O Jorginho era assim: amoroso ao extremo, perfeccionista
total. O conheci em 1985, em Uruguaiana, quando fora fazer uma matéria com o André
e o Pauletti. Eu trabalhava na TV local. Logo simpatizamos e ele disse: “tu vai
trabalhar com a gente em Passo Fundo”. E foi dito e feito. Pauletti me convidou
para trabalhar em Passo Fundo e eu fui.
Jorge Luís era repórter fotográfico. Dos bons. Era perfeito.
Tirava leite de pedra e quando ia gravar uma simples entrevista, levava dois
pontos de luz, usava contraluz, rebatedor, o escambau. Muitos repórteres e
motoristas não gostavam de sair com ele porque demorava demais, carregava
tralha demais. E tinha de montar tudo, sem as mínimas condições materiais.
Inventava, criava materiais do nada.
Comecei a trabalhar com ele em Passo Fundo, também em 1985.
Cada pauta era uma aventura. Aos contrários dos demais, eu adorava sair com
ele, justamente por conta de sua mania de inventar e fazer o melhor possível. Éramos
um grande trio: eu, ele e o Kapa, que na época trabalhava de motorista. Ele era
o rei das imagens, fazia chover. E cada ângulo tinha de ser perfeito. Pasmem, ele
usava o tripé para as matérias do dia-a-dia. “Deuzulivre” uma imagem tremida.
Jorge era a perfeição.
Foi com ele que descobri Annoni, o primeiro acampamento do
MST no Brasil. Uma cidade de 1.500 famílias. E foi ele que me apresentou cada
uma daquelas pessoas que mudaram para sempre a minha vida. Era como uma
alma-gêmea. Irmão. Quantas noites vividas no bar do Osvaldir, enchendo a cara e
falando de imagens, de ângulos, de luz.
De tão bom que era foi chamado pela Globo do Rio de Janeiro.
E para lá se foi, deixando a gente a ver navios. Mas, todos torcíamos por ele.
Era o mago das imagens. Iria se dar bem na platinada.
Só que a vida no Rio foi dura demais pra ele. Não suportou
ver a miséria nos morros, a fome, a violência. Viveu dores profundas, pessoais,
espirituais. Um belo dia bateu na porta da minha casa, eu já em Florianópolis.
Tinha abandonado a Globo, o Rio, a loucura da competição, a pressão pela imagem
da dor. Ele não era pessoa para inventar, ou criar mentiras. Era um garoto com
um coração gigante, capaz das ternuras mais profundas. Jamais poderia vingar
num sistema de moer carne como a Globo. Uma máquina de mentiras. Não ele. Não
ele. Foram algumas semanas de lágrimas,
dores e abraços, muitos abraços. Viera buscar esse carinho que só os
verdadeiros amigos podem dar.
Quando partiu já estava bem melhor, acompanhado que fora pela querida Catarina, minha amiga psicóloga. Mas, de fato, nunca
superou os profundos buracos que foram causados na sua alma. Viveu por muito
tempo atormentado. Deixou de trabalhar. Já não aparecia mais como o mago das
imagens. O tempo passou e nunca nos perdemos. Sempre falando, trocando cartas,
confidências. Meu braço amigo sempre pronto para acolhê-lo. Depois de algum
tempo voltou a produzir vídeos, poemas, textos. Semeava sua doce loucura em
palavras e imagens, capturando outra vez a beleza das coisas e das gentes.
Cuca, cuquinha... assim me chamava.
Ontem, se foi. Encantou, chocando sua moto num caminhão.
Andava pela estrada, vento na cara. Pensando sabe-se lá o que. Talvez nada. Só
fruindo essa maravilha que é estar vivo, o sangue pulsando, quando tudo nos diz
que essa vida é uma grande merda. Um átimo e já não estava mais. Se foi. Foi-se
a turbulência, o medo, a dor. Foi-se tudo.
E o que fica, pelo menos para mim é sua imagem de menino
sapeca, os olhos esbugalhados de alegria ou prazer diante de uma cena bem
feita. O riso alegre e orgulhoso quando via a reportagem prontinha, editada, “perfeita”.
O que fica é o seu abraço apertado, o aconchego, a amizade sincera, capaz de
sobreviver a tantas turbulências.
Longe e perto, caminhamos juntos por essas veredas do
jornalismo. Ele era um dos melhores, capaz de capturar numa imagem, o mundo.
Ontem encantou. Hoje está na paz! E seguirá eterno, no meu
coração... valeu Jorginho, Jorge Luís, meu querido...