Minha mãe odiava cozinhar. Mas, cozinhava. Nunca trabalhou
fora de casa e então, sobrava para ela essa tarefa difícil. Acordava às 10
horas da manhã e já vinha resmungando. Sempre foi assim. Tomava um cafezinho
preto e já começava as lides da cozinha. Geralmente mantinha uma horta, com
verduras e legumes. Nunca foi capaz de fazer um prato só. Quando dava onze e
meia, e o pai chegava do trabalho para almoçar, tudo já estava na mesa. Havia
sempre uns três ou quatro tipos de comida diferentes. Todos com um sabor
espetacular. Sempre me surpreendeu aquilo, visto o mau humor que tinha ao
prepará-los.
Não gostava que metêssemos o bedelho na cozinha, mas ainda
assim, fui aprendendo, no olhômetro, os segredos de sua culinária. Saí de casa
bem cedo e quando vinha, nas férias, gostava de cozinhar pra ela, aliviando-lhe
o fardo, ainda que por poucos dias. Ela deixava, mas ficava na supervisão. Assim
que meu jeito de cozinhar tem o jeito dela.
Tal qual ela tampouco gosto de cozinhar. E tive sorte. Saí
de casa cedo e desde os 17 anos vivi sozinha, sem preocupações com horários ou
almoços. Comer fora virou hábito e nos finais de semana sempre me satisfiz com
um sanduba ou um arroz com ovo. Quando resolvi enfrentar uma vida a dois, lá
pelo final dos anos 90, também me presenteou a sorte com um companheiro que
gosta de comandar a cozinha. E quando meu sobrinho veio morar comigo trouxe sua
veia gourmet. Sorte grande em dobro. E eu fora da cozinha.
Agora, há mais de um ano estou cuidando do meu pai. E nisso,
vou vivendo um processo de re-cordações. Voltam ao coração às lembranças de um
tempo que ele vai esquecendo. É como um jogral maluco. Dentre essas coisas que
ele esquece e eu lembro está o gosto da comida da mãe. E como às vezes eu fico sozinha com ele, sou
obrigada a voltar à prática das panelas, afinal, a comida tem de aparecer na
mesa.
Hoje, resolvi fazer bife à milanesa. Minha mãe os fazia de
um jeito espetacular, ao estilo argentino. Quando ela anunciava esse prato, as
bocas salivavam e até os vizinhos passavam pela cozinha para experimentar. Eram
famosos os milanesas. Puro primor. Assim, ouvindo sertanejo de raiz e tomando
vinho com o pai, fui construindo o edifício do sabor, exatamente como ela
fazia. Havia tanto tempo que não me aventurava por esses caminhos e não sabia o
que poderia dar.
Mesa posta, milanesas prontos, servi com arroz e purê. A
carne era macia e o pai comeu três bifes, com estalos de prazer. Quando já ia
terminando o terceiro, vaticinou: “estão iguais aos da Helena”. Era a primeira
vez que ele falava da mãe em meses. E saiu assim, naturalmente, como se nada.
Eu fiquei quieta e ele seguiu mastigando, tranquilo.
A vida e suas prosaicidades...
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