Há mais de dez anos que estudo, de maneira sistemática, os
modos de produção das sociedades antigas, originárias, aqui do nosso
continente, Abya Yala. E, todo encantamento que se me acomete com a
originalidade e a beleza do modo de vida de tantos povos é tripudiado por companheiros que, de maneira
trocista, me acusam de querer voltar a idade da pedra.
Quando me aparecem com esse argumento tão frágil, insisto:
não se trata de voltar ao passado, mas de tomar, do passado, as lições que
possam fazer do presente e do futuro uma lugar melhor para todos.
É óbvio que esses 300 anos de capitalismo produziram coisas
interessantes. O povo trabalhador, ainda que com sua força de trabalho
capturada, deu vazão à sua criatividade e fez com que muitas coisas melhorassem
a vida deveras. Mas outras não. Outras apenas “aparecem” como boas. Na sua
essência, escravizam e alienam as pessoas, mantendo-as presas a roda insaciável
do capital.
Dou apenas um exemplo bem prosaico. O celular. Quem pode
dizer que o celular não é uma coisa boa? Ele tira foto, vira agenda, filma,
manda mensagem, é reservatório de livros, é quase tudo na vida da pessoa e,
ainda serve para falar com outro ser humano à distância. Uau! Perfeito. Mas, no
sistema capitalista de produção, um objeto assim, tão completo, não pode ser
algo que a pessoa compra e o tem para a vida inteira. Se fosse assim, acabava o
ciclo e a roda econômica não girava. Então, a indústria criou, para o celular e
para praticamente todas as mercadorias produzidas o que se conhece como
“obsolescência programada”.
E o que significa isso? Que a mercadoria tem tempo de vida
definido. Ela não tem a durabilidade que muitas coisas tinham no passado. Por
exemplo: tu fazias uma mesa e ela durava a tua vida, a vida do teu filho e dos
teus netos. Não. Hoje não. Cada mercadoria tem um tempo fixo. Chega a sua hora
e ela se desmancha, pifa, estraga. Precisa ser jogada fora, pois eles são
construídos de tal maneira que não permitem o conserto.
No caso dos eletrônicos, como o celular, o computador, a
máquina fotográfica etc..., a coisa é ainda mais grave, pois o material de que
são feito não se degrada facilmente.
Assim, vai sendo criada uma montanha de lixo que o planeta não tem
condições de assimilar. Só na Europa, onde esse problema começa a ser
discutido, nos próximos três anos serão acumulados 12 milhões de toneladas de
resíduos tecnológicos. Imaginem considerando o consumo de todo o planeta.
Hoje, diante do mundo, sinto-me conservadora. Gosto das
coisas que ficam, que demoram a se acabar. Amo velhos móveis de madeira, roupas
antigas que sobrevivem aos anos, artefatos que podem ser consertados milhares
de vezes e que se renovam a cada mexida.
Amo canecas de louça que perdem um ou outro pedacinho, copos de lata e
sapatos feitos à mão pelos artesãos de rua. Sim, gosto de algumas comodidades
da vida moderna, mas queria que pudesse ser diferente. Sem tanta obsolescência.
Fazem-me falta as coisas que perduram... Amores, amizades, olhares, coisas...
Que mesmo na permanente mutabilidade da vida, ficam e ficam e ficam...