quinta-feira, 24 de outubro de 2024

A Turma da Umbu









No sábado, dia 19 de outubro, reunimos a “Turma da Umbu” para o lançamento de um livro com nossas histórias, vividas na chamada década de ouro da televisão de Passo Fundo: os anos 1980. Num tempo em que as condições para produzir jornalismo e programação local em uma emissora do interior eram precárias e desafiadoras, um grupo de profissionais, vivendo seus verdes anos, arregaçou as mangas e fez história, inclusive dando vida a toda uma série de produções que mais tarde foram incorporadas pela RBS de Porto Alegre, como o programa de música nativista (Galpão Crioulo), a promoção da Garota Verão e até o hoje famoso Planeta Atlântida, entre outros. Também era ali, na TV Umbu, que a gurizada inventava as peças de propaganda mais criativas e os videoclipes famosos que faziam febre na época. Quase nenhuma tecnologia, mas muita ideia circulando na cabeça. 

A turma se desfez ao longo dos anos, mas nunca deixou de se comunicar. Até que, na pandemia, foi criado um grupo no uatizapi, onde as histórias daqueles dias foram rememoradas entre risos e lágrimas. Foi o que bastou para virar um livro. Um relato bem humorado daquela década em que a RBS inaugurou sua emissora em Passo Fundo e criou espaço para que toda aquela turma pudesse mostrar seu trabalho. Voltar ao velho prédio e rever os velhos amigos passou a ser uma meta e, finalmente, neste dia 19, aconteceu. Um momento estelar, de reencontro e de lembranças. Quase quarenta anos depois, estávamos juntos outra vez.  

Lembro que quando deixei para trás na TV Umbu, onde trabalhei como repórter, o caminho até ela parecia outro. Antes, o que se via, enquanto subíamos o morro que levava ao prédio onde se plantava a sede da televisão, era um imenso descampado. Agora já não havia vazios, só casas e mais casas. A entrada, pela Avenida Brasil, era totalmente desconhecida. O prédio também. Naqueles dias dos anos 1980 era uma construção branca, sem muros ou grades, destacando-se na paisagem em cuja mureta a gurizada ficava a fumar e tramar as noitadas de farra. Agora, murada, gradeada e com cerca elétrica, virou uma espécie de bunker. Sinal dos tempos. Para entrar precisamos chamar no porteiro eletrônico. Rimos, Bozó e eu, registrando que nos velhos tempos os cobradores entravam porta adentro, exigindo o pagamento das noitadas dos guris, sem passar por entregas. De, apenas o Seu Ivo, de revólver na cintura e sua cara bonachona. 

O portão aberto e na entrada estava o querido Milton Reimers, o técnico que cuidava da “porra toda”, responsável por manter tudo funcionando. Pois não é que ele ainda está ali, cumprindo 44 anos de casa. O mesmo sorriso, o mesmo carinho, o mesmo abraço. Disse-me depois que até hoje guarda a lembrança que deixei pra ele quando fui embora: um cartãozinho com o desenho de um gato e palavras amigas. Na recepção, nenhum sinal da bancada onde a maravilhosa Mara Cavalheiro cuidava da recepção. Chequei a vê-la, linda, com suas trancinhas de kanekalon, lixando as unhas enquanto comandava o telefone e organizava a entrada do povo, com sua risada inconfundível. Ela e a Indiora Crivelli eram as guardiãs da portaria e de todos nós.

Tudo parecia estar como antes, apesar da nova pintura e outras modernidades. A sala do Valmir Correia, onde eu ia contar dos amores e fofocar, o estúdio, o espaço do jornalismo, o salão de festas. Até no espaço do pátio onde ficavam os carros, se podia sentir a presença do Manão e do Seu Ângelo, que eram responsáveis ​​pelo jardim. Tudo ali evocando os bons fantasmas – dos nossos colegas que já partiram – e boas lembranças. O Pedro, mais sensível, nem quis ver o estúdio onde atuoso. Depois, mais tarde, deixou que as lágrimas rolaram sem freio ao lembrar-se da Angélica – colega já falecida - e de tudo que viveu ali naquelas paredes. 

O encontro foi o esperado, cheio de emoções. Cada um que está chegando passando pelo estalar de abraços e beijos, acompanhado de muita gritaria. Até o Lúcio Rodrigues (cinegrafista), hoje uma estrela da Rede Globo, apareceu, para a alegria de todos. Ele, que começou a carreira ali na TV, sempre é lembrado como um dos grandes profissionais que o Umbu deu à televisão. Muitos colegas já estão fora do mundo da comunicação, hoje participam em outras profissões como advocacia, negócios, arte. Outros seguem na empresa, como o Milton, o Paulo Souza, o Carlos Alejandro e o Arno Brinker. Este, que havia perdido o irmão no dia anterior, nosso querido Coroco, chegou quase ao final e foi recebido como um ídolo. Além disso, está ali na TV há mais de 40 anos e é uma referência para todos nós. É uma das pessoas mais queridas que já conheci. 

Tio também a presença de José Carlos Bortoloti, o primeiro apresentador da TV, o Paulo Ricardo e o Ipácio Carolino, vozes espetaculares da Atlântida, a Mara, hoje uma atriz de raro talento. Enfim, a gurizada toda, agora já na estrada dos sessenta, fez com que a gente pudesse se considerar, como há 40 anos, na nossa juventude rebelde, irreverente e criadora. E no salão onde protagonizamos festas de arromba, o tempo voltou atrás, revelando nossos dourados anos. Da porta, Amélia e Leonilda, como “donas” da cozinha, já em outro plano, com certeza celebraram também.    

Nesse clima o nosso livro foi distribuído para que as nossas antigas aventuras agora possam estar na cabeceira de cada um de nós, alimentando as lembranças e assim, concretizadas em palavras, para a eternidade. Não foi um lançamento público. É um livro para nós. Mas, certamente encontre caminhos para as bibliotecas locais, afinal, registre a história. Nosso carinho ao Pereira, Fonseca, Carlinhos e Carlos Alejandro, pela organização do encontro que, com certeza, revigorou a amizade que nasceu bem ali, naquele chão, e que resistiu ao tempo. Afinal, 40 anos é uma vida.

Viva a Turma da Umbu. 


terça-feira, 8 de outubro de 2024

Um ano do massacre palestino

Todos os dias a mídia mundial publica os números. Massacres e massacres se sucedem. As notícias aparecem como pequenas gotas, sem que se apresentem a visão do oceano. Ontem, dia 07 de outubro completou-se um ano, um ano inteiro de ataques de Israel contra o povo palestino. As ações mais violentas, selvagens e cruéis. Escolas bombardeadas, hospitais, pessoas em corredores humanitários, espaços de abrigo. Nenhum lugar é seguro. As bombas descem sem parar. Para os jornalistas da mídia comercial, Israel se defende. Uma versão invertida dos fatos. Os malvados são os “terroristas”. E é por isso mesmo que os números que crescem dia após dia não significam nada. 

Uma região inteira foi destruída, cidades, memórias. Já são 50 mil mortos diretos, 17 mil são crianças. Isso sem contar os que vão morrer depois, em consequência dos danos, num número que quase chega a 200 mil. Um ano inteiro de bombas e terror. Mas, ao que parece, esses números não tocam o coração de quase ninguém. Mergulhados na versão de Israel de que os palestinos não são gente, as pessoas assistem ao bombardeio na tela do celular como se fosse apenas um jogo de vídeo game. Já foi assim no Iraque, na Líbia, no Afeganistão. Os que tombavam, atingidos pelas bombas ou pelos tiros estadunidenses eram “apenas” árabes, não-seres, terroristas. 

Nas redes sociais também prolifera a versão de Israel, porque é a que é divulgada pelos Estados Unidos e toda a sua corja de bocas-alugadas. Israel se defende, dizem. Os árabes são terroristas desde criancinhas, insistem. E a massa informe engole, ávida, reproduzindo a exaustão o mantra do imperialismo. No Brasil vemos pessoas bramindo a bandeira de Israel como símbolo do cristianismo e da paz. Uma bizarrice abissal. Nessa gente as imagens das crianças queimadas e destruídas pelas bombas não provocam qualquer acontecimento. São pequenos terroristas, têm o que merecem. Nem mesmo a morte de brasileiros no bombardeio do Líbano provocou comoção. Entre os jornalistas tampouco se percebem olhos lacrimejantes como vimos durante meses durante a cobertura da guerra na Ucrânia. Ali eram “pessoas boas” morrendo. 

É incrível que tenha passado um ano. Um ano inteiro de bombas, massacres, terror. E os governantes do mundo salvou algumas abordagens – se mantiveram impávidos, apoiando as ações de Israel, esperando uma completa desaparição do povo palestino. Mesmo Lula, que faz discursos contra o genocídio enquanto segue negociando com Israel e não rompe relações políticas. Agora, que discursos contra é esse? Palavras ao vento. 

A Palestina foi invadida em 1948, a partir da criação artificial de outro estado promovido pela ONU. Não era uma terra sem gente. Milhares de famílias foram expulsos de suas casas. E depois disso, tantas outras foram sendo dizimadas ou banidas de seus lares enquanto Israel tomava o território. Terras roubadas, muros erguidos, ódios construídos. Então, se alguém está defendendo essa história, não é Israel. Israel é o agressor. Nenhum discurso bonito pode mudar isso. A informação está aí. Ninguém pode dizer que não sabe. 

Passou-se um ano. E praticamente o mundo todo é cúmplice.

Eu que não acredito em justiça dividida, espero que ela chegue pela mão do povo palestino que haja de resistir. A Palestina não ataca Israel. Ela resiste. Ela responde ao terror. Ela luta. 

Que viva o povo palestino!  


As eleições municipais 2024

Prefeito/empresário 


 As eleições legislativas são sempre uma conversa para o que virá no próximo pleito presidencial. No Brasil, país que tem mais de 217 milhões de habitantes e um colégio eleitoral de 156 milhões de pessoas e embate já nem é mais entre direita e esquerda, mas sim entre a extrema direita, os conservadores e em menor medida os liberais. Isso foi organizado na apresentação de candidaturas para prefeituras e Câmaras de Vereadores de 5.569 cidades. Propostas de esquerda não chegaram a 1% dos votos. O tom das eleições foi uma espécie de terceiro turno das presidenciais de 2022: bolsonarismo ou lulismo. E como já era esperado, foram as candidaturas mais à direita que acabaram vencendo em quase todo o país.  

Os partidos que formam o chamado “centrão”, PSB, MDB, PP e União Brasil abocanharam 54% das prefeituras (mais de três mil municípios), com o PL (partido de Bolsonaro) e os Republicanos (ligados à Igreja Universal) registrando significativamente alta . O PT ficou como a nona força política e o PSDB registrou queda. O PDT foi o que mais caiu. Isso significa que a disputa é centrada no espectro da direita, com o avanço cada vez mais expressivo dos evangélicos, que crescem em mais de 100%. 

Santa Catarina se consolidou como o segundo estado mais bolsonarista do país, garantindo 90 prefeituras para o PL, fora as que foram conquistadas em parceria ou aproveitando possível apoio do “mito”. São Paulo foi o estado onde o PL mais prefeituras eleito: 102.

Florianópolis não fugiu a regra, elegendo Topázio Neto (PSD) já no primeiro turno com 58% dos votos, mostrando que diante de um possível segundo turno com Marquito (PSOL) a direita preferiu unir as forças, deixando a ver navios candidatos como Dário Berger e Pedrão, que também representavam frações da classe dominante. Quase 11 mil votos nulos e oito mil votos em branco também demonstraram a completa insatisfação de parte dos florianopolitanos diante da política atual e do processo eleitoral. Topázio teve o apoio seguro do atual governador bolsonarista Jorginho Mello, bem como de todas as frações do empresário, visto que a proposta é continuar vendendo a cidade, o que garantirá altas taxas de lucro.

Na Câmara de Vereadores tampouco qualquer surpresa. Figuras anônimas, mas pródiga em recursos, como o candidato Gemada, do PL, vitória elevada, e políticos envolvidos em corrupção, como o Gui Pereira, também. A chamada esquerda local – PT e PSOL – conseguiu aumentar a bancada em um vereador, tendo agora cinco. O PT, que já tinha Carla Ayres, ganhou reforço com a entrada de Bruno Ziliotto, de forte militância sindical, uma representação sincera de trabalhadores. Já o PSOL manteve Afrânio Boppré e elegeu Ingrid Sareté-Mawé e Camasão, candidaturas vinculadas a causas. A maioria da casa, obviamente, será totalmente favorável ao prefeito, sendo PL e PSD os que garantiram maior número de cadeiras. 

O fato é que esta campanha foi caracterizada pela falta de grandes projetos de transformação e pela timidez da esquerda em assumir um discurso de classe. E, diante disso, é o radicalismo proto-fascista que avança, porque na direita a classe vem em primeiro lugar. A classe dominante se protege, se junta e garante a sua perpetuação, sempre alavancada no poder do dinheiro.  

No caso da nossa aldeia é bom saber que o Topázio não está nem aí para a política. Ele é um homem dos negócios, do bussines. Não estará nem aí para participação popular, para os dramas da população. Vai passar um montado boiada no bonde do cimento.

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

No futebol, a moral não se cria


No cabaré da bola tudo o que é ilegal e imoral é motivo de festa e alegria. Quem rouba é tratado como rei. Ali vale tudo. É uma ilha de fantasia. Já vimos gente cheirando todas, mandando não tomar vacina e dizendo que a terra é plana. Os que estão de fora não entendem nada. Agora temos um novo patrocinador. A cachaça 51. E ainda tem as BETs. Uma festa.  Comentário de Nilso Ouriques, no programa Campo de Peixe, da Rádio Campeche. (28.09.2024). 




quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Da informação e da fé



Quando eu era adolescente e ouvia sobre o nazismo nas aulas de história eu sempre saia estupefata. E me perguntava, repetidas vezes: como as pessoas puderam permitir? Como os alemães puderam realmente acreditar nas bobagens ditas por Hitler sobre pureza de raça e sobre a necessidade de exterminar judeus, ciganos, comunistas?  A resposta que me parecia mais plausível era de que a maioria deles não sabia o que estava acontecendo, provavelmente eram enganados com mentiras e não havia meios que pudessem divulgar sobre aqueles crimes. Faltava informação. 

Hoje, vendo o que acontece na Palestina, com a informação saltando na palma da mão a cada segundo, consigo perceber que não era falta de informação. Era fé. De alguma maneira aquele tipo perverso que era Hitler conseguiu encantar o povo alemão e eles o seguiam baseados na fé. Ou seja, nenhuma informação ou argumento racional podia romper aquele casulo. Nos dias de hoje, quando me deparo com um cara usando uma bandeira de Israel na sua motocicleta, na minha cidade, milhares de quilômetros distante daquele malfadado e artificial país, dou-me conta que nenhuma informação pode penetrar naquele corpo fechado pela fé. O cara nem é judeu, mas acredita piamente que Israel é o país do povo eleito porque quem disse isso foi algum pastor ou então o boneco escroto que um dia foi presidente. Ele crê e basta. 

Nos dias que correm, Israel, além de destruir Gaza e dizimar o povo palestino, decidiu agora atacar o Líbano. E toca a mandar bombas para aquele país argumentando que o faz para se defender dos “terroristas” que vivem lá. Ora, é óbvio que isso é uma mentira. É óbvio que tudo o que Israel quer é enfraquecer qualquer possível aliado dos palestinos. Isso é guerra. E guerra se faz assim, com mentiras, incitando um povo contra o outro. Algo tão antigo quanto o mundo. Também é obvio que as lideranças do mundo ocidental sabem muito bem qual é a intenção de Israel, bem como sabem que ter Israel como aliado é bom para os negócios. Então, danem-se as pessoas. Danem-se as crianças morrendo como moscas, danem-se os árabes terroristas. Onde puder florescer os dólares, lá estarão no apoio. Nunca serão julgados como o que são: criminosos. Mas, as pessoas comuns, como esse cara em Florianópolis com a bandeira de Israel, realmente pensa que tudo isso é uma cruzada humanitária contra os “demônios”. Ele acredita e ponto final. Nenhum argumento contrário balançará sua fé. 

Dias há em que o desespero bate forte. Tanta impotência nos põe doentes. De útil tenho apenas as palavras e elas não são chave para abrir a caixa da ignorância reforçada pela fé. Mas, como bem diz o professor Nilso Araújo de Souza, temos de seguir denunciando e lutando para mudar as coisas. É o que nos cabe nesse mundo estranho, ainda que pareça ser a tarefa de Sísifo, empurrando uma pedra que, sabemos, voltará a cair... 


terça-feira, 24 de setembro de 2024

Coroné sabe: quem planta colhe


Hoje vamos falar dos jornalistas esportivos. A maioria, não todos, é paga pelos coronéis para escrever e falar. É o cartolão quem define como pautas. E o coronel sabe: quem planta, colhe. E o que é plantado? Só abrobrinhas. Nada crítico. Fofocas e sensações. Antigamente não era assim. Tínhamos gente boa falando de futebol. Comentário de Nilso Ouriques no Programa Campo de Peixe, da Rádio Comunitária Campeche. (20.09.2024).

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Euzinha


Remexendo as gavetas achei essa foto do aniversário de um ano do meu irmão, o que está nos braços de minha irmã mais velha, Nara. Encantei-me com essa guriazinha fazendo um muxoxo, de olhos tão graúdos. Imagino eu que estava louca para que acabasse o bochicho das fotos para comer os docinhos. Gostei tanto de vê-la que divido com vocês. Não. Não sinto saudade dela, porque continuamente a sinto viva em mim com esse mesmo olhar de “vai demorar muito, é?”. 



terça-feira, 17 de setembro de 2024

TV Bordel



Segue a festa no Cabaré da Bola. Esse lugar de pecado e  proibido. Mas, porque então ele é tão desejado pelos homens? Porque reúne a paixão e o encantamento pela bola e a liberdade. Só que ele tem uma ideologia  fantástica: um bordel de TV. E é aí que o futebol entra na sua sala, enquanto os homens se divertem no cabaré. Ali se soltaram os demônios e só sobreviveram os fortes. Comentário de Nilso Ouriques no Programa de Campo de Peixe da Rádio Campeche. (14.09.2024)


sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Vitrine da Carne



A selecinha ganhou do Equador e houve festa no Cabaré. Afinal, cada vez que a seleção vence um jogo abre-se a cortina de um leilão para a venda de jogadores. É o mercado que alimenta os barões da bola. É uma vitrine da carne humana. Comentário de Nilso Ouriques no programa Campo de Peixe, na Rádio Campeche. (07.09.2024).


quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Quem são os donos do cabaré


Sou vizinho do cabaré da bola e espio pelas frestas para ver o que acontece. Vejo a festa dos donos da maior empresa de jogadores do planeta, capatazes dos pé-de-obra. Observo como eles mandam e desmandam em todo o país. Mandam nos clubes e na seleção brasileira e embolsam imensos lucros. Conheça quem são. Comentário de Nilso Ouriques, no Programa Campo de Peixe da Rádio Comunitária Campeche. (24.08.2024)

As precursoras do Curso de Jornalismo da UFSC


O Curso de Jornalismo completa 45 anos e realizou ontem uma atividade de celebração, convidando as professoras que começaram essa caminhada. Um momento mágico rever essas mulheres maravilhosas que foram decisivas na minha formação como jornalista. Todas elas, de alguma maneira, foram expulsas do curso porque não caminhavam na estrada do chamado jornalismo tecnicista. Viveram um expurgo cruel porque estavam mais vinculadas a uma proposta cultural, ou literária, ou humanizada e o curso queria ficar mais “profissional”, mais “técnico”. 

Lembro bem, quando ainda estudava, das conversinhas de corredor falando mal das aulas de algumas delas, porque davam muita teoria, ou porque falavam de assuntos que não tinham “nada a ver” com jornalismo. Ora, o nada a ver era a discussão da arte, da cultura, da literatura, do simbólico, elementos que são fundamentais para a formação de um jornalista, para que seja capaz de ler o mundo com mais competência. Neila Biachin, Aglair Bernardo, Sônia Maluf, Carmem Rial e minha adorada mestra Gilka Girardello pavimentaram um caminho que se descortinou extraordinário. Na época em que cursei jornalismo tinha o grupo dos “políticos” e o dos “culturais” e havia essa rivalidade boba, tão redutora, que depois evoluiu para a perversidade. 

Por sorte conseguimos conviver com essas mulheres generosas e criativas, fora das caixinhas da normose. Como mulheres foram particularmente ridicularizadas e sofreram inúmeras violências. Mas, alguns homens também tiveram sua cota de sofrimento, como foi o caso do Henrique Finco, do Mauro Pommer, que também faziam parte do grupo dos “culturais”, e eram igualmente professores instigantes e criadores. E até o Sérgio Weiggert, que era da turma dos “políticos”, sofreu na mão de alguns perversos, tirado como louco. Um gênio, que abriu mundos em nós. Eu mesma tenho ele e a Gilka como minhas referências eternas  - mudaram meu rumo. 

Ontem vendo aquela mesa bonita, com aquelas mulheres corajosas, que a despeito de tudo que viveram ali, seguiram seus caminhos construindo maravilhas, me emocionei demais. Que bom que a turma do curso de hoje teve a coragem de trazê-las e prestar essa homenagem. O passado não se apaga, foi duro e triste, mas o presente mostra claramente o tamanho da contribuição destes professores  - mulheres e homens – que nos guiaram pelo labirinto do fazer jornalístico. Eu os reverencio e os honro! E agradeço por ter tido a sorte de tê-los no meu caminho...

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Levantes na África


Nos últimos meses temos visto na imprensa notícias esparsas sobre golpes e revoltas em países da África como o Mali, Niger e Burkina Faso, que já foram colônia da França e ainda estavam sobre seu domínio econômico e cultural. As informações são totalmente desprovidas de contexto e – no que tange a grande mídia – eivadas de mentiras e preconceitos. Buscamos então trazer uma boa análise sobre a realidade daquela região da África para que se possa entender o que acontece, de fato, por lá. 

Há que se ter em conta que o continente africano foi retaliado pelas grandes potências e explorado sistematicamente até os anos 1960, quando então começaram a ser vitoriosos os movimentos de libertação. Desde aí, as movimentações populares na região para garantir soberania têm sido frequentes, visto que tantos os Europeus como os Estados Unidos seguem com suas garras afiadas sobre o continente. Neste vídeo o jornalista e professor Pedro António dos Santos, que é natural da Guiné Bissau, faz uma robusta análise sobre os movimentos que hoje se consolidam no Mali, no Niger e em Burkina Faso, trazendo também o contexto das lutas.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

O assédio moral é um projeto



Foto: Patrícia Krieger

O Sintufsc trouxe o professor e educador popular Emílio Genari para conversar com a categoria sobre o assédio moral, uma vez que o final da greve acabou por expor essa terrível chaga que atualmente dilacera os trabalhadores. Foi um momento bastante importante de reflexão para que os trabalhadores possam compreender qual o papel do assédio neste momento específico do modo capitalista de produção. 

Genari deixou claro que até pouco tempo o assédio moral era algo bastante pontual. Acontecia aqui e ali. O mais comum era a figura de um chefe autoritário capaz de cometer alguma violência verbal. Mas, com o passar do tempo, o que era uma violência ocasional passou a se conformar num projeto de controle dos trabalhadores. Segundo ele, o assédio moral é hoje parte da lógica do capital. É preciso pegar um trabalhador “para Cristo”, uma vítima em potencial, para desmontar e desestimular qualquer ação reivindicatória ou de protesto. “Hoje, os chefes são treinados para assediar moralmente, para desintegrar o trabalhador”. Assim, o trabalhador assediado vira um exemplo e faz com que os demais busquem distância daquela “morte em vida”. Um jeito bastante eficaz para evitar qualquer rugosidade no ambiente. 

Genari mostrou que os tempos atuais são geridos por um individualismo exacerbado. O sentido de comunidade e de pertencimento a um grupo foi esmigalhado. O sistema precisa que o trabalhador atue na solidão, sem criar laços. “Até pouco tempo, se um trabalhador era agredido ou assediado, logo os demais colegas se levantavam em protesto. Hoje não. A pessoa sofre sozinha e o colega finge que não vê. Isso destrói a pessoa completamente”. Ele deixou claro que a única saída é definitivamente desmontar essa prática na ação coletiva. Daí a importância do sindicato. Ressaltou que a batalha contra o assédio não passa por cartilhas nem por discursos, mas sim pela construção de uma resposta efetiva contra esse projeto do capital. 

O que ficou bastante claro é a necessidade de se compreender a trama urdida pelo capital para melhor controlar o trabalhador e recusar, de maneira prática, essa receita. Para isso há que se recuperar o sentido de coletivo, de comunidade, de solidariedade. Um trabalhador assediado precisa ser imediatamente protegido pela ação dos demais colegas. Daí também o cuidado que é preciso tomar com relação aos projetos de organização do trabalho que vão sendo apresentados pelo sistema e assumidos sem crítica. Um bom exemplo é a lógica do trabalho remoto. Sozinho, em casa, sem o olhar do colega, o trabalhador é uma presa em potencial do assédio moral. 

Agora, mais do que nunca, mais do que a denúncia sistemática desta violência cotidiana é preciso reordenar o sentido de comunidade. Um desafio e tanto que passa por compreender nos seus mais recônditos espaços, o sistema capitalista que domina e explora o mundo. 


domingo, 18 de agosto de 2024

O cabaré e as eleições


O brasileiro ama o futebol. Somos a pátria de chuteiras. E os donos do cabaré da bola ficaram mais fortes com a televisão. A bola tem mais audiência que as novelas. E esse povo precisa da TV para aumentar a bancada da bola no campo da política. Observem onde está o dinheiro e onde  estão os donos do cabaré na vida do esporte em Santa Catarina. E quem são os candidatos do cabaré nestas eleições de 2024? Liguem-se! Comentário do professor Nilso Ouriques no Programa Campo de Peixe, na Rádio Comunitária Campeche. 

Eleições em Florianópolis

Marquito e Cláudia


A sexta-feira passada deu a largada para a campanha política. É o tempo de eleger prefeitos e vereadores. Abre-se assim a caixa de Pandora, com as campanhas mais bizarras que se pode ter. Nenhuma novidade, sempre foi assim, mas, agora, com as tais das redes sociais, o alcance das propostas é bem maior. De certa forma, não muda nada, porque a maioria das pessoas está obnubilada pela sensação. Pouco importa o teor das propostas, a viabilidade delas, a verdade ou a mentira que escondem. O que vale é a melhor “performance”. O candidato tem de dançar, cantar, sapatear, escalar montanhas, atravessar canais, ter a postagem mais produzida no instagram, o vídeo mais descolado no tiktok. E aquilo que deveria ser um importante momento da democracia acaba sendo a explicitação da ditadura do capital. Afinal, quem tem mais recursos fatalmente terá o melhor desempenho nas redes. Também é bom lembrar que nem tudo é definido pelas novas tecnologias de comunicação, a boa e velha técnica da compra do voto igualmente faz seu estrago. Assim que a tal da “festa democrática” perde sua cor.

Em Florianópolis as pesquisas corroboram isso. Nunca uma prefeitura esteve tão envolvida em escândalos de corrupção com a polícia batendo quase todos os dias na porta de vereadores e secretários. Ainda assim, o atual prefeito lidera a intenção de voto. É que ele é bom de tiktok, dizem Pouco importa que o posto de saúde não atenda, que as escolas caiam aos pedaços, que o transporte coletivo seja uma droga e que não haja moradia popular. O bonde do cimento segue erguendo prédios e a turma acha isso bem legal.

No campo da esquerda não foi possível construir uma Frente. PSTU sai com chapa pura, com Carlos Müller. O PT decidiu sair em cabeça de chapa, com Lela, buscando, com alguns aliados, crescer à sombra do Lula. É incrível que acreditem nisso. A impressão que dá é que não estão preocupados com a cidade, mas apenas com o partido e sua performance. O PSOL, que tem o candidato com maior alcance eleitoral perdeu apoios que se colaram ao PT e teve de encontrar saídas dentro de sua própria bolha. Marquito tem um perfil bem marcado junto a questões ambientais - o que é importante para uma cidade como Florianópolis - e sua vice, Cláudia Barbosa, é ligada ao campo da cultura. Resta agora saber se conseguirão abrir-se às pautas que encarnam as demandas mais urgentes da população. Caso permaneçam no circuito das pautas pequeno-burguesas, não terão chance.

O grande desafio é conseguir trazer à tona - com propostas viáveis - os desejos da maioria, que se expressam na necessidade de uma saúde pública que não cause tanto sofrimento ao usuário, num transporte coletivo rápido, eficiente e à serviço da população, na possibilidade de morar com dignidade, numa educação de qualidade.

No que me diz respeito, ainda que reconheça os limites e as debilidades, assumo a campanha do Marquito e da Cláudia, do PSOL. Marquito foi vereador, conhece a cidade. Cláudia foi trabalhadora da prefeitura por décadas, conhece as entranhas da máquina. Torço para que a campanha cresça, abraçando as demandas factíveis da cidade, sem o papo liberal de desenvolvimento sustentável. Não há sustentabilidade no capital. É claro que um prefeito de uma cidade carcomida pelo cimento terá grandes desafios e precisará negociar com a classe dominante, mas é possível inverter prioridades como um dia fez a Frente Popular, com Grando e Afrânio.

Sei que as eleições não mudam a vida, mas elas são um momento rico de debate sobre a cidade e trazem alguma esperança.



sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Não há limites para o capital


Foto: Ricardo Bufolin/CBG

No Cabaré da Bola os que mandam e exportam pé-de-bola deram uma parada no furdunço para ficarem de olho nas Olimpíadas e se surpreenderam com as vitórias dos atletas negros. Ah, deve ser dom, deus ou sorte! Será?  Encerradas as Olimpíadas os olhos se voltam para a mansão do Messi, que foi pichada por ambientalistas. Pois até os presidentes dos países (Argentina e Espanha) se envolveram na coisa. Bueno, não há limites para o capital. Ouçam o novo episódio do Cabaré da Bola, com Nilso Ouriques, no Programa Campo de Peixe, da Rádio Comunitária Campeche. (10.08.2024)


segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Torcedor, um consumidor de ilusão


Enquanto tu sonhas com o amor ideal, o cabaré da bola está lotado de amores vãos. Ainda assim, o amor sem medidas ao futebol gera o maior tesão, um tesão popular. Na vida, as pessoas vibram por seus ídolos que, por sua vez, vivem à larga no cabaré. É corrupção, é traição, é o assalto ao estado, e também uma espécie de trampolim para a política, espaço dos ricos. Os pobres só espiam pelas frestas, esperando ser como seu ídolo. Ouça mais um episódio do cabaré da Bola, com Nilso Ouriques.




Os tempos atuais



Está difícil entender o mundo. E, paradoxalmente isso acontece num tempo em que o que mais circula é a informação. O advento das redes sociais permite que qualquer pessoa munida de um celular possa disseminar informações em fração de segundo e para milhões de pessoas. O que menos importa nesse caso é a verdade dos fatos. O que vale é a versão. E, no geral, o que mais sucesso faz são as mentiras, armações, falsificações e sensações desprovidas de contexto. Vale tudo por um joínha, o dedo em positivo, o coraçãozinho.

Essa desvairada caçada de seguidores ou cliques tornou o mundo um lugar difícil de ser compreendido já que a leitura apurada, a análise complexa, o texto totalizante são coisas que perdem de goleada diante da informação ligeira que tem como base coisa nenhuma além do “é o que eu acredito” dos escreventes. Não bastasse isso a dissociação cognitiva causada pelo excesso de rolagem de inutilidades no celular leva as pessoas a não entender o que está dito, fazendo com que misturem alhos com bugalhos. 

Nesse universo turbulento quem ganha a guerra do discurso é o nosso velho conhecido sistema capitalista de exploração do mundo e das gentes. Quanto mais despreparadas estiverem as cabeças, mais fácil dominar.  Não é sem razão que impera no mundo a lógica liberal, mesmo na chamada esquerda. Tenho visto, estupefata, gente conhecida, lutadores sociais, jornalistas, políticos, assumirem posturas inimagináveis como, por exemplo, acreditar que a atual vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, possa ser um grande avanço para a democracia no mundo visto que é mulher, negra e pode tornar-se presidente do império. É aterrador, porque, inclusive, não se pode alegar desconhecimento. 

O Partido Democrata é uma máquina de guerra e atualmente apoia e financia um genocídio. Como Kamala pode ser um avanço para a democracia? De que democracia fala essa gente, por deus? O fato de ser negra e mulher é suficiente para que aceitemos uma dirigente que aplaude e promove o massacre de crianças no Iêmen, na Palestina, na Somália e em tantos outros espaços onde os EUA intervêm? 

Tivemos na Universidade Federal de Santa Catarina uma situação aberrante também quando uma Cátedra que leva o nome da primeira deputada negra do estado, Antonieta de Barros, se manifesta publicamente alegando que quem defende o povo palestino é racista e antissemita. O que é isso, minha gente? E quem assina a nota são pessoas que estudam, que têm conhecimento sobre a realidade. Como explicar isso senão observando que é a defesa de uma ideologia? Ideologia de direita, de defesa do capital. 

Agora a bola da vez é a Venezuela. Num átimo estamos cheios de comentaristas sobre o país irmão, do qual não conhecem nada além do que reproduz a Globo, a Record ou as redes sociais. É uma infinidade de bobagens que nos avermelham a cara, não por comunistas, mas por vergonha. Desconhecem a história, não compreendem a geopolítica, ignoram os fatores locais, surfam unicamente na aparência, e caso sejam confrontados com uma análise mais aprofundada, a reação é não ouvir, não ler, não dar bola. “Vi no instagram, me mandaram no uatizapi” solapam anos e anos de estudo sobre dada realidade. É desesperador. 

Diante deste turbilhão nos resta seguir. Tudo o que temos é a luta contra o capital que tudo esmaga, inclusive a capacidade de raciocinar. E para isso, seguiremos estudando, observando as entranhas do monstro e das vítimas, analisando o que se esconde, sempre numa perspectiva crítica é claro, porque o estudo em si, sozinho, não garante nada também. Uma hora dessas vem um novo pachakuti. É o que me mantém no prumo! P´alante! 



segunda-feira, 29 de julho de 2024

Desvelar o que se esconde


 Mais um episódio do Cabaré da Bola. Há uma necessidade urgente de refletir o futebol brasileiro e latino-americano. E no cabaré da bola acontecem coisas que ninguém pode saber. Há ali uma filosofia clara: o que acontece no cabaré, fica no cabaré. A proposta desta série de áudios é mostrar tudo o que acontece nesse imenso e obscuro edifício. As sombras e as luzes. Comentário de Nilso Ouriques no Programa Campo de Peixe, da Rádio Comunitária Campeche. (27.07.2024)


segunda-feira, 22 de julho de 2024

Cabaré da Bola

Arte: César Oliveira

 Há 18 anos comando um programa de rádio na Comunitária do Campeche trazendo notícias, análises e entrevistas sobre a conjuntura local e nacional. Há quatro anos iniciamos uma parceria com o sociólogo, escritor e professor Gilberto Felisberto Vasconcellos e transmitimos, todos o sábados, o seu arquivo de áudio com discussões sobre política, cultura e sociedade no projeto “Modo de Produção Acústico”. Agora, a partir deste mês de julho começamos nova parceria, desta vez com o professor Nilso Ouriques, estudioso do futebol e do esporte. 

O projeto chama-se  "Cabaré da Bola" e foi inspirado justamente no Giba, que há muitos anos escreveu um livro chamado "Cabaré das Crianças", para falar dos programas infantis da época. Nilso busca essa figura de linguagem para realizar uma análise criteriosa e sistemática sobre o futebol brasileiro. A ideia é também, todos os sábados, apresentar algum tópico relacionado a vida do futebol, tratando de jogadores, cartolas, contratos, política do esporte, economia, cultura, etc...

Nesse primeiro episódio que foi ao ar no dia 20 de junho Nilso Ouriques explica como surgiu a ideia do Cabaré e como o projeto irá se costurando a partir dos programetes para finalmente virar um livro sobre o tema. O editor César Oliveira, da Editora Pébola - livros de futebol, também já está integrado ao projeto esperando a obra. 


sexta-feira, 19 de julho de 2024

Pobres e Nojentas lança mais um volume da coleção Jornalismo no Coletivo







Organizada pela jornalista Miriam Santini de Abreu a coleção “Jornalismo no Coletivo” trouxe à luz mais um volume. Trata-se do livro “Jornalismo e Comunicação Sindical em Santa Catarina” que apresenta vários artigos de jornalistas com destacada atuação nos sindicatos. O trabalho traz reflexões importantes sobre o fazer jornalístico num tempo de profundas mudanças, tanto no jornalismo como no sindicalismo. A proposta da coleção é justamente discutir o jornalismo nas mais diversas realidades, tanto que o primeiro volume apresenta as experiências do jornalismo independente em Santa Catarina e o segundo traz o debate sobre o jornalismo ambiental. Conforme explica Miriam, a ideia é eternizar as práticas jornalísticas vivenciadas no estado e as experiências de jornalistas em particular que atuam a partir do olhar crítico. Num momento da história em que a informação é oferecida aos borbotões e sem contextualização nas redes sociais, apontar o caminho do jornalismo ainda parece ser a estrada mais segura. 

O terceiro volume da coleção foi lançado nesta quarta-feira, dia 17, e contou com a presença de muitos colegas da profissão, além de amigos e apoiadores do jornalismo praticado pela Pobres e Nojentas desde que surgiu a sua primeira produção no início dos anos 2000. A Pobres, que começou seu trabalho como revista impressa, hoje se expressa no mundo digital a partir de sua página na internet, mas insiste em manter as publicações impressas sempre debatendo o melhor do jornalismo e discutindo criticamente a vida política da cidade. 

O coletivo Pobres e Nojentas mantém também o projeto “Repórteres SC”, que eterniza, em vídeo, a memória e o fazer jornalístico dos profissionais que marcaram a história do jornalismo no estado. 


domingo, 14 de julho de 2024

A reforma tributária é ruim para os trabalhadores

Foto: Felipe Maciel Martínez

Entrevista com o professor Nildo Ouriques analisando a primeira regulamentação da Reforma Tributária proposta pelo governo Lula. Segundo ele não há benefícios para os trabalhadores e apenas atende a várias frações do capital. (Programa Campo de Peixe. 14.07.2024).




Como a cidade cuida de pessoas em situação de rua



Entrevista com Denilson Machado, que tem uma larga caminhada no trabalho com pessoas em situação de rua e que atua junto ao Instituto Arco Íris na intenção de garantir dignidade a estas pessoas que em Florianópolis já alcançam o número de três mil. Ele também fala sobre a ação da prefeitura, que não consegue oferecer respostas para essa população. (Programa Campo de Peixe. 13.07.2024).



sábado, 13 de julho de 2024

O maior crime do século XXI


Entrevista com o professor de História Waldir Rampinelli sobre o massacre do povo palestino pelo estado de Israel. (Programa Campo de Peixe. 13.07.2024).

Seleção Brasileira e o mercado


Entrevista com o professor Nilso Ouriques sobre a situação da seleção brasileira e do futebol no país. Perdendo seus talentos para a Europa quando ainda são garotos, o futebol brasileiro vai buscar craques nos países da América Latina, exercendo um subimperialismo na relação com os países da Pátria Grande. A entrevista foi feita no sábado, horas antes da derrota do Brasil para o Uruguai, que tirou o time brasileiro da Copa América. (Programa Campo de Peixe. 06.07.2024)


segunda-feira, 1 de julho de 2024

10 anos da Amarildo

Daltro Souza

A Ocupação Amarildo, que começou no finalzinho de 2013, com famílias tomando uma grande área improdutiva quase na orla da praia de Canasvieiras, em Florianópolis, festeja seus 10 anos de existência. Depois de passarem por despejos, violência, preconceito e toda a sorte de obstáculos as famílias estão agora em Águas Mornas, onde já garantiram a terra e estão em franca produção. Conversamos com uma de suas lideranças, Daltro Souza.


sexta-feira, 28 de junho de 2024

Universidades perderam seus HUs

Dr. Wladimir Tadeu / UFF

Quem vive em Florianópolis sabe a importância que o Hospital Universitário tem. Inaugurado em 1980 foi se tornando uma referência de saúde pública em todo o estado, por conta da qualidade de seu pessoal. Os mais importantes professores da UFSC, das mais variadas especialidades da saúde, ali atuavam, e o corpo técnico, formado por trabalhadores públicos, sempre foi considerado de primeira qualidade. Não é sem razão que todas as manhãs podiam ser vistas as ambulâncias de inúmeros municípios de Santa Catarina trazendo pessoas para tratamento ou emergências. Além disso, o HU era um hospital escola. Ali eram formados trabalhadores da saúde em várias especialidades, com milhares de atendimentos por dia. Por isso, dizer HU era dizer qualidade. 

Mas, com o sistemático desmonte do serviço público e o rebaixamento de verbas para a universidade federal, aos poucos o HU também foi sofrendo as consequências. Dificuldades crônicas foram se agravando e começou a se consolidar o discurso de que o grande problema era estar vinculado às verbas da UFSC. A gritaria privatista que vinha crescendo desde o primeiro mandato de Fernando Henrique, encontrou abrigo no coração do primeiro governo de Luís Inácio. A partir daí começou a se gestar a ideia de desvincular os HUs das Universidades, para dar aos hospitais “mais capacidade de gestão”. E foi assim que, no último dia do segundo mandato, Lula encaminhou a proposta da criação da Empresa Brasileira Serviços Hospitalares (EBSERH), um fundação pública, mas de direito privado. Ou seja, toda a lógica de gestão obedece ao privado. A palavra pública é só para garantir que recursos do estado fluam para lá. A mesma velha lógica de assalto ao estado e da entrega do patrimônio público a uma meia dúzia de mercadores.

Para o médico e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Wladimir Tadeu Baptista Soares, trazido pelo Sintufsc em atividade de greve na UFSC, a Ebserh é verdadeiramente uma aberração administrativa. Não há argumento plausível que justifique sua existência a não ser a completa rendição ao Banco Mundial e à iniciativa privada. Sua criação, em 2010, foi um experimento do braço neoliberal do capital no Brasil. “Se desse certo, poderia ser aplicado em outras áreas”, denuncia. 

Wladimir aponta que no contrato firmado entre a Ebserh e o governo está bem claro, no artigo primeiro, qual a sua função: ser exploradora de atividade econômica. Ora, saúde é atividade econômica? Parece que agora sim. A empresa tem sede em Brasília, ocupando um prédio imenso. “Lá, parecemos estar em Dubai”, diz Wladimir. A Ebserh é uma empresa unipessoal, ou seja, não têm acionistas, não tem assembleias para discutir seu fazer e é totalmente dependente da União. Portanto, é o dinheiro público que viabiliza sua rica existência com uma imensidão de cargos, de salários altíssimos. O professor fluminense afirma que se todos esses recursos fossem para os hospitais, como antes, hoje eles seriam umas joias. Mas, o que se vê é o contrário. Onde a Ebserh tomou os HUs os serviços à população só pioraram, bem como também piorou o ensino. A ideia de público se perde.

Para Wladimir a autonomia universitária foi quebrada com o aceite da Ebserh, pois a universidade perdeu completamente o controle dos hospitais. Inclusive não tem nem mais o controle do ensino visto que é a Ebserh quem contrata os médicos e enfermeiros. Não estão mais lá dentro os professores da UFSC, por exemplo, só os contratados pela empresa.  “Existe uma prova nacional da Ebserh com questões de múltipla escolha. Como avaliar um profissional médico assim? E é esse médico que vai ensinar os estudantes residentes. Perdeu-se também a qualidade do ensino dentro do hospital porque ao fechar enfermarias ou setores como emergências, a Ebserh tira do estudante a possibilidade de aprender o cotidiano da medicina. Quem está ensinando nos hospitais da Ebserh são preceptores escolhidos pela empresa, não são mais professores das universidades”. 

Outro problema gravíssimo é que a Ebserh não sofre o controle social do SUS, portanto pode fazer o que bem entender. E, como uma empresa privada, sua função é gerar lucro, logo, sua meta é não gastar com paciente, daí a lógica de acelerar a alta dos internados para que não gerem prejuízo. “Essa empresa não tem patrimônio algum, tudo é público, ela se apropriou dos HUs, nenhum recurso ali é posto pela Ebserh, tudo vem do estado através do REUF e das verbas do programa Mais Médicos”, diz Wladimir. Ele explica que antes desta aberração, os recursos ficavam vinculados ao MEC que os distribuía às universidades. Agora vai tudo para a Ebserh. 

Outro drama que se expressa nos antigos HUs diz respeito aos trabalhadores. Com a chegada da Ebserh há dois tipos de contratos: os trabalhadores públicos, que já atuavam no HU, e os trabalhadores celetistas, que vivem a lógica privada. E o mais grave. Como são geridos pela CLT estes trabalhadores têm data base e recebem reajuste todos os anos, enquanto que os trabalhadores públicos ficam até 10 anos sem qualquer ganho nos salários. “E o cofre público de onde sai o aumento para o trabalhador Ebserh é o mesmo de onde deveria sair para o trabalhador público. Só que não sai,  e isso gera muito conflito dentro dos hospitais  porque há casos de trabalhadores públicos ganharem menos do que o privado, na mesma função”. 

Wladimir também denuncia que os antigos HUs, agora da Ebserh, também não tem porta aberta para os trabalhadores nem para os estudantes. Ou seja, se um trabalhador ou um médico residente enfartar dentro do HU, será encaminhado para outro hospital. “Vários casos assim já foram levantados. É algo inadmissível”.

O que parece ser um absurdo completo tem uma lógica bastante clara: a proposta embutida nessa forma de gestão dos hospitais é a de destruir o SUS (Sistema Único de Saúde). O governo criou uma empresa para fazer o que as universidades já faziam, e bem, que era administrar os hospitais escola. Agora, a universidade não interfere em mais nada e os reitores que permitiram essa barbaridade são cúmplices do crime. É sabido que o SUS é um dos sistemas de atendimento à saúde mais reconhecidos no mundo. Nele, o atendimento é universal. Pobre, rico, brasileiro ou estrangeiro, qualquer um é atendido sem pagar um centavo. Para o capital isso é aberração. Para a população é vida. 

Wladimir aponta que a proposta do Banco Mundial é ir sufocando o SUS até acabar com ele, criando o que chamam de CUS (Cobertura Universal de Saúde), cuja sigla já diz tudo: fazer merda. Os mercadores da doença querem que o atendimento gratuito fique só para os miseráveis, e que o restante da população pague pelo atendimento. O que fica óbvio é que se o CUS passar, o atendimento aos empobrecidos será de péssima qualidade. Hoje, por atender a todas as faixas econômicas, o SUS é de primeira. 

Enfim, no caso da UFSC, onde a comunidade universitária se expressou em mais de 70% contra a aceitação da Ebserh, a entrada da empresa foi aprovada pelo Conselho Universitário em 2014, numa polêmica reunião levada para dentro das dependências da Polícia Militar pela então reitora Roselane Neckel. Todos os envolvidos, a seu modo, são responsáveis pela decadência do HU, que só piorou depois de ser entregue a Ebserh. Hoje, os trabalhadores do regime RJU (públicos) são considerados intrusos dentro do hospital. 

Segundo Wladimir, ainda há tempo de reverter a situação. Em 2026 as universidades poderão rever os contratos e provar que nada do que foi prometido foi cumprido. Isso dá base para a rescisão do acordo. Mas, claro, isso não pode ser uma decisão isolada de um reitor particular. Tem de ser uma articulação nacional, que envolva também as comunidades. Hoje, o contrato da Ebserh é de adesão, a empresa decide tudo, logo, os HUs estão mortos. O que existem são filiais da Ebserh. O nome "universitário" é só uma grife, para pegar trouxa. Recuperar os HUs exigirá uma luta gigante, mas que precisa ser travada em nome da saúde pública. 

Uma grande tarefa para todos nós. Ou fazemos isso, ou estaremos sendo igualmente cúmplices da morte do SUS. 


Securitização só segura os bancos


Está na mão do Lula vetar mais um assalto ao estado aprovado “democraticamente” pelo Congresso Nacional, inclusive pela bancada do PT. É a tal da securitização da dívida pública que é uma triangulação maluca feita para, em bom português, roubar o dinheiro público. A história é assim. As prefeituras, o país ou os estados, tem cada um, um montante de dívidas não pagas. Podem ser dívidas com a previdência, com o IPTU, ou outros tributos de toda natureza. Dizem os governantes que são dívidas de difícil cobrança que, no mais das vezes, não são pagas. Por isso chamam de dívida “podre”. Pois agora, com a aprovação de um antigo projeto do senador tucano José Serra/PL,  o PLP 459/2017, que garante a securitização da dívida, os governantes terão como fazer desaparecer essa dívida de seus balanços contábeis, ainda que ela não desapareça de fato. Uma jogada sacana que permite que role grana para a empresa de cobrança, que haja isenção fiscal para um número expressivo de devedores, e que o dinheiro público seja usado para pagar duas vezes a mesma dívida. Como bem diz o economista Nildo Ouriques “o bom e velho assalto ao estado”. 

A coisa funciona assim: o governo cria uma nova empresa estatal (que depende de recursos públicos) e ela emite papel financeiro (com os valores da dívida). Joga no mercado oferecendo 23% de juros ao ano, um valor altíssimo. “Não existe isso em nenhum lugar do mundo”, diz Maria Lúcia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida. Aí vem um Banco, ou outra instituição qualificada que opere com milhões, e compra todos esses papéis. Pois bem, qual é garantia que o Banco tem de lucro, se esses são papéis podres? De novo, Fatorelli explica: a garantia passa a ser o fluxo total de arrecadação tributária do município, do estado ou do país, que entra no rolo do negócio. 

Supondo que essa empresa de cobrança consiga cobrar a dívida, o que acontece? Uma parte do dinheiro paga o trabalho da empresa, outra parte do dinheiro remunera o dono da dívida (com juros altíssimos), no caso o Banco que comprou, e só uma terceira parte vai para os cofres públicos. O argumento é: o estado não conseguiria cobrar então é melhor entrar uma parte do que não entrar nada. Parece correto. Mas não é. 

A dívida que é vendida aos bancos ou instituições outras deixa de ser contabilizada como dívida pública e não entra mais no limite de endividamento do município. O dinheiro da cobrança não cai na conta do município, mas nas contas criadas para esse fim específico. Por outro lado, no caso da dívida com a Previdência, por exemplo, a prefeitura, o estado ou o país terá de pagar ao trabalhador. Então, quando chegar a hora deste trabalhador receber seus benefícios, a prefeitura terá de arcar com essa dívida, que na contabilidade não conta mais como dívida. Parece confuso, e é. Uma engenharia bastante intrincada com o único objetivo de abocanhar o dinheiro público. 

Fatorelli explica que essa lei é flagrantemente inconstitucional. Está escrito no artigo 167, inciso 4,  da Constituição, que é proibido vincular impostos, e no caso dessa lei os impostos do município ficam vinculados como garantia aos Bancos. Ela alerta que ao aprovar essa lei a tendência é o orçamento público definhar, porque será necessário pagar os juros dessa securitização. Além disso, é preciso saber quanto as empresas que compram a dívida recebem por fora dos controles orçamentários. No caso de Belo Horizonte, onde isso já acontece, o governo repassou para uma estatal a dívida de 230 milhões, e recebeu de volta 200 milhões, mas, por fora dos controles orçamentários repassou mais de 880 milhões, mais a atualização monetária, para o banco comprador. Fatorelli pergunta: quem aceitaria receber 200 milhões e ficar devendo 880 milhões, mais juros, mais correção monetária? Isso é um assalto. É um sistema insustentável, que endivida ainda mais o município. 

Toda essa engenharia de ¨roubo¨ de dinheiro público servirá para enriquecer uns poucos e para tirar do orçamento os recursos para investimentos na saúde, na educação, na segurança, na moradia, enfim, nas políticas públicas. 

Esse projeto de lei passou no Congresso, sem passeatas, sem atos de protestos, sem nada. E agora só resta a última esperança que é o veto do presidente. Mas, é pouco provável que isso aconteça porque a bancada do PT votou a favor. Ainda assim, ainda é tempo de a sociedade gritar. E exigir o veto a mais essa aberração. 


segunda-feira, 10 de junho de 2024

A universidade, o governo e a greve dos TAEs



Greve nas universidades nunca foi fácil. Até porque uma universidade não é uma fábrica de salsichas. Quando os trabalhadores param não há um patrão específico perdendo seus lucros. É uma batalha contra um governo de plantão. No geral, os motivos são salariais e isso não é um acaso. Ocorre que os trabalhadores públicos, ao contrário dos que atuam no mundo privado, não têm uma data-base, que é aquele momento obrigatório no qual são recompostas as perdas do ano. Por conta disso o governo vai se fazendo de morto, não recompõe os salários, não repõe a inflação e vai deixando os trabalhadores na lona. Sem a recomposição da inflação o salário vai minguando, perdendo poder de compra. Quando fica insustentável, a única saída é a greve. 

Outro motivo que obriga os trabalhadores a parar o trabalho é a destruição sistemática da universidade, quando o governo - seguindo receitas externas - vai diminuindo as verbas, sucateando, arruinando, arrasando a estrutura e minguando as políticas de permanência. Chega uma hora que fica impossível trabalhar e estudar. Então, os trabalhadores precisam agir em consequência, parando, para que o governo seja provocado a recompor também o orçamento das instituições federais, melhorando assim o ambiente de trabalho e permitindo que mais estudantes possam se manter na universidade. Esse é, portanto, o cenário no qual se movem os trabalhadores e os governos. É como um interminável jogo de força. 

Nesse ano os trabalhadores técnico-administrativos, amargando perdas de 76% desde 2015, tiveram de parar. Iniciaram uma greve para recompor os salários e também para exigir o aumento das verbas de custeio para a universidade, que diminuíram mais de 50% desde 2015 até aqui. São perdas muito significativas na vida do trabalhador e na da universidade. É uma derrocada que impacta muito mais do que os mais de 200 mil TAEs (entre ativos e aposentados), afinal, a universidade caindo aos pedaços interfere também na vida de mais de um milhão e 200 mil alunos que ainda estudam no modo presencial. Pois é esta pauta que move a greve iniciada em março deste ano. 

Agora o movimento chega aos três meses tendo apenas duas mesas de negociação com o governo, nas quais a proposta tem sido a mesma: zero% de reajuste para este ano, mudanças insignificantes no plano de cargos e nenhum aceno para o aumento de verbas para as universidades.  O governo de Luis Inácio já negociou com outras categorias e concedeu aumentos graúdos para algumas delas, mas para os trabalhadores das universidades a regra tem sido: endurecer e não ceder. 

Diante disso há que se compreender duas questões importantes. 

As mudanças ocorridas no desenvolvimento do sistema capitalista têm colocado os países periféricos como o Brasil na condição - cada vez mais fortalecida  - de meros exportadores de matérias primas: grãos, petróleo, carne. Por isso os governos fortalecem tanto o setor do agronegócio bem como o da extração mineral. Os incentivos para esses setores crescem de maneira vertiginosa, enquanto a educação vai perdendo na mesma medida. Para um país que exporta commodities (mercadorias de origem primária) e importa tecnologias, não se faz necessário investir em escolas ou universidades. Por isso um ensino médio voltado ao “empreendedorismo”, e uma universidade cada dia mais sucateada. Oferece-se uma educação meia-boca para capacitar minimamente o trabalhador e deixam-se essas coisas de ciência e pesquisa para os países centrais. Não é sem razão que hoje, no Brasil, o número de estudantes fazendo faculdade no modo on-line, pagando 50 reais de mensalidade, cresce sem parar. Já são mais de três milhões de alunos nessa modalidade, enquanto nas universidades públicas, no ensino regular e presencial são pouco mais de um milhão. Como bem avalia o economista Nildo Ouriques, isso resolve o problema da formação de profissionais e gente minimamente capacitada. A universidade pública, tal como a conhecemos, está ficando desnecessária. 

Com essa decisão política de enxugar as universidades públicas ao máximo, o governo federal vai estrangulando os atuais trabalhadores, visando justamente extinguir a carreira de técnico-administrativo, ideia que vem desde o governo Fernando Henrique. Os sucessivos governos foram extinguindo cargos, terceirizando e tornando esta carreira cada vez menos atrativa. A tal ponto que hoje o que mais se ouve entre os trabalhadores das universidades é a vontade de passar em outro concurso, para uma carreira mais vantajosa. A condição material real tem afugentado os trabalhadores. Só na UFSC há um déficit de mais de 300 que ou se aposentaram ou abandonaram a carreira. E não há reposição destes cargos, o que sobrecarrega os que ficam. 

Agora na greve essa política de extinção dos TAEs fica bem clara. Pela primeira vez não se vê movimentação da base de apoio do governo no sentido de cavar reuniões ou influenciar o presidente para que atenda as demandas dos trabalhadores. Há apoios ritualísticos, mas nenhuma ação concreta por parte de deputados federais e senadores. É certo que alguns têm gritado no deserto, mas são exceções e acabam não tendo muita força. Audiências sobre educação são feitas, mas não há pressão sobre o executivo, que é quem tem a caneta. Por parte do governo de Luís Inácio a intenção é de oferecer o mínimo possível e ainda dividido em dois anos, com zero ajuste nesse ano. Com o agravante de manter o movimento em greve, prejudicando ainda mais a universidade. Nem mesmo os professores, que sempre são os que aparecem para a sociedade como “os trabalhadores” das universidades estão sendo ouvidos. A negociação tem sido dura. 

Neste diapasão o governo vai mantendo a ideia de que a universidade é desnecessária, que os trabalhadores técnico-administrativos precisam ser privatizados e que os professores precisam aceitar os novos tempos. A sociedade, como sempre mal informada pelos sacerdotes do capital (mídia comercial), começa a acreditar que fazer dancinha no tik tok pode ser mais rentável para seus filhos do que queimar pestanas na universidade, e assim, a educação vai perdendo força e importância. 

O mais dramático é que esta universidade que aí está nem chegou a ser a universidade que sonhamos, aquela, necessária, rebelde, que se debruça sobre os problemas nacionais, que avance nas pesquisas estratégicas para o país, que abre caminhos para o fim da dependência. E, mesmo assim, caminha-se para sua destruição.  

O cenário é esse. Para os trabalhadores só resta o caminho da luta.