Se tu não tiveres dinheiro, não terá a água. Logo, logo eles encontrarão um jeito de privatizar o ar. Imaginem como será?

É o que acontece agora com a reforma trabalhista. É o núcleo duro do capital asfixiando os trabalhadores até o limite do suportável. Como naqueles jogos sexuais em que um amante leva o outro até o limiar da morte, e depois goza sobre ele. Assim faz o capital. Aperta, asfixia, leva ao limite, depois goza. E o gozo é só para uns poucos, sempre. Para a maioria resta esse agoniante esperar. Quando virá o próximo momento de tortura? Como colocará comida na mesa? Como salvará o filho doente? Como cuidará do pai velho? Não sabe. Não saberá. Tudo o que sabe é que as coisas vão ficando sempre pior. 

No filme de roliúde tem um herói que, enfrentando todo o poder, com a ajuda de uma mocinha, consegue liberar o oxigênio para todos, exatamente naquele momento em que a morte escorrega seu manto sobre as gentes. No filme, as maiorias estão apáticas, apenas suportando o domínio e a tortura impostos por um grupo minúsculo que está no poder. É o herói que as salva. 

Mas, a vida real não é um filme de roliúdi. Não há heróis, nem heroínas que, sozinhos, possam liberar o oxigênio. Essa batalha, aqui e agora, contra o capital, tem de ser uma construção coletiva, das gentes conscientes, organizadas e em luta. Somos sete bilhões de almas contra um grupo muito pequeno de gente que domina o sistema de produção. O poder é nosso.

Então, porque não o liberamos? 

A historiadora Virgínia Fontes diz que as pessoas tem medo de enfrentar algo novo. Não sabem o que pode vir com um novo modo de produção, como o socialismo, por exemplo. Temem o que não conhecem. Pensam que a vida vai se desarrumar. Mas, como bem diz Virgínia, o capitalismo já desarruma a vida, sempre e a toda hora. Por que, então, não arriscar? 



domingo, 4 de junho de 2017

Sobre os livros



Para Ângela Vilma

Outro dia uma amiga postou no “face” um texto sobre a solidão dos livros que se escreve e que não são lidos. Fiquei a pensar sobre isso, eu que escrevo. Também tenho alguns guardados nas  estantes, como outros escritores que conheço. Livros que ninguém comenta, que ninguém faz resenha. Livros mortos, que não falam nada a ninguém. Mas, creio eu, esses livros não estão acabados. Não. Sozinhos, eles esperam.

Há quem diga que não vale mais a pena editar livros. Ninguém mais lê. É só textinho de “facebook” (o livro da nossa cara). Prefiro achar que não. Os livros são entidades eternas e, ainda que dormidos, preservam sua magia.

Guardo na memória a descoberta de um livro, desses, feito morto, numa velha estante do sebo Martin Livreiro, em Porto Alegre. Eu estava lá, procurando por exemplares da Revista “O Cruzeiro” para as análises do meu mestrado. E o moço mandou eu subir. Por certo era um andar onde pouca gente ia, no qual ficavam as publicações mais antigas. A revista “O Cruzeiro” a primeira revista de reportagens com distribuição nacional, nascida no longínquo 1928.

E eu fiquei ali, sozinha e esquecida, a fuçar pelas estantes cheias de livros e revistas velhas, sentindo o nariz coçar, com a fuligem característica do papel carcomido. Procura aqui, procura ali, move uma revista, move um livro e então, quando eu puxava um grande volume de capa dura, um livrinho pequeno saltou para fora da estante. Assim, como se tivesse vida própria. Catei do chão e sem curiosidade, já ia devolvendo para o armário, quando ele outra vez se moveu, e escorreu da mão. Eu, que creio em bruxarias, entendi que o livro queria ser visto.

Peguei-o de volta e fui folheando. A capa estava rasgada, meio comida pelas traças. Antônio Olinto. Nunca tinha ouvido falar. Na contra capa, a surpresa: Jornalismo e Literatura. Um achado! O livro, escrito em 1955, me saltava às mãos numa tarde fria de Porto Alegre, no ano de 1999. E o que descobri nele abriu caminhos para minha compreensão do jornalismo.

Ele estava ali, dormindo. Sabia que um dia iria chegar uma mulher, pequenina e curiosa, e ele então saltaria da estante, pronto para o encontro. Estamos juntos até hoje. Vez em quando, se o jornalismo vira gosma, se não consigo vislumbrá-lo na vida mesma, eu recorro ao livrinho e me aconchego às suas palavras, ditadas desde tão longe no tempo. “O jornalista tem que ser como o artista, que mantem intacta em si a capacidade de sentir e transmitir sentimentos estranhamente verdadeiros”, dizia Olinto. Ah, mestre, que bom que te encontrei... E assim sigo eu, cumprindo essa lição.

Então, por conta desse encontro, tão abissal, eu insisto: os livros são entidades mágicas, que esperam por nós, em algum lugar. Não deixe de escrevê-lo, escritor, escritora. Não deixe!!!