sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Tragédia em presídio hondurenho – 355 mortos


São absolutamente terríveis as crônicas que estão sendo divulgadas do incêndio que matou 355 pessoas no Centro Penitenciário de Comayagua, no interior de Honduras. Segundo informes do jornalista Davi Romero, da Rádio Globo Honduras, este já é o terceiro caso nos últimos anos de uma tragédia desse tipo, mas essa foi muito maior. Segundo os informes que chegam de Honduras a situação penal é muito parecida com outros centros na América Latina: superlotação, sujeira, violência, doenças, ou seja, uma bomba-relógio sempre pronta a explodir.


O centro de Comayagua, que é uma penitenciária agrícola, com vagas para 250 detentos, tinha uma lotação de quase mil pessoas, a maioria delas camponeses presos por crimes comuns, outro aspecto bastante típico das prisões: gente pobre, pequenos delitos.


As primeiras notícias sobre as causas não passam de hipóteses. Há depoimentos de sobreviventes que contam haver uma disputa entre grupos ligados ao tráfico ou que foi uma reação de alguns criminosos que haviam pagado a agentes prisionais para facilitar fuga. Como eles levaram a grana e não facilitaram, os detentos decidiram queimar colchões. O fogo se espalhou e deu no que deu.


Há depoimentos também, nos jornais locais, de que um agente ao ver o fogo, em vez de abrir as portas para os prisioneiros pudessem fugir, simplesmente deixou as portas trancadas e saiu. Foi só bem mais tarde, quando muitos já estavam mortos que um enfermeiro do presídio decidiu abrir as portas para permitir que os presos saíssem.


De qualquer sorte, tudo ainda é muito inconsistente. Há muita dor e desespero por parte das famílias que querem receber os corpos de seus entes queridos e isso é o que está mobilizando as pessoas nesse momento. Ainda assim, a ONU já notificou ao presidente do país que quer uma investigação minuciosa para ver se não foi um incêndio criminoso. Agentes estadunidenses que trabalham com atentados a bomba estão em Honduras a pedido do presidente Lobo e devem ajudar a investigar as causas da tragédia.


É bom lembrar que Honduras vive desde 2009, quando aconteceu um golpe de estado, uma situação bastante tensa no campo social. Mesmo com um novo presidente civil (eleito em um pleito bastante irregular), a situação não mudou no país. Dezenas de jornalistas já foram assassinados, outro tanto de sindicalistas e lutadores sociais. Além disso, muita gente tem sido presa por participar dos movimentos pela democracia e pela volta de Mel Zelaya, o presidente que foi deposto pelo golpe. Ainda não se tem informações sobre se alguns dos presos em Comayagua estavam nessa condição de presos políticos. Tudo ainda está por saber.


Hoje, a região está em profunda comoção. Centenas de familiares se concentram próximo ao centro penitenciário, alguns em acampamentos improvisados. Querem recuperar os corpos de seus parentes e saber o que realmente aconteceu.


As cenas de dor podem ser conferidas no link do jornal La Tribuna

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

As Malvinas e a sujeira por baixo do tapete





A vinda do príncipe William às Malvinas para treinamento militar, e o anúncio da Inglaterra de que enviará o moderno navio de guerra HMS Dauntless para patrulhar as águas do arquipélago detonou uma série de denúncias sobre a militarização do Atlântico Sul e trouxe a tona uma série de questões não resolvidas do conflito sobre a retomada da soberania das ilhas levada a cabo pelos militares em 1982.

Naqueles dias, já na agonia do regime militar, a ditadura enfrentava problemas demais. O modelo econômico estava esgotado, havia um reboliço social, a inflação alcançava patamares altíssimos, a miséria assomava. A saída encontrada pela junta militar foi o apelo ao patriotismo. E desde aí, o chamado para a guerra contra a Grã-Bretanha no sentido de recuperar as ilhas que haviam sido invadidas em 1833 durante o período em que os ingleses fizeram da América Latina o seu espaço de poder colonial. A primeira ocupação do arquipélago aconteceu em 1690, pela Espanha, então invasora oficial, e desde aí França e Inglaterra lutavam pelo comando até que em 1833, quando a América Latina terminava seu processo de libertação colonial, a Inglaterra consolidou seu poder sobre as ilhas. Os argentinos, depois de finalizado o processo de libertação, sempre reivindicaram aquele espaço como seu. Assim, o motivo da disputa era mais do que justo, embora o momento e a forma só servissem para desviar a atenção dos problemas internos. O resultado só poderia ser o desastre.

Nesse sentido, a jogada dos militares foi, na verdade, o começo do fim do regime. A guerra durou dois meses apenas, com a Argentina sendo solapada pelo exército britânico. Morreram 649 soldados argentinos, 255 britânicos e três civis das ilhas. E, ao final do conflito, com o governo militar sendo deixado sozinho pelas demais nações, quem acabou pagando caro, como sempre, foi o povo, tanto o argentino que sofreu o terror da guerra em sua porta (com a vinda de bombardeiros nucleares para a costa), quanto o inglês. A Inglaterra vivia naqueles dias um processo eleitoral e a guerra foi a hora perfeita para aprofundar as medidas de arrocho que já vinham sendo praticadas pela dama de ferro, Margareth Tatcher.

Hoje, perto do aniversário de 30 anos do conflito, a militarização na área das Malvinas faz acender o pisca alerta. Aquela não é uma região qualquer. Geopoliticamente é a entrada para a região Antártica e estratégica no que diz respeito ao tráfego marítimo no espaço austral. Além disso, fala-se em prospecção de petróleo por parte da Inglaterra. Do ponto de vista da lógica, não há argumento para que o arquipélago continue na mão dos ingleses, uma vez que historicamente, na América Latina, o colonialismo já teria acabado. Assim, nada mais justo que aquele território voltasse para as mãos do povo argentino. Esse é um debate que mexe com as entranhas de qualquer cidadão do país vizinho.

Assim, os últimos acontecimentos soam como uma provocação ao governo argentino, que vive uma conjuntura bem diferente da época da guerra. Já não há mais uma ditadura militar e sim um governo que não é bem visto pelo grupo dos poderosos. Cristina Kirchner faria parte do chamado eixo-do-mal (governos de esquerda) que governa hoje o continente latino-americano.

Para os argentinos, esse seria um bom debate, pois há uma grande parte da população que não colocaria na presidente essa etiqueta de esquerda. Basta ver os constantes conflitos e a feroz repressão que os trabalhadores vêm enfrentando nas grandes cidades, no campo, na luta contra as mineradoras, na questão indígena, sem que Cristina assuma uma posição favorável à maioria.

De qualquer sorte, a presidente pegou a pauta apresentada pelos ingleses e tem feito duras declarações e denúncias sobre a militarização das Malvinas, exigindo, inclusive, uma posição da ONU com relação a isso. A crise reacendeu também um pouco do patriotismo que andava apagado e os veteranos da guerra voltaram à cena, fazendo manifestações e se colocando do lado da presidente.

Mas, nesse universo de gente que lutou contra a Inglaterra naquela guerra quase absurda, pois visava muito mais o fortalecimento da ditadura, gente há que até hoje não foi reconhecida pela lei como veterana de guerra. São os soldados que estiveram em alerta e a postos no continente. Segundo a lei que definiu indenizações e pensões aos veteranos de guerra, apenas aqueles que participaram do campo de batalha nas ilhas e no mar tiveram direito de ser reconhecidos. Os soldados que ficaram no continente não foram considerados veteranos, coisa que se colocou inaceitável por toda uma juventude que viveu o terror por dois meses, sempre em alerta contra uma possível invasão pelos ingleses: “nós vivemos todo o estresse de uma guerra real. Nós esperávamos a cada minuto que um avião bombardeasse nossas cidades, nós estávamos em prontidão, sofrendo e vivendo todas as angústias das batalhas. Não é justo que nos abandonem agora”, afirma Luis Gianini, do Acampamento Toas da Plaza de Mayo, que representa mais de 400 ex-soldados.

Esse acampamento foi erguido há quatro anos exigindo o reconhecimento destes soldados, reivindicando que sejam incluídos no orçamento das aposentadorias. Todos os dias, a presidente Cristina os vê de sua janela, faça chuva ou faça sol. Mas, passado todo esse tempo nada foi conseguido, como se a governante fosse incapaz de ver e ouvir o clamor das famílias que se revezam no acampamento. O governo segue dizendo que os soldados que ficaram no continente não participaram da guerra e por isso não teriam direito. Para os manifestantes, essa posição é absurda e ninguém está disposto a desistir dessa luta.

Agora, na última semana, com a retomada do tema pela grande imprensa eles decidiram fazer uma manifestação na 9 de julho (principal rua de Buenos Aires), para que seus argumentos pudessem ser ouvidos, mas foram duramente reprimidos pela polícia com caminhões lança-água e bombas de gás. Vinte e quatro pessoas foram presas. Para os manifestantes, essa é só mais uma brutalidade do governo que já os pune por não reconhecê-los. Mas, isso não os fará calar nem desistir da luta. Nos últimos anos, os veteranos das Malvinas conquistaram aposentadorias bastante polpudas (cerca de 1.500 dólares) e esses 400 soldados que viveram todos os terrores da guerra, ainda que não tenham entrado em batalha, querem fazer valer seus direitos. “Para nós, muito mais do que o dinheiro é o reconhecimento. Nós estivemos na guerra, nós sofremos tudo aquilo e a nação argentina não pode nos excluir dessa triste página da história”.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Manifesto do Partido Comunista Sírio


Movimento de Libertação Nacional Árabe está firme na linha de frente da luta contra o imperialismo global.

A força reacionária que tem cometido os massacres contra a população síria, em estreita parceria com o imperialismo, é a organização da Irmandade Muçulmana. O Imperialismo e, sobretudo, sua força central, o imperialismo norte-americano, vem recebendo graves golpes dos Movimentos de Libertação Nacional Árabes, desde a agressão sionista de Israel contra o Líbano, em 2006, até as revoltas populares contra os regimes reacionários árabes, fiéis aos Estados Unidos e que mantêm relações estreitas com o sionismo, como os regimes egípcio e tunisiano, cujas peças principais caíram, mas, no entanto, os povos egípcios e tunisianos ainda têm muita tarefa pela frente para garantir e aprofundar sua libertação nacional e construir sua emancipação.Neste momento, o imperialismo global lança um feroz contra-ataque contra o movimento de libertação nacional árabe.

A face mais visível deste ataque, em termos de objetivos de expansão, é a agressão da OTAN contra a Líbia, em plena coordenação com os regimes árabes reacionários. Houve uma tentativa de encobrir esta agressão com uma poderosa campanha midiática cujos temas privilegiados foram: «espalhando democracia» e «direitos humanos».A finalidade principal da violação da Líbia e sua brutal pilhagem foi escorar a integridade do Império, que vacila sob a crise e as contínuas frustrações e derrotas.

O mesmo se pode dizer do crescente ataque, perfeitamente planejado, contra a Síria. Um país que tem uma posição clara contra o imperialismo e sionismo e seus planos expansionistas na região, um país que apóia os movimentos de resistência e de libertação, ao contrário de todos os reacionários regimes árabes, do oceano ao Golfo. Os países imperialistas, assim como os regimes autocráticos do Golfo, dedicam grandes recursos, usando os métodos mais insidiosos e sujos, para derrubar o regime sírio antiimperialista.O Partido Comunista Sírio tem avisando há muito tempo sobre este perigo. O relatório político da 11ª Conferência do partido, realizado no mês de outubro de 2010, declarou textualmente: «está se tornando cada vez mais claro que este ataque contra a Síria ―com seus múltiplos aspectos de pressão política, sabotagem, ameaças militares, econômicas e conspirações― tenciona realizar transformações radicais para mudar a face nacional da Síria, incluindo a derrubada do regime». A luta contra isto exige uma ampla aliança nacional e cujo principal objetivo é proteger e reforçar a soberania nacional'.

No que diz respeito à atual situação na Síria, cabe destacar os seguintes aspectos:
1 – Os planos do imperialismo e a reação interna para derrubar o regime sírio antiimperialista através de grandes rebeliões populares generosamente estimuladas pelos regimes reacionários do Golfo falharam, porque a maioria das massas populares, sobretudo nas principais cidades do país, não se deixou levar por esse. Muito pelo contrário, em Damasco, Alepo e muitas cidades sírias, houve manifestações de massa para condenar a conspiração e gritar contra o imperialismo, o sionismo e os árabes reacionários.

2 - Depois deste fracasso, as forças reacionárias passaram a operar novos métodos de caráter criminoso, tais como assassinatos seletivos, em alguns lugares, assassinatos coletivos de natureza sectária e atos de sabotagem (como colocar bombas em ferrovias e incendiar as fábricas, sobretudo as do sector público). É de suma importância destacar que os assassinatos seletivos são direcionados especialmente aos homens de ciência e cultura (pesquisadores, médicos, etc.), assim como os profissionais militares de áreas especializadas, e de grande experiência, como os pilotos; tudo isso com o objetivo claro de enfraquecer a capacidade de defesa nacional do Estado sírio. Os massacres coletivos perpetrados pelos terroristas têm sido indiscriminados, sem respeitar sequer as crianças, mulheres e velhos, de modo a provocar sentimentos de ódio e minar qualquer possibilidade de estabilidade.

3 - Em paralelo com a crescente pressão sobre a Síria, exercida há algum tempo pelos Estados e centros imperialistas ou por reacionários regimes árabes associados a estes centros, utilizando a Liga dos Estados Árabes, os reacionários árabes se movimentam em uma atividade frenética que dê um pretexto ao Conselho de Segurança e outros órgãos das Nações Unidas para tomar decisões agressivas com a cobertura da chamada “legitimidade árabe”, que é completamente falsa. Todos os regimes de Golfo apóiam generosamente todos os movimentos reacionários que estão operando na Síria.Turquia, braço da OTAN na região, desempenha um papel fundamental no exercício de todos os tipos de pressão sobre a Síria, desde políticas, passando pelas pressões econômicas, até o apoio explícito e direto às organizações armadas terroristas e sua hospitalidade aos chefes dessas organizações.

O regime da Síria adotou, após aprovação, muitas leis e regulamentos com o objetivo desejado pelo povo de expandir e consolidar as liberdades democráticas no país. Mas, essas aberturas se chocam com a rejeição dogmática das forças reacionárias. Estas forças estão tentando derrubar o regime, em colaboração com os infiltrados do imperialismo e do sionismo. Enquanto a Síria mantiver sua postura antiimperialista, os expansivos planos imperialistas terão muitas dificuldades para serem aplicados plenamente no Mediterrâneo Oriental, em particular o “novo grande projeto para o Oriente Médio”, ou, dito de outro modo, “o grande projeto sionista para o Oriente Médio”.

A posição do Partido Comunista Sírio é clara: lutar contra os planos imperialistas, respaldar o regime nacional e sua postura contra os planos do imperialismo, bem como defender as reformas democráticas, que em linhas gerais se aproximam do programa do nosso partido nesta esfera. Estamos, de igual forma, empenhados na luta permanente pelas mudanças radicais na orientação da economia liberal e em todas as leis que a protegem. Não esqueçamos nunca que estas forças ligadas a esta orientação econômica têm abonado e apoiado o trabalho sujo das forças reacionárias. Sua retificação fortalecerá a posição anticolonial da Síria e a aderência das massas a esta política.Ao se considerar a situação atual da Síria, temos de ter em conta que as ditas “forças de oposição” nunca foram e não são uma alternativa democrática. A força de choque reacionária é a organização da Irmandade Muçulmana, que tem cometido massacres em estreita parceria com o imperialismo e com os reacionários regimes árabes. Entretanto, liberais de todos os tipos são apresentados para encobrir, como uma cortina de fumaça, estas forças obscurantistas que atuam nas sombras.Preparamos nosso povo para qualquer eventualidade, incluindo a luta contra uma agressão militar. Estamos confiantes de que, se esta agressão se materializa, a Síria será um túmulo para os agressores. O povo sírio tem uma história, que é um acervo nacional, na luta contra o colonialismo.

Não foi à toa que um representante do imperialismo francês, Charles de Gaulle, um dia disse: "É uma ilusão pensar que se pode submeter a Síria".

Sim, a Síria não se ajoelha.

Associação de polícia grega exige a prisão dos que causam dano ao povo


Uma importante associação de polícia grega está exigindo que se emitam ordens de prisão contra os representantes da “troika” —BCE, FMI e UE— com acusação de “extorsão”, de “promoção encoberta de eliminação ou redução das políticas democráticas e da soberania nacional” e de “interferência nos processos legais essenciais” do Estado.

“Fiquem avisados de que, como representantes legítimos da polícia Grega, vamos requerer que sejam emitidas as ordens de prisão contra essa gente por uma quantidade de delitos que ferem a legislação e o Código Penal grego”, diz uma carta da Federação Pan-helênica de Oficiais de Polícia (POASY). Seus destinatários são Poul Thomsen, do Fundo Monetário Internacional (FMI), Servaz Deruz, da Comissão Europeia (CE) e Klaus Mazuch, do Banco Central Europeu (BCE).

O comunicado deixa claro que a decisão foi tomada num conselho geral ampliado da POASY e reflete a posição radical dos oficias de polícia no que diz respeito as pressões internacionais para que o governo implante políticas de arrocho.

A POASY exige “políticas programáticas que salvaguardem os interesses dos trabalhadores” e que os interesses dos “usurários” não sejam colocados por cima das necessidades básicas do povo. Também deixa claro que “sob nenhuma circunstância” os policias aceitarão ser utilizados contra o povo grego: “Não aceitaremos que nos coloquem para matar nossos irmãos”.

Um porta-voz da polícia grega consultado pelos jornais se recusou a referendar o comunicado da Federação, mas reconheceu que os comandantes têm conhecimento da carta e que a POASY tem muita influência entre os policiais.

A Justiça segue sendo cega, só vê os ricos

A história de mais uma injustiça, uma indignidade

Por Raul Bastos

Lucio Flavio Pinto é um jornalista de Belém do Pará que há quase vinte anos edita uma publicação chamada Jornal Pessoal. É um profissional excepcional e fonte obrigatória quando for ser escrita a verdadeira história da região, dos anos 70 para cá. Trabalhou, entre outros lugares, na Realidade, no Correio da Manhã e, por longos anos, no O Estado de São Paulo como principal repórter da região e coordenador geral da cobertura dos correspondentes da Amazônia. Nesse período teve vida acadêmica e deu cursos sobre a Amazônia em universidades dos Estados Unidos e da Europa.

O Jornal Pessoal ele faz sozinho, da apuração à edição. Não tem publicidade. Evidentemente o jornal luta para se manter. Mas esse é o menor problema da vida do Lúcio Flávio. O grande problema é a pressão sistemática que ele sofre dos poderosos da região por publicar matérias que denunciam indignidades e incomodam justamente os poderosos da região. Tentam calá-lo de várias maneiras, da intimidação à agressão e ele tem resistido bravamente.

Tentam sufocá-lo e calá-lo com 33 processos. Um deles está para ser concluído e tudo indica que poderá ser desfavorável.

Qual o "crime" do Lúcio Flavio Pinto?

O Lucio publicou denúncias comprovadas de que estava ocorrendo uma enorme grilagem de terras na região. Com isso impediu que o empreiteiro CR Almeida fizesse na Amazônia maior grilagem da história do Brasil. Em represália foi processado por CR Almeida sob a alegação de ter sido chamado de pirata numa das matérias do Lucio Flavio,o que julgou ofensivo. Foi indo, foi indo e agora, anos depois e por incrível que pareça, o caso está terminando assim: Com o CR Almeida não aconteceu nada.

Com o Lúcio, se avizinha uma condenação. Com essa condenação a perda da primariedade, uma porta aberta para a intimidação absoluta. Os amigos do Lúcio Flavio,entre os quais com muito orgulho me incluo, decidiram que ele não pode e nem vai ficar sozinho. Vamos batalhar para tentar esgotar todas as possibilidades jurídicas do caso. Vamos batalhar para que o caso ganhe espaço na imprensa e nas redes sociais. Vamos chamar a atenção da imprensa especializada e internacional para o caso. Vamos batalhar, se por acaso ocorrer o pior, para que ele tenha recursos para enfrentar a situação.

O objetivo deste email é dar conhecimento do que está acontecendo e da nossa disposição de não deixar continuar acontecendo. O objetivo deste email é pedir a sua ajuda. Primeiro, divulgando o que está acontecendo nos seu veículo de comunicação, na sua coluna, nos sites, redes sociais. Depois nos ajudando nas ações nas áreas das comunicações e mobilização que tomaremos diante de cada circunstância.

Para quem quiser mais informações do que aconteceu e do que está acontecendo ler o texto abaixo do próprio Lúcio.

O Grileiro vencerá?

Em 1999 escrevi uma matéria no meu Jornal Pessoal denunciando a grilagem de terras praticada pelo empresário Cecílio do Rego Almeida, dono da Construtora C. R. Almeida, uma das maiores empreiteiras do país, com sede em Curitiba, no Paraná.

Sem qualquer inibição, ele recorreu a vários ardis para se apropriar de quase cinco milhões de hectares de terras no rico vale do rio Xingu, no Pará, onde ainda subsiste a maior floresta nativa do Estado, na margem direita do rio Amazonas, além de minérios e outros recursos naturais. Onde também está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, para ser a maior do país e a terceira do mundo.

Os 5 milhões de hectares já constituem território bastante para abrigar um país, mas a ambição podia levar o empresário a se apossar de área ainda maior, de 7 milhões de hectares, o equivalente a 8% de todo o Pará, o segundo maior Estado da federação brasileira. Se fosse um Estado, a "Ceciliolândia" seria o 21º maior do Brasil.

Em 1996, na condição de cidadão, ajudei a preparar uma ação de anulação e cancelamento dos registros das terras usurpadas por C. R. Almeida, com a cumplicidade da titular do cartório de registro de imóveis de Altamira e a ajuda de advogados inescrupulosos. A ação foi recebida e todos advertidos de que aquelas terras não podiam ser comercializadas, por estarem sub-judice, passíveis de nulidade.


Os herdeiros do grileiro podem continuar na posse e no usufruto da pilhagem, apesar dessa decisão, porque a grilagem recebeu decisão favorável de dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado. Deve-se salientar que essas foram as únicas decisões favoráveis ao grileiro.

Com o acúmulo de informações sobre o estelionato fundiário, os órgãos públicos ligados à questão foram se manifestando e tomando iniciativas contra o golpe. O próprio poder judiciário estadual interveio no cartório de Altamira e demitiu todos os serventuários que ali trabalhavam, inclusive a escrivã titular, por justa causa.

Todos os que o empresário processou na comarca de São Paulo foram absolvidos. O juiz observou que essas pessoas, ao invés de serem punidas, mereciam era homenagens por estarem defendendo o patrimônio público.

A justiça de São Paulo foi muito mais atenta à defesa da verdade e da integridade de um bem público ameaçada por um autêntico "pirata fundiário", do que a justiça do Pará, com jurisdição sobre o território esbulhado. C. R. Almeida considerou ofensiva à sua dignidade moral a expressão, "pirata fundiário", e as duas instâncias da justiça paraense sacramentaram a sua vontade.

Mesmo tendo provado tudo que afirmei fui condenado. A cabulosa sentença de 1º grau foi confirmada pelo tribunal, embora a ação tenha sido abandonada desde que Cecílio do Rego Almeida morreu, em 2008.

Depois de enfrentar todas as dificuldades possíveis, meus recursos finalmente subiram a Brasília em dezembro do ano passado. O recurso especial seguiu para o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler, graças ao agravo de instrumento que impetrei (o Tribunal do Pará rejeitou o primeiro agravo; sobre o segundo já nada mais podia fazer).

Mas o presidente do STJ, em despacho do último dia 7, negou seguimento ao recurso especial. Alegou erros formais na formação do agravo: "falta cópia do inteiro teor do acórdão recorrido, do inteiro teor do acórdão proferido nos embargos de declaração e do comprovante do pagamento das custas do recurso especial e do porte de retorno e remessa dos autos".

A falta de todos os documentos apontada pelo presidente do STJ me causou enorme surpresa. Vou tentar esclarecer a situação, sabendo das minhas limitações. Não tenho dinheiro para sustentar uma representação desse porte. Muito menos para arcar com a indenização.

Desde 1992 já fui processado 33 vezes. Nenhum dos autores exerceu o legítimo direito de defesa. O Jornal Pessoal reproduz todas as cartas que recebe, mesmo as ofensivas, na íntegra. Todos foram diretamente à justiça, certos de contarem com a cumplicidade daquele tipo de toga que a valente ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, disse esconder bandidos, para me atar a essa rocha de suplícios, que, às vezes, me faz sentir no papel de um Prometeu amazônico.

Apesar de todas essas ações e do martírio que elas criaram na minha vida nestes últimos 20 anos, mantenho meu compromisso com a verdade, com o interesse público e com uma melhor sorte para a Amazônia, onde nasci. Não gostaria que meus filhos e netos (e todos os filhos e netos do Brasil) se deparassem com espetáculos tão degradantes, como o que vi: milhares de toras de madeira de lei, incluindo o mogno, ameaçado de ser extinto nas florestas nativas amazônicas, nas quais era abundante, sendo arrastadas em jangadas pelos rios por piratas fundiários, como o extinto Cecílio do Rego Almeida.

Depois de ter sofrido todo tipo de violência, inclusive a agressão física, sei o que me espera. Mas não desistirei de fazer aquilo que me compete: jornalismo. Algo que os poderes, sobretudo o judiciário do Pará, querem ver extinto, se não puder ser domesticado conforme os interesses dos donos da voz pública.

Decidi escrever esta nota não para pressionar alguém. Não quero extrapolar dos meus direitos. Decisão judicial cumpre-se ou dela se recorre. Se tantos erros formais foram realmente cometidos no preparo do agravo, o que me surpreendeu e causou perplexidade, paciência: vou pagar por um erro que impedirá o julgador de apreciar todo meu extenso e profundo direito, demonstrado à exaustão nas centenas de páginas dos autos do processo.

Terei que ir atrás da solidariedade dos meus leitores e dos que me apoiam para enfrentar mais um momento difícil na minha carreira de jornalista, com quase meio século de duração. Espero contar com a atenção das pessoas que ainda não desistiram de se empenhar por um país decente.

Belém (PA), 11 de fevereiro de 2012

LÚCIO FLÁVIO PINTO

Editor do Jornal Pessoal

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A luta contra a mineração no norte da Argentina

A violenta repressão às comunidades não é coisa só do Brasil, como pudemos conferir no desastroso despejo de mais de nove mil pessoas em Pinheirinho. Também em várias partes de “nuestra” América a luta social segue sendo caso de política, com ataques violentos, prisões e até mortes. Uma região que tem vivido dias de intensa mobilização e conseqüente repressão é o norte da Argentina. Lá, as comunidades lutam contra o desenvolvimento da mineração que chegou com força a alguns anos, provocando intensa destruição ambiental e humana.

Na semana passada o movimento contra as mineradoras saiu às ruas realizando um corte de estradas e foi reprimido com brutalidade, encerrando com um saldo de mais de 20 pessoas feridas. A população trancava a estrada visando impedir que os caminhões das mineradoras chegassem a Catamarca. O conflito se deu na estrada 60, que leva a mina Bajo de la Alumbrera ( que opera desde 1997, com capital estrangeiro aliado ao governo federal), detentora de uma dos principais reservas metálicas do mundo, próxima a cidade de Tinogasta, a 1.400 quilômetros de Buenos Aires. E esse foi apenas mais um protesto no bojo de uma série de manifestações que vêm sendo feitas contra a mineração a céu aberto na Argentina.

A manifestação na “ruta 60” estava sendo feita por ambientalistas e gente das localidades vizinhas que não querem mais saber de destruição. Mas, a força policial, aliada a jagunços dos mineradores não quiseram nem saber. Dispersaram o povo com bombas e balas de borracha, ferindo até crianças. O governo da região de Catamarca se defende dizendo que só cumpriu ordens da justiça porque não podia permitir que os caminhões, que contém carga tóxica, ficassem parados na estrada.

Na região de Catamarca os protestos têm sido constantes desde que a mina começou a funcionar, pois são visíveis os estragos que a mineradora provoca ao meio ambiente. Além disso, ela não cumpre o que havia prometido, que era de dar vida melhor ao povo do lugar. Pelo contrario. Há destruição da cordilheira e os lucros gigantescos que a mineradora aufere escorrem para fora do país.

Logo após o protesto e o desalojo dos manifestantes sob muita violência a presidente Cristina Kirchner declarou que será necessário exigir qualidade ambiental das empresas e pediu que os ambientalistas fossem também mais responsáveis, uma vez que o trabalho das empresas traz trabalho a milhares de pessoas. Essas declarações foram duramente rebatidas pelos manifestantes que não aceitam ser chamados de irresponsáveis. Quem é irresponsável é o governo ao permitir que essas empresas de capital estrangeiro destruam o ambiente e a vida das gentes. O fato é que, conforme denunciam as lideranças, a conversa de Cristina é para boi dormir. Ao mesmo tempo em que diz que é preciso rever os contratos ela deu liberdade total aos governadores para que sigam subscrevendo acordos de exploração com as companhias mineradoras.

A questão da exploração mineira na Argentina não é coisa de agora. Já há vários anos que os movimentos estão denunciando. Também na província de La Rioja a comunidade está mobilizada contra a construção de minas a céu aberto para retirada de ouro, prata e cobre. “Estamos voltando aos tempos da colônia, quando toda nossa riqueza sangrava para a Espanha. Hoje ela sangra para vários outros países e aos trabalhadores só resta a doença e a morte causadas pela forma de trabalho e pela brutal contaminação dos recursos naturais”.

A empresa canadense Osisko Mining Corporation, responsável pelas operações diz que a mina não causará danos ao ambiente, apesar de se saber que ela utilizará cianureto em toneladas, o que certamente haverá de contaminar o solo e a água que serve às comunidades. A proposta das mineradoras é explorar o cerro de Famatina, cujos glaciares alimentam todo o circuito hídrico da região andina de La Rioja.

Qualquer ambientalista sabe que a mineração a céu aberto é muito mais impactante que a feita de forma subterrânea. A produção de resíduos é bem maior e a paisagem é alterada de forma brutal. Os aqüíferos da região fatalmente são contaminados pondo em risco a flora, a fauna e os seres humanos. Gases, pó, ruídos, vibração da maquinaria e explosões também trazem prejuízos à saúde de todos, causando sérios problemas respiratórios aos trabalhadores e a população local.

Esse final de semana, na localidade de Algarrobo, Catamarca, aconteceu uma assembléia a favor das mineradoras, formada por alguns trabalhadores que temem perder os empregos. Eles argumentam que as denúncias dos ambientalistas não são reais, assumindo o discurso da empresa. Por outro lado, manifestantes se postaram na beira da estrada e denunciam que as empresas estão enviando jagunços armados para colocar medo nas pessoas e nos ambientalistas. A coisa ficou tensa e até os jornalistas foram impedidos de acompanhar a movimentação porque, segundo o pessoal das mineradoras, tem havido muita manipulação da informação. O certo é que as empresas estão fazendo o que lhes cabe: dividir a população para fazer com que tudo siga igual. De qualquer sorte, a estrada 40 ficou cerrada e a polícia não veio com toda a sua ferocidade retirar os manifestantes, até porque eram favoráveis às mineradoras, o que mostra os dois pesos e duas medidas.

Os trabalhadores que estão fechando a estrada que dá acesso a Andalgalá agem com intimidação, praticamente sitiando a cidade, e não permitem que nenhum morador com aspecto “hippie” se aproxime do lugar. Segundo os ambientalistas a polícia faz vista grossa aos gestos de intolerância e, na prática, está custodiando o movimento promovido pelas mineradoras, bem diferente da atitude tomada quando os protestos são contra as empresas poluidoras.

O fato é que essa é uma batalha que ainda não terminou e promete muita agitação na região norte do país.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O subcomandante Zizo







Eram cinco horas da manhã quando o conhecemos. Ele iria nos levar a Luxor para iniciarmos um passeio pelos templos do antigo Egito, desde ali até Aswan. À primeira vista, uma pessoa comum e, para todos os que ali estavam (éramos 10 pessoas) não passaria de mais um daqueles guias turísticos que parecem autômatos, dizendo um texto que decoraram sobre um detalhe ou outro do lugar histórico. Era uma coisa chata, mas não tínhamos saída, ninguém ali sabia falar árabe. Ao fim, o que se anunciava como uma tremendo maçada se revelou a melhor parte da viagem: conviveríamos por cinco dias inteiros com uma das pessoas mais incríveis do Egito.

Apresentou-se como Zizo e falava muito bem o espanhol. Desfiou um rosário sobre as regras do passeio, os horários e a lista das visitas. Parecia tranqüilo, mas já se notava que era quase obsessivo com a disciplina. O primeiro passeio que fizemos foi ao Vale dos Reis. E lá, já se percebeu que Zizo não era um guia comum. Falava da história do Egito com uma paixão e uma sabedoria incríveis. Sabia cada detalhe, do mundo antigo, do mundo moderno, da política, da religião. Mas não era aquela coisa decorada dos guias. Era um egípcio apaixonado que estava ali e um homem sábio.

Em menos de meia hora já sabia de cor o nome de todos no grupo e quando saíamos do vale, fez sua primeira confidência. Quando mais moço era um garoto introspectivo e muito estudioso, tanto que parecia fora do normal. Teve de ir ao médico por isso. E o psicólogo que o recebeu, de cara soube que ali não estava um cara comum. “Ele falou que no mundo as pessoas eram assim, 1/4, 1/4, 1/4. Que eu tinha sorte, porque não havia nascido partido. Eu era um inteiro”. Nós haveríamos de comprovar que sim.

Cada lugar por onde passávamos era uma aula de história, repleta de detalhes e impressões pessoais. Zizo contou que havia estudado muito a história do Egito, quatro anos de egiptologia, outros quatro de espanhol, mais uma vida a estudar o Corão. Seu destino era ser professor, para isso estudou. Mas, ao saber como agia a maioria dos professores no Egito, desistiu da carreira. “Aqui os professores ganham uma salário bem baixo do estado, então eles praticamente obrigam os alunos a terem aulas particulares, por fora. É aí que ganham dinheiro. Eu não poderia fazer isso. Jamais exigiria pagamento extra para ensinar. E com o salário de professor não dá pra viver. Então preferi ser guia de turismo. Era mais honesto”.

Mas, essa escolha lhe custou o primeiro amor. Disposto a se casar com uma moça do seu povoado, ele tentou conversar com o pai dela. Mas, o fato de ele ser um guia – coisa que o pretenso sogro não aprovava – pesou na balança e ele não conseguiu o casamento. “Aqui, a nossa cultura é assim. O namoro sempre é mediado por algum amigo ou familiar e, nos povoados, o pai ainda é quem decide sobre o futuro das filhas. Isso não é o Islã que dita, é o costume”. Aquela recusa lhe marcou a vida, mas, pouco tempo depois, disposto a tocar a existência, ele conseguiu encontrar uma esposa, que é psicóloga, a qual ama muito e que lhe deu dois lindos filhos, seu orgulho.

Os dias com Zizo foram intensos e cheios de alegria. Como um general de brigada ele comandava o grupo com mão de ferro. Ninguém podia atrasar um minuto e se alguém falasse enquanto ele dava as explicações, amarrava a cara e falava em árabe. Era certo que estava a vociferar contra os insubordinados, ainda que seus olhinhos apertados parecessem sorrir. Mas, ao final, tudo acabava em risos. O fato é que o grupo todo – formado por seis argentinos, dois mexicanos e dois brasileiros – passou a respeitar o Zizo de tal maneira que nenhuma regra era quebrada. Quando estávamos no barco, navegando, sem nada para ver, o comandante ditava a ordem: “As cinco, na hora do chá, vamos nos reunir para falar de cultura árabe”. E ninguém faltava. Enquanto outros turistas ficavam ao sol, na beira da piscina, o grupo de latino-americanos se reunia em volta do Zizo para ouvir suas histórias, as coisas da cultura e a verdade sobre o Islã. Aquele homem encantou a todos.

Seu amor pela religião que cultua e pela história do seu país eram coisas de tocar o coração. Ninguém ficou imune. “Aqui no Egito os pais ainda tem o costume de cortar o clitóris da mulher. É uma coisa horrível, mas isso não tem nada a ver com a religião. Não é culpa do Islã, é coisa do costume. E isso pode mudar. Eu tenho dois filhos, mas se tiver uma filha, não vou permitir isso”. No Egito, quase 95% das mulheres são mutiladas, e isso perdura até hoje. Sobre a religião, Zizo explicou cada coisa, cada pergunta, cada dúvida. Vê-se que é um homem crítico: O Corão foi escrito há muito tempo, mais de 1400 anos. Então há coisas que não podem mais ser vividas ao pé da letra. Por exemplo, se o profeta só viajava em camelos, era porque só camelos havia. Se seguirmos ao pé da letra então teríamos de seguir viajando de camelo. Há coisas que podem evoluir sem que se percam os princípios da fé”.

Sobre as mulheres e seus véus Zizo insiste que é uma questão cultural. “Eu acho muito mais bonito ver uma mulher de véu. Um ocidental pode pensar diferente. Não vejo onde isso interfere na liberdade. Uma mulher sem véu não é mais livre só porque está descoberta. Por exemplo, no ocidente, uma mulher sem véu não é também escrava dos padrões de beleza? Somos culturas diferentes. Se isso não for compreendido não tem como dialogar”.

No último dia no Nilo, quando todos já estavam completamente rendidos ao grande companheiro que era nosso guia fomos parar numa aldeia Núbia. Lá, tivemos aula de núbio e árabe, tudo sob o comando de Zizo, que inclusive escreveu o nome de cada um em árabe, para que pudéssemos aprender. Então nos surpreendeu revelando seu verdadeiro nome: eu digo Zizo porque é mais fácil para os estrangeiros entenderem, mas eu gosto mesmo é de ser chamado pelo meu nome verdadeiro – Abdel Aziz. Foi um momento de profunda emoção porque todos se davam conta que aquele que se expunha diante de nós não era mais o guia, o trabalhador que nos orientava, era um amigo. Ele nos confiava seu mais delicado presente: a identidade.

Aquela noite Abdel Aziz foi o centro das nossas conversas. Todos os companheiros estavam completamente tomados de amor porque aquele grandalhão disciplinador. A viagem adquiria outro caráter. Era como se estivéssemos caminhando com um velho amigo. No dia seguinte o grupo se dispersou e só fomos nos encontrar dias depois no Cairo. No reencontro, as reclamações: os guias não eram Abdel Aziz, nem dava para comparar. E quando o nosso amigo entrou na porta do hotel para o último passeio que faríamos juntos, foi uma gritaria geral. Ali estava Abdel Aziz, a quem já só chamávamos pelo nome real, para mais um dia de profundo encontro com a história e com a vida do Egito.

O final do dia marcou a despedida. Foi um momento de profunda comunhão. Sabíamos que desde agora, o Egito se concretizará no rosto e na delicada sabedoria de Abdel Aziz. Tudo que ocorrer naquele país que vive hoje sua revolução, nos tocará mais profundamente porque saberemos que lá estará nosso amigo a lutar por vida boa e bonita para todos. Ele já havia nos ensinado que os muçulmanos não têm o costume de abraçar, muito menos se o outro é mulher. Mas nós não poderíamos vir embora sem um longo e apertado abraço naquele homem especial. “Abdel Aziz, nós somos latino-americanos, o abraço é nossa forma mais profunda de demonstrar amor. E nós vamos te abraçar até quebrar os ossos”. Assim nos despedimos, eu, meu irmão e as duas companheiras argentinas, Cristina e Inês. Nós enchemos Abdel Aziz com abraços e saímos dali com lágrimas nos olhos.

No dia seguinte, já no avião vindo para casa, a gente se perguntava: onde estará agora Abdel Aziz? Quem estará a comandar com mão de ferro e coração de menino? Ele nunca mais sairia de nossa lembrança. E agora, nesses dias em que se vê na televisão os confrontos e conflitos que seguem no Egito, a primeira imagem que nos vem à cabeça é a dele. Sabemos que lá está, vibrando na mesma onda que toda aquela juventude, a exigir um Egito livre e feliz. Que Alá o proteja e o mantenha assim, um homem íntegro, simples, cheio de esperanças, amoroso e apaixonado por seu país.

Al Salam aleikon, Abdel Aziz!! Chukran, subcomandante...