sexta-feira, 2 de maio de 2014

Eleições presidenciais na Colômbia



A batalha pela paz na Colômbia segue a passos lentos apesar da agenda de negociação entre as FARC e o governo. Isso porque os Estados Unidos, que se arvora em polícia do mundo, segue tratando as lideranças das FARC como bandidos, mantendo, inclusive, recompensas pela captura de alguns, os quais acusam de envolvimento com o narcotráfico. Para os integrantes das FARC que estão no processo de diálogo, essa atitude só atrasa ainda mais as negociações. E essa deve ser mesmo a intenção dos EUA, já que as FARC são, sempre, uma boa desculpa para a presença dos soldados estadunidenses na Colômbia e, com tantos privilégios, que sequer respondem à justiça colombiana caso se envolvam em crimes comuns. 

Pois é nesse cenário que a Colômbia vai às urnas no dia 25 de maio para eleger o novo presidente. O principal embate será entre o partido do ex-presidente Álvaro Uribe, que comandou o governo colombiano de 2002 a 2010, sempre como um ferrenho opositor da agenda de paz com as FARC, e o atual presidente Juan Manoel Santos, que colocou a proposta da paz como seu principal ponto de campanha. Os dois eram companheiros, mas justamente a tática com relação às FARC fez com que se separassem e que Uribe se transformasse no principal opositor, no campo da direita, criando, inclusive, um partido para disputar as eleições legislativas, que aconteceram em março. 

Uribe não pode concorrer à eleição presidencial desse ano por força de lei, por isso o candidato será Óscar Iván Zuluaga, mas, ele, na verdade, não passa de uma opção legal para a interferência de Uribe no poder. A figura do ex-presidente ainda domina a cena, tanto que ele foi eleito para o Senado e seu partido conseguiu 20 assentos. A Unidade Nacional, partido do presidente Santos, conseguiu 21 assentos, ficando bastante justa a correlação de forças. Na Câmara de Deputados, o partido de Uribe ainda conquistou 36 cadeiras, de um total de 168. Logo, tem peso, e transformou o legislativo num espaço importante de discussão sobre os destinos da Colômbia. Uribe não quer a negociação com as FARC, quer a dominação militar da guerrilha que existe desde os anos 60, em luta por outra forma de organizar a vida.

O certo é que se há um contingente bastante expressivo da população exigindo a paz, há setores bastante fortes que não querem saber diálogo. O tecido social na Colômbia está muito desfeito e há os que insistem que os membros das FARC “paguem” pela opção de terem usado a guerrilha, num completo e proposital esquecimento sobre as origens do nascimento dos grupos armados no país. Tudo começou em 1948 quando o então candidato Jorge Gaitán, de perfil bastante progressista, foi assassinato por aqueles que não queriam ver a Colômbia soberana e, desde aí o caos foi instalado no país. A violência desenfreada, promovida pelo estado, que assomou após o assassinato de Gaitán obrigou os colombianos a se armarem e se defenderem. Tudo isso, aliado ao momento histórico de instauração de ditaduras na América Latina - patrocinadas pelos EUA - e os consequentes movimentos de libertação, levaram ao nascimento das FARC. 

Logo, falar de “perdão” ou de “pagamento” exige uma mirada atrás por parte de todos os grupos políticos. Mas, os partidários de Uribe não pensam assim e acusam Santos de fraqueza ao buscar negociação com a guerrilha. Assim, é certo que, no dia 25, o povo colombiano vai votar tendo esses elementos muito vivos na cabeça. O desejo pela paz é grande, mas os interesses políticos, econômicos e militares que estão por trás, também têm a sua força. 

No campo da esquerda, uma dissidência dentro do Polo Democrático Alternativo fez com que muita gente boa deixasse o projeto para juntar-se ao Movimento Progressista ou a Marcha Patriótica, então, a candidatura de Clara López Obregón já sai enfraquecida, possivelmente não fazendo sombra ao enfrentamento principal que seguirá sendo entre Uribe e Santos, cuja diferença real está apenas no campo da tática. 

Novos autores sociais

Mas, se a eleição desse mês parece estar mais ou menos definida entre Uribe – na figura de Zuluága – e Santos, o futuro político da Colômbia enche de preocupação a Casa Branca, lá em Washington. E tudo isso por conta de uma declaração do Movimento Bolivariano por uma Nova Colômbia (MBNC), que é considerado o braço político das FARC, afirmando que é hora de a Colômbia seguir seu caminho para a paz e para a construção de uma Assembleia Nacional Constituinte. Isso sinalizou o desejo das forças guerrilheiras de ocupar um espaço legal no complicado xadrez institucional. As FARC entendem que a processo de diálogo que vem sendo levado a cabo só pode ser feito porque há uma força clandestina, muito forte, disposta a conduzir ela mesma seu destino. Daí a lentidão do processo, que caminha no rumo de acordos parciais e pontuais, ainda muito frágeis. E um desses acordos é justamente a participação política. 

Para o exército colombiano, que já se manifestou nos jornais do país, essa vontade de ingressar na luta institucional já está sendo construída, a partir da “infiltração da ideologia das FARC nos protestos sociais” para a criação de um partido político. Esse tipo de declaração, que aparece como uma denúncia, deveria ser entendido como o direito legítimo das FARC em disputar corações e mentes com a proposta dos governantes de plantão. Na verdade, a proposta das FARC não têm nada de ideológica, pelo contrário, elas não escondem nem encobrem a realidade. O que fazem é desvelar o terror de estado que tem sido imposto desde há décadas.  

Por outro lado, a Colômbia hoje tem outras organizações políticas em marcha, com gente que busca novas saídas para o conflito, saindo da dicotomia FARC X governo. Organizações autônomas que podem se aproximar ou não das propostas das FARC, mas que de maneira alguma estão sob seu comando. Não aceitar essa realidade só mostra o caráter autoritário do governo e do exército, incapazes de saírem do diapasão da guerra que eles mesmos aprofundam. 

Ainda assim, se no andar da carruagem dos acordos de paz o Movimento Bolivariano por uma nova Colômbia crescer e disputar os espaços institucionais, ele será uma força importante e concreta no processo de criação de um país soberano. Mas não será a única. A Colômbia vive um momento de grande efervescência política com o nascimento de outros autores, gente capaz de propor novas liras e novas canções, ainda que sem perder a vinculação com a história.

No dia 25, um grande embate estará dado. Mas, esse, também não será a “mãe de todas as batalhas”. O povo colombiano está caminhando e, na caminhada, fazendo seus caminhos.  

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Chegaremos a ser humanos?


Foto: Miriam Santini de Abreu, no Quilombo São Roque

O racismo é uma coisa brutal. Alguém é considerado inferior apenas por conta da intensidade de sua melanina. O racismo não é algo natural. É coisa construída, em nome da necessidade de poder.  Na Europa, o racismo se consolida com as grande invasões do 400, quando portugueses e espanhóis singram os mares em campanhas de conquista, depois seguidos por outros povos da região. Assim, eles invadem a China, o Japão, a Índia,  Abya Yala, a África inteira... Discriminam os amarelos, os azuis, os vermelhos, os negros. Chamam de seres inferiores, simplesmente porque não são como eles. Com isso, justificam a dominação, a escravidão, o extermínio. Visão grega de mundo, na qual só o igual é ser. Os demais são não-seres. Portanto, passíveis de destruição. Toda a cultura e história milenar desses povos dominados são ignoradas.

O tempo passa, o colonialismo daquele então se acaba, mas as marcas e a herança maldita seguem vivas. Hoje, na Europa, depois de terem destruído a vida de milhões e milhões de pessoas, com a invasão e o massacre, as gentes ainda são capazes de discriminar africanos, asiáticos, árabes e latinos, apenas porque eles são quem são. Nada mais. Essa gente sequer se dá conta de que seus países são responsáveis por toda a pobreza e miséria na qual vivem esses povos, na periferia do sistema capitalista. Ainda assim, rechaçam, matam, humilha, violentam, massacram. No Brasil não é diferente. O ódio contra índios e negros, que teve sua origem na invasão portuguesa, segue com a mesma força. E isso se vê todos os dias, em pequenos gestos, comentários racistas, atitudes discriminatórias.

Agora,  vejo um campanha iniciada pelo jogado Neymar, que alude ao gesto de um outro jogador brasileiro - vítima de racismo - que resolveu agir sem alarde diante de uma banana jogada a seus pés, comendo-a, como a dizer: fodam-se, racistas! O ato do jogador, nem discuto. Como branca, é incognoscível para mim saber o que pode ter sentido esse rapaz, assim como tantos outros negros submetidos a momentos de humilhação, sistemáticos, constantes, dia após dia. Talvez tenha sido um esgotamento, um ódio surdo. Não sei.

O que me causa espécie é a atitude de tantos outros brasileiros, na tentativa de se solidarizar com o atleta que hoje vive na Espanha, possivelmente por estar submetido - sem chances de escapar - a essa forma de escravidão moderna que é o futebol. Não creio que a melhor saída seja se fotografar com bananas, aludindo que "somos todos macacos". Não o somos. Nem nós, os brancos, nem eles, os negros. Somos de uma triste espécie, frágil e fraca, chamada humana. Uma espécie que só conseguiu sobreviver até agora porque há uma parte de seus indivíduos que coopera e se solidariza no processo de construção da vida. Uma parte que consegue manter o equilíbrio apesar de outra parte insistir na destruição e no egoismo.

Fico aqui, agora, depois de ler, entristecida, uma matéria sobre um povo negro, do Quilombo São Roque, que teve de jogar fora centenas de quilos de semente, porque está proibidos de plantar em sua própria terra ancestral. Condenados á miséria, ao abandono. Não são macacos, são humanos. Vejo também, no facebook, os cartazes distribuídos em algum lugar desse nosso triste Brasil que dizem que os índios são "atrapalhos" ao progresso, incitando assim o ódio e a violência contra os parentes de todas as etnias. E os índios tampouco são macacos. São humanos.

Então me dá um cansaço, um esgotamento, um ódio. E me deixo ficar na impotência. Não há o que dizer para quem não quer escutar. A solidariedade ao povo negro, aos índios, aos que nos aparecem como diferente não precisa de fotos no facebook. Precisa de ações concretas, na vida cotidiana.


Nietzsche, ao criticar o mundo moderno, dizia que somos humanos, demasiado humanos... Mas não sei, se um dia chegaremos, como raça, a cumprir esse designo!