quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Vale a pena ser parceiro dos EUA?

Panamá - Bairro Chorrillo, destruído na invasão, segue sendo reduto de muita pobreza
Iraque - Mossul, uma cidade esplendorosa destruída pela guerra


Posso entender as pessoas que pensam que estar próximo e aliado dos Estados Unidos é bom para o Brasil. A indústria cultural mostra isso o tempo todo. Os Estados Unidos como o guardião da liberdade, o salvador dos povos, o pai da democracia. Há um bombardeio massivo dessa “verdade”, e as pessoas creem. Está na televisão, está nos filmes, está no jornal, nas revistas. Mas, se prestarem bem atenção, verão que não é bem assim. 

É muito comum aos Estados Unidos usarem da mentira para fazer crer aos povos de que seus motivos são bons. Para comprovar isso, é só fazer o teste da realidade. Qual invasão estadunidense acabou bem para o país invadido? Só para lembrar algumas invasões recentes na história, vamos ver a situação do Panamá, invadido em 1989, a pretexto de salvar o país de um presidente narcotraficante. 

Na verdade, o que o os Estados Unidos queriam era recuperar o controle do canal, visto que seu velho aliado, Noriega, que inclusive tinha sido agente da CIA, estava aumentando os impostos para o uso da passagem. Foi acusado de traficante e deposto do cargo de presidente por marines estadunidenses que entraram no país e deixaram um saldo de milhares de mortos, a maioria civis. Depois de tudo deixaram lá um presidente amigo e o Panamá segue sob suas asas, transformado que está em um paraíso fiscal. Lá, há visivelmente dois Panamás: um, que é dos financistas, na parte rica e outro que é o das gentes, o dos panamenhos, da maioria, sempre dependente e pobre. 

Outro exemplo, e ainda mais gritante é o Iraque, invadido em 2003, também com base em uma mentira: a de que Saddam, que havia sido agente da CIA também, tinha armas químicas e era uma ameaça ao mundo. A promessa era levar a democracia ao país árabe. E o que chegou foi a morte. Mais de um milhão de pessoas, civis, já foram assassinadas no Iraque desde a invasão, o país segue em conflito, com guerras intestinas e cada vez mais pobre. Toda a sua riqueza cultural foi destruída e hoje, nada mais resta a não ser o petróleo, que passou para as mãos das empresas estadunidenses. Nunca foram encontradas armas químicas.

Então, quando a família do presidente eleito vai para os Estados Unidos jurar fidelidade ao governo estadunidense está fazendo uma arriscada aposta. O Brasil tem riquezas demais, entregá-las aos Estados Unidos não trará nada de bom para a maioria da população. Alguns ganharão muito dinheiro, é certo, mas não seremos nós, não serão os trabalhadores que votaram em Bolsonaro acreditando que o Brasil estaria acima de tudo. Ajoelhar-se para os EUA traz o de sempre: roubo, guerra, dependência, pobreza, miséria, fome, desemprego, morte. 

Não é isso que queremos. Então, temos de lutar contra a entrega do país.

Para os que não acreditam nas informações que passamos, basta pesquisar e seguir o dinheiro. Quem lucra com a parceria? 

Onde nossa humanidade?








Milhares de pessoas caminham em direção aos Estados Unidos. Fogem em direção ao seu verdugo. Saem de seus países destruídos pelos Estados Unidos, em guerras de tiros, guerras culturais, guerras econômicas e seguem para esse mesmo país que os destruiu. Parece um paradoxo, mas não é. Na guerra cultural a mensagem que fica é que é lá a terra das oportunidades.

Os pobres e sua infinita fragilidade. Nada têm além de seus corpos nus, como dizia o grande repórter Marcos Faerman.

A carava na migrante passa pelo México e vai encontrando no caminho o ódio, o rechaço, o preconceito. Agora está em Tijuana, uma das fronteiras mais violentas. As gentes já enfrentaram os milicos estadunidenses e o governo mexicano fala em deportar todos os que lá estão. Mas eles não querem voltar para o terror de seus países. Quanta dor pode caber num só corpo? Quantas lágrimas ainda serão derramadas até que venha a morte, sempre próxima? E nós, como podemos dormir?

No rosto dessa menina, todo o sentimento do mundo. Ah..os empobrecidos da terra, os deserdados, os desgraçados. Se um dia soubessem a força que podem ser...

Cadernos do Terceiro Mundo



Era a metade dos anos 70, a ditadura ainda comia solta. Eu tinha uns 15 anos, não recordo como foi que consegui, mas me caiu nas mãos um número da revista “Cadernos do Terceiro Mundo”, que trazia notícias da América Latina, da África e do mundo árabe, coisas que nem sonhávamos ver nos nossos meios de comunicação.

Como sempre fui uma leitora voraz, a revista me encantou pela abordagem totalmente diferenciada. Mostrei pro meu pai e pedi pra fazer uma assinatura. Ele fez. Mandamos o pedido para a Editora Terceiro Mundo, com sede no Rio de Janeiro. Então, a revista me chegava pelo correio e eu devorava com avidez.

Quando tivemos de sair do Rio Grande e fomos viver em Pirapora, Minas Gerais, a revista me seguiu pelos anos 80 afora. Esperar a “Cadernos do Terceiro Mundo” era uma alegria profunda. Eu mais ou menos sabia quando saia e ficava todos os dias enchendo o saco do carteiro, “tem carta pra mim, tem carta pra mim”. A revista era bem isso: cartas chegadas de um mundo desconhecido até então, um mundo aonde as gentes lutavam, um mundo que me enchia de alegria e de indignação.

Foi pelas suas páginas que conheci Yasser Arafat, Mandela, Samora Machel, Agostinho Neto, Kadaffi, Steve Biko e outros tantos que tinham suas vozes expressas na pequena publicação. Há pouco tempo o professor Waldir Rampinelli trouxe para o IELA vários números da revista. Estão aqui na biblioteca. Tem muitos números. E eu ainda me emociono até as lágrimas cada vez que passeio pelas suas páginas.

Nunca será demais agradecer aos fundadores, Beatriz Bissio, Neiva Moreira e Pablo Piacentini por esse presente. Tenho muito claro que essa revista é, em grande parte, responsável por eu ser quem eu sou.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Apontamento sobre a comunicação

Foto: Desacato

Na conversa com companheiros radialistas e jornalistas, no Seminário Internacional Direito Humano à Comunicação, promovido pela Frente Parlamentar pela Democratização da Comunicação da Assembleia Legislativa, apontei alguns elementos para a análise da realidade política e do jornalismo. 

. Já temos bastante informação e análise sobre como chegamos à eleição de Jair Bolsonaro, sendo ele a representação dos anseios de uma boa parcela da população que já havia mostrado seus desejos explicitamente quando tomou as ruas em 2013. As pessoas pediam pelo combate à corrupção (porque estavam influenciadas pelas denúncias contra o PT, que sempre foi um guardião da moral e agora tinha suas vísceras expostas)  e pela volta dos militares (porque tomadas pelo medo que sistematicamente é induzido também pelos meios de comunicação comerciais em programas estilo Datena). 

. Naqueles dias, em vez de compreender e desvelar criticamente os motivos que levavam as pessoas a querer intervenção militar, passou-se a ridicularização dos seus discursos.  

. Enquanto isso, grupos em blogs e canais do Youtube organizados (financiados por partidos de direita e por organismos internacionais), usando do direito à comunicação alternativa, iam fortalecendo e oferecendo cada vez mais motivos para que essas pessoas seguissem querendo o que queriam em 2013. Mamãe Falei, Revoltados on line, MBL e muitos outros vicejaram e nadaram de braçada no meio desse pessoal. 

. Assim, atuando em uníssono com a mídia comercial, uma série de outros pequenos grupos de comunicação, foi tecendo redes de confiança, buscando apoiar e fortalecer essas pautas. Jair Bolsonaro então aparece como o cara que poderia incorporar esses discursos e ser uma alternativa ao PT e a “tudo isso que tá aí”. Ele não nasce do nada, ele unifica um desejo que estava nas ruas e nas pessoas. 

. No campo da esquerda, as vozes mais radicais foram ofuscadas pela defesa, muitas vezes cega, do PT. Na denúncia do golpe, de Dilma e de Lula, não aparecia uma resposta para os anseios daquela parcela da população que, por conta das redes sociais, adquiria agora o espaço público para falar e expressar seus desejos. 

. Houve quem prestou atenção nisso e foi construindo o candidato perfeito. E tudo se fez fora dos grandes meios – ainda que os meios tenham arado muito bem a terra. A partir dos blogs, Youtube, feicibuque e uatizapi o diálogo foi se fazendo. As mentiras foram a cereja do bolo. Cada uma delas fortalecia o medo, a raiva, o preconceito que já habitava no coração das gentes. Comunicação simples, direta, bombástica.

. E foi a mentira, amalgamada ao personagem criado (Bolsonaro) que trouxe a vitória. Nem Bolsonaro é quem as pessoas pensam que é, nem as coisas que afirmava são verdadeiras, nem fará o que prometeu. Mas, por enquanto, isso não importa. O discurso vencedor foi o que foi construído com a mentira.

Nossa comunicação

. A comunicação popular, independente e alternativa, no espectro majoritário, ficou refém da defesa do PT e do Lula, sem problematizar com criticidade a pauta que vinha das ruas e da massa inflamada pelas mentiras disseminadas nas redes sociais. Foram dois anos até que chegassem as eleições. Dois anos, nos quais o terreno foi arado e a semente plantada. Nesse tempo o discurso raivoso de uma parcela da população seguiu sendo tratado com desdém e ridicularizado. Quando se percebeu o poder que crescia nas redes, com a pauta conservadora tomando conta também da classe trabalhadora e do lumpesinato, foi tarde demais. O estrago já estava feito e não seria nos poucos dias antes das eleições que isso mudaria. 

. Agora, vencida batalha pelo discurso fundamentalista/ ultraliberal e conservador o que resta a nós, comunicadores? 

. Primeiro: Não continuar com a tática de ridicularizar e diminuir os sujeitos que vão formar o novo governo. Há que desvelar o que eles farão, suas propostas, seus atos. Discutir com seriedade e com verdade. Não adiante dizer que o Alexandre Frota fez filme pornô. Ele já foi perdoado. E para a massa evangélico/cristã, quem se arrepende e é perdoado está limpo. Isso não cola. O que pode colar é o que ele fará, seus atos contra o povo, ou seja, a verdade material e política, não o julgamento moral.  

. Segundo: No nosso campo, o da comunicação, fazer um trabalho sério de jornalismo, coisa que há muito tempo não se vê. Não se vê nos meios comerciais – por isso a imprensa é apontada como mentirosa – e pouco se vê no jornalismo alternativo de esquerda. É tempo de praticar o jornalismo mesmo, esse que é forma de conhecimento e cuja forma de fazer já foi desvelada com maestria por Adelmo Genro Filho. Narrar os fatos na sua singularidade, mas fazendo com que o leitor possa compreender a universalidade do tema, para que esse leitor/espectador possa realmente compreender a coisa. 

. Sei que isso não é coisa fácil, exige comprometimento e muito trabalho, por isso penso que essa proposta demorará para encontrar eco. É mais fácil responder na mesma moeda, com preconceito, com o fígado, com mentiras também. Sim, há mentiras sendo divulgadas por companheiros nossos também. Mas, como jornalista, não vejo outro caminho. No campo da política teremos de encontrar a forma de vencer a batalha do discurso com formação dos trabalhadores via partidos, sindicatos, movimentos etc... Acolhendo seus medos, seus desejos e discutindo generosamente, sem julgamentos morais.

. E, na comunicação, nosso trabalho tem de ser a garantia do bom jornalismo, o que investiga, o que checa a veracidade, o que desvela, o que mostra as contradições. O jornalismo como forma de conhecimento. 

. Se a comunicação é um direito humano, não podemos defender qualquer comunicação. Já vimos o terror que pode ser. Penso que é hora de adjetivar essa comunicação, trabalhando com o conceito de uma comunicação veraz, capaz de dar resposta à mentira. E, seguindo a sugestão do amigo Glauco Marques, também substantivar essa comunicação. Porque se hoje ela é dominada pelos monopólios, pelos conglomerados gigantescos, haveremos de ter de fortalecer a comunicação dos trabalhadores, sendo então ela, nossa e veraz, capaz de ajudar as gentes a compreenderem o mundo.