terça-feira, 5 de janeiro de 2021

São Borja, o engenho de arroz e a propriedade coletiva



Quando éramos pequenos, vivendo em São Borja, nossa maior alegria era brincar na montanha de cascas de arroz. Do lado da nossa casa, na propriedade do seu Artur Savian, havia um engenho. Lá dentro eles beneficiavam o arroz. O esquema era muito legal e entrar naquele engenho era adentrar em um mundo mágico. Enorme, cheio de tubos gigantes, a nossa Nárnia. O arroz entrava com a casca e no processo ela era descartada através de um enorme cano bem no alto do engenho, se armazenando na parte de fora. Isso fazia com que se formasse uma espécie de montanha de cascas.

Brincar ali era divino, apesar da coceira que dava depois. Mas, quando a gente é criança essas coisas não têm qualquer importância. Era bastante comum a gente fazer túneis nas cascas, nos quais entrávamos para nos esconder. Hoje eu vejo o perigo que era. Tudo era muito frágil e se aqueles túneis desabassem sobre nós, provavelmente morreríamos sufocados. Bueno, nunca aconteceu.

A melhor brincadeira era a de mocinho e bandido. E aí não importava muito se a gente era o mocinho ou o bandido porque o bom mesmo era ser atingido e rolar pela montanha de cascas. Era uma queda homérica, épica mesmo, com direito a várias cambalhotas. Descer rolando aquela montanha de cascas nos fazia todos excepcionais candidatos a dublês em filmes de ação. A nossa melhor aventura.

Não bastasse isso, naqueles dias não havia de maneira alguma o conceito de propriedade privada. Como a gurizada era muita, nas brincadeiras de esconde-esconde era comum a gente entrar na casa uns dos outros e nos esconder nos quartos, embaixo das mesas, nos armários. Se havia muros, os portões estavam sempre escancarados e nas demais casas só o que tinha era um cerca de arame, as quais ultrapassávamos sem problema. 

Lembro até hoje da querida Dona Mira, esposa do seu Artur, que vez ou outra se surpreendia com um de nós nos quartinhos que ficavam ao longo do enorme alpendre. Mas, não dava nada. Ela fazia cara de paisagem para não entregar ninguém e a turma seguia a brincadeira. Assim era também na casa da Nelci, onde buscávamos os cinamomos para brincar de Tarzan, pulando de galho em galho enquanto ela lavava a roupa sem se ocupar de nós.

Que tempos aqueles na rua dos Andradas, quando a rua e as casas eram de todos.

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