quinta-feira, 9 de junho de 2011

Não dá mais para viver



A cidade de Florianópolis nem grande é. Tem uma parte ilha, outra continente e abriga aí umas 400 mil pessoas. Mas, apesar de não ser uma megalópole, a vida aqui é muito parecida a lugares assim. Como a cidade cresceu desordenada e sem planejamento, as ruas são estreitas e o número de carros excessivo. Prefeito atrás de prefeito, ninguém nunca se preocupou em desenvolver o transporte de massa. A cidade sempre foi pensada única e exclusivamente para os carros.


A coisa é tão incrível que, mesmo sendo uma cidade turística, Florianópolis deve ser a única cidade/capital do mundo a não ter uma linha de ônibus que passe em frente à rodoviária. Todos os dias chegam e saem da cidade centenas de pessoas. E não há um ônibus que passe ali. As pessoas que chegam à cidade pela via terrestre precisam arrastar suas malas até o terminal central, distante a uns 400 ou 500 metros. E quem vem dos bairros para a rodoviária passa pelo mesmo desconforto. Arrastando malas e se estressando nas ruas próximas ao terminal que são coalhadas de carro. Um desastre. Uma vergonha.


Nos dias de semana, uma pessoa que não tenha entrado no turbilhão das compras de carro em 60 meses, e usa o malfadado transporte coletivo, passa por um inferno digno da prosa de Dante. Poucos quilômetros são percorridos lentamente em engarrafamentos monstros. Demora-se de duas a duas horas e meia para fazer 20 quilômetros. Este ano a prefeitura inaugurou um elevado – que ficou em obras por dois anos com uma promessa de solucionar definitivamente as filas – e no primeiro dia foi um deus nos acuda. Hoje, os ônibus ficam sobre o elevado por 20 ou 30 minutos, completamente parados. São quatro vias rápidas desembocando numa via única. Coisa para enlouquecer qualquer cristão. Desastre de engenharia de trânsito.


Diante de todos esses horrores cotidianos a única possibilidade de não entrar numa de explodir em “um dia de fúria”, é a boa e velha alienação. Fico imaginando se o velho Marx vivesse neste tipo de capitalismo dependente da periferia do sistema, se ele não iria abençoar a alienação como, talvez, a única possibilidade de se manter são.


Eu sempre achei meio lance fraco as pessoas andarem com esses aparelhinhos de ouvir música, alienadas, no meio do turbilhão. Pois hoje eu decidi comprar um, depois de quase ter perdido a tramontana numa tarde destas. Chuva, ônibus fechado, sem ar, gente tossindo, 40 pessoas sentadas e 100 em pé, criança berrando, gente falando ao celular, outros com o celular tocando alto uma música evangélica. Pensei que fosse surtar. Bateu o terror. Está dureza demais viver nesta cidade, do jeito como as coisas vão. No meu bairro, que é pura beleza, os condomínios não param de surgir. Não há ruas, não há esgoto, não há formas de a gente se mexer com tranqüilidade. Tudo está em colapso. A cidade está em colapso. As pessoas também.


A certeza de tudo isso se deu numa sinaleira. Meu ônibus parou do lado de outro eu olhei para as pessoas que ali estavam com as caras emolduradas nas janelas. Seus olhares eram catatônicos, tristes, desolados, desesperadores. Minha mirada cruzou com a de outra mulher e eu reconheci nela o mesmo sentimento. Lá no outro ônibus, ela, com os olhos em fogo, via o mesmo que eu. Seres em escombros tentando sobreviver à insuportável travessia.


De novo pedi perdão a Marx e rezei aos deuses antigos: bendita alienação. Fechei os olhos e fiquei a escutar Cascatinha e Inhana a cantar velhas cantigas sertanejas. Única forma de sobreviver ao desastre do transporte coletivo. Mas alguma coisa em mim diz que há um tênue fio... um tênue fio, que pode se romper...

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O Campeche em luta

Aliança do Sul pela Natureza fez mobilização no Campeche





O lindo domingo de quase inverno levou a comunidade do sul da ilha para a rua. Mais de 600 pessoas se manifestaram, brincaram, dançaram e fizeram luta no antigo campo de aviação do Campeche, onde os moradores querem a construção de um Parque Cultural. Na celebração do Dia Mundial do Meio Ambiente, organizada pelo Núcleo Distrital do Campeche, que congrega mais de 20 entidades, vieram os que amam a natureza, os que amam o lugar onde vivem e os que querem uma cidade boa para se morar. Vieram os aliados do Ribeirão da Ilha, do Movimento Saneamento Alternativo, do Núcleo Distrital do Pântano do Sul e até sindicalistas como os do Sintrafesc. A união de tantos movimentos que consolidam a “Aliança do sul pela natureza” mostrou que as pessoas querem mesmo é a possibilidade de viver num lugar que respeita o ambiente, que preserva o que é bom e que busca uma relação harmônica com tudo o que vive. Mostrou também que, se for preciso lutar muito para que isso seja real, as gentes o farão.

No início da tarde, com um sol brilhando ao máximo, as pessoas foram chegando. Vinham com seus filhos, com pandorgas, cachorros, chimarrão, bicicletas, bolas, petecas, material de pintura. Em pouco tempo o espaço do campo de aviação já era pura cor, com a gurizada correndo e jogando futebol. No que durante a semana só se ouve o rumor do vento, ouvia-se o riso cristalino, os gritos de alegria e a animação. Também ouvia-se o grito de protesto contra o código florestal, que destrói gente e floresta. Contra Belo Monte, que arrasa ainda mais com a vida no Xingu.

Pelo espaço do campo foram montadas barracas com informações sobre o Plano Diretor, sobre como cuidar do lixo, como se desfazer com responsabilidade do lixo eletrônico, barraca com animais para doação, informes sobre a Rádio Campeche – a rádio da comunidade, sobre o saneamento alternativo, sobre os riscos do emissário. Enfim, os mais diversos movimentos expuseram suas lutas e informaram à comunidade que não parava de chegar.

No meio da tarde, uma grande caminhada pela Pequeno Príncipe anunciou um ato/carnaval/festa/manifesto. Das janelas assomaram as gentes que, aos poucos, decidiam por aderir ao movimento. Um grande tubo preto representava o emissário – mal amado e mal querido – que ninguém quer na praia do Campeche. Famílias inteiras iam somando-se ao grupo que dançava e se manifestava. Uma ala de pessoas vestidas com prédios de papelão anunciava os riscos da verticalização do bairro, coisa que ninguém quer. Outra ala chamava para o cuidado com o lixo, com a limpeza, com o saneamento. A ala da água propagava a necessidade de se cuidar do aqüífero que é herança da natureza para os bichos e as gentes. Depois, no final, vinha o boi de mamão, divulgando a cultura desta gente forte que não se cansa de lutar e resistir para que os bairros do sul da ilha sigam vivendo a sua vocação que é a de serem bairros-jardins, integrados harmonicamente com a exuberante natureza de restinga, dunas e praias. Era gente demais proclamando seu amor pelo ambiente onde constrói sua morada.

Depois da caminhada toda aquela gente se concentrou no Pacuca (Parque Cultural do Campeche), que se coloriu de povo e de bicho. Foram plantadas árvores por todo o lugar, fez-se fila para a pipoca, para o cachorro quente. O Campeche vivia um momento de pura alegria. Mesmo aqueles que não participam muito das atividades políticas, deparados com aquele movimento tão animado, parou e escutou. Reconheceram que só a luta do povo unido pode garantir coisas.

Depois, quando a tarde já findava, o boi de mamão do Campeche fez de todos, crianças, e não houve quem não dançasse e se emocionasse com a beleza desta cultura tradicional que também resiste entre tantas invasões culturais. E, na hora em que o céu avermelhou, num pôr-do-sol de tirar o fôlego, uma bateria de escola de samba deu o tom do que é a luta no Campeche: forte, cadenciada, unida. Foi um dia perfeito!

A festa do dia mundial do meio ambiente não se esgota neste cinco de junho. Ela é permanente no Campeche e no sul da ilha. No próximo domingo, às 10h, em frente ao campo de futebol do Pântano do Sul, a caminho dos Açores, sairá uma caminhada também buscando envolver a comunidade na luta pela criação de um Parque e na defesa da vocação do sul. Lá estarão todos os lutadores outra vez, porque esta é uma luta que não se acaba, pelo menos não enquanto pulularem os vilões destruidores da natureza e das gentes.

O povo unido vence, e isso não é palavra de ordem. É a mais pura realidade!

domingo, 5 de junho de 2011