Por Raul Fitipaldi. - Aos jovens
Em Desterro, 23 horas, as costas doendo, os olhos vermelhos de emoção e cansaço, o pensamento sobrevoa por cima da nossa América do Sul, linda, algo morna hoje, desde a latitude 27 até a Província de Buenos Aires.
Tati de Almeyda, mãe das Madres de Plaza de Mayo, proclamou: “Meu país não sabe de vingança, sabe de justiça”. E sabe de JUSTIÇA! Trás a constante luta do povo argentino e latino-americano, o resultado desejado começa a se desenvolver, a justiça histórica ocupa seu lugar e 12 repressores da ditadura argentina, que seqüestraram, violaram, torturaram e desapareceram estudantes, trabalhadores, homens e mulheres, obtiveram a sentença esperada: cadeia perpétua.
O crime nunca, em nenhum caso deve ser esquecido. Jamais o covarde pode ficar ileso pela sua sanha, pela sua ilegalidade, pela sua imbecilidade de acreditar-se acima dos outros por ter a cumplicidade imunda da classe social e política à qual serve. Jamais deve o violador ser isentado, jamais o torturador deve ficar livre, jamais o vil açougueiro que moeu a carne inocente pode caminhar junto das pessoas comuns, dos cidadãos livres. Jamais o assassino de aluguel, a serviço dos impérios viciados em ódio, pode ocupar o espaço das gentes, nunca quem se serviu da brutalidade pode ter o prêmio da amnésia social. Nem o esquecimento nem o perdão lavarão a alma da democracia. Jamais o esquecimento e o perdão trarão paz, harmonia, lucidez e futuro. Jamais o medo tratará felicidade.
Aos jovens preciso dizer, que estas democracias nas quais foram nascendo, pobres, imperfeitas, precárias, mas, que hoje fazem da América Latina algo bem mais interessante que um Império decadente, que uma Europa doentia e invasora, servil, bajuladora dos Estados Unidos, foram possíveis pelo sangue valente, rico, pacífico, sonhador e humanista de milhares de estudantes, de trabalhadores, de mães, de poetas, artistas, intelectuais que o derramaram a serviço do futuro que se começa a perfilar, algo melhor tal vez, que os da minha geração poderíamos ter sonhado quando o coturno retorcia nossas cabeças contra o asfalto.
É na memória dos nossos irmãos caídos, desparecidos, desses corpos jovens, bonitos, que foram destruídos de forma miserável, jogados desde aviões ao mar, enterrados em lixões, nos fundos de quartéis, em fazendas, calcinados, desaparecidos, que hoje levantamos nossa voz mostrando nossa felicidade, porque o julgamento acontecido umas horas atrás na Argentina, a aprovação pelo Senado brasileiro da Comissão da Verdade sobre as violações cometidas em nosso país desde 1946 a 1988 e a decisão no Uruguai da sua Câmara Alta de acabar com a Lei de Caducidade que impedia julgar aos assassinos da ditadura uruguaia (se aprovada na Câmara Baixa), só trarão paz, unidade e justiça aos nossos povos, e darão um duro golpe na impunidade da qual gozaram os setores dominantes das nossas sociedades, 500 anos exploradas, torturadas e desmembradas.
Os jovens, aos quais se negou a Verdade da História, precisam conhecer e compreender o que aconteceu nos seus países, e o caminho que traçaram os povos marchando incansavelmente durante mais de meio século, para que nunca mais, estes jovens, e os que virão, despareçam por defender seus legítimos direitos. Uma noite destas, na Argentina, no Brasil e no Uruguai abre as portas amorosas da Nova Era que desde o início deste século vive América Latina, com defeitos, muitos, demasiados talvez, mas, em democracia, que no rumo que assumimos, um dia será direta e para todos. Como dizem os ativistas hondurenhos: “a lei já é igual para todos, precisamos que a Justiça também seja”. Juntos, vamos construir os próximos passos. Esta Noite Humana foi um bom começo.