Ele chegou assim, de
manso. Passo leve, olhar baixo, óculos de grau, chapéu. Trazia um lenço
palestino em volta do pescoço. Vestia uma calça jeans rasgada no joelho e uma
camisa pastel, cujas mangas arregaçadas deixavam vislumbrar tatuagens. Sentou
na última fileira. Todos os olhares se voltaram para ele. E as pessoas
cochichavam. As meninas, alucinavam. Mesmo assim, ninguém se atrevia a
interpelar. Eram as Jornadas Bolivarianas, evento anual do Instituto de Estudos
Latino-Americanos da UFSC. Coisa científica, discussão da Teoria da
Dependência. E ele ali. Quietinho. Ouvia e escrevia.
Passaram o primeiro e
o segundo dia, e ele firme. Todas as palestras. Os murmúrios seguiam, as gurias
perguntavam. Quem é? Quem é? Gato! Gato! E entre os debates sobre dependência,
renda da terra, socialismo, capitalismo, desenvolvimento, história da América
Latina, misturavam-se os suspiros e comentários nada intelectuais.
No terceiro dia, até
eu já suspirava, afinal, ali, na última fila estava a cópia perfeita do Johnny
Depp, ator estadunidense, de origem indígena, responsável por alguns dos filmes
mais lindos que já vi. Sem contar o sensacional
“Jack Sparrow” , capitão do Pérola Negra. Era ele cuspido e escarrado. Pois
não é que, no final da tarde, sem que eu esperasse, ele vem assinar a folha de
presença. Vejo-o sumir pela porta e pulo no papel. Douglas May. Claro, não era
Johnny.
Quando ele volta, para
a última conferência, o abordo. Não poderia deixá-lo ir sem saber quem era.
Pois Douglas é o sosia brasileiro do Johnny Depp. Ator desde bem jovem, já
protagonizou trabalhos importantes no teatro catarinense. Formado em Direito
chegou a trabalhar num escritório de advocacia, mas o que ganhava mal dava para
comer. “Florianópolis é uma cidade muito cara”. Depois, foi dar aulas de
história, mas, ser professor também não é moleza num estado em que até o
governador descumpre a lei e nem sequer paga o piso salarial. Então, num
carnaval, ele buscou uma fantasia, assim, por brincadeira. Achou a do Jack
Sparrow e assombrou-se com o assombro das pessoas. Ali estava o capitão do
Pérola, igualzinho.
Na hora ele teve o
clic. “Já tinham me dito que eu parecia com o Johnny, mas a gente não leva a
sério. Eu já me parecera com Che Guevara e também com Bertold Brecht, o qual
interpretei no teatro. Mas, ao me ver como Jack, eu também me convenci”. Desde
aí o capitão faz parte de sua vida. Hoje, Douglas trabalha no litoral
catarinense, representando o personagem imortalizado por Johnny. “Tudo começou
como uma brincadeira para eu espantar a depressão, mas agora o personagem me
garante a vida. Com ele, não só ganho mais dinheiro, como me sinto realizado”.
Mas, para além do
trabalho como ator, Douglas May interessa-se pela política. Declaradamente
comunista, ele conta que veio assistir à décima edição das Jornadas
Bolivarianas porque gosta do tema da dependência e entende que o mundo precisa
mesmo ser transformado. “E, para isso, precisamos compreender a realidade. Por
isso, sempre quando posso, estou estudando. Também gosto de escrever. Fico na
minha, pensando e colocando as ideias no papel”.
E, assim, desfeito o
mistério do Johnny Depp, o que encontramos foi uma criatura preciosa, com um
sorriso encantador. Tímido, introspectivo, inteligente, sonhador, guerreiro,
criador. Douglas May. Muito mais do que uma cópia do lindo capitão.
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