Barra da Lagoa, ainda uma beleza
A prefeitura de Florianópolis está chamando para o dia 23 de
junho uma audiência pública para finalizar o processo do Plano Diretor. Mas,
segundo os movimentos sociais e lideranças populares que participam dessa
discussão desde há 11 anos, mais uma vez os governantes atuam contra a
população, visando aprovar as medidas que interessam apenas à classe dominante
e aos especuladores.
Antes de qualquer
coisa é preciso lembrar o que é o plano diretor. É o documento que estipula
como a cidade se organiza no espaço, ou seja, define as zonas residenciais,
comerciais, de preservação, as vias públicas, os parques, o número de andares
que os prédios podem ter, etc...
Em Florianópolis, por conta da luta das comunidades, durante
anos foi possível reunir e discutir o modelo de cidade que a população queria.
Os governantes tiveram de obedecer ao Estatuto das Cidades e democratizar o
debate, o que permitiu que cada bairro pudesse pensar como a vida poderia ser,
segundo as possibilidades e os desejos da maioria. Foram meses e meses de
reuniões que culminaram em um golpe, dado pelo então prefeito Dário Berger que,
em vez de desenhar a cidade pensada pelas gentes, desenhou um modelo que
traduzia o interesse dos empreiteiros e dos abutres de plantão. O golpe foi
desarticulado pela população e o prefeito teve de colocar o “rabo entre as
pernas”.
Depois, foi a vez de César Souza Junior, um jovem de direita
que assumiu a prefeitura prometendo dar um fim ao processo do Plano Diretor
que, segundo ele, mantinha a cidade parada. Uma bela duma mentira, pois a
Câmara de Vereadores seguiu, ao longo dos anos em que se discutia o plano,
fazendo e acontecendo conforme os desejos dos donos do capital.
Acreditando ser possível passar por cima das gentes César
Souza colocou para a votação um Plano Diretor totalmente alterado, com mais de
600 novas emendas, e os vereadores aprovaram mais da metade delas sem sequer
saber qual era o teor das propostas. Uma votação ilegítima e ilegal, acontecida
num final de ano, de maneira atabalhoada. A coisa não se deu sem luta. A
população foi até a Câmara e protestou, não faltando a repressão policial, a
violência e o desmando. O plano foi aprovado, mesmo assim.
Mas, a partir da ação popular, a Justiça agiu em favor da
cidade e obrigou a prefeitura a voltar atrás. Deveriam ser feitas novas
audiências, para que as comunidades pudessem conhecer e votar o teor das novas
emendas. E, como cabe a uma gestão incompetente, o processo foi se arrastando,
sem término.
Agora, estamos aí com mais um prefeito, o Gean Loureiro, tal e qual os outros, governando para o 1% que domina a vida: empresários, construtores, os ricos. E, outra vez, o processo do Plano Diretor foi acontecendo de forma irregular, atendendo aos interesses dos graúdos e não das comunidades. Novas reuniões aconteceram para avaliar as emendas, mas, no caminho, outras propostas foram agregadas, de novo de maneira ilegal. Muita luta se travou e ainda assim, ao final da etapa garantida pela justiça, os membros do Núcleo Gestor chegaram a contabilizar 90 dissensos, tanto no teor das emendas quanto nas regras para fechamento do processo. Alguns grupos dentro do NG começaram a boicotar as reuniões, visando não dar quórum e, mais uma vez a coisa se arrastou, o que de certa forma é bom para os empresários. Afinal, enquanto não tem plano diretor eles vão negociando suas demandas diretamente com os vereadores.
Agora, a prefeitura pretende fazer a última audiência no dia
23, sem que o rebatimento das propostas seja feito pelos representantes do Núcleo
Gestor. O IPUF é quem vai ficar responsável por isso. Na prática, significa que
as questões mais polêmicas do plano, as quais não tiveram consenso, serão
levadas diretamente para disputa dentro da Câmara de Vereadores. E ora, pois,
todos sabem muito bem qual é a posição dos vereadores: sempre a que o prefeito
mandar. Tirando uma bancada ínfima de
vereadores da oposição, os demais votam de olhos fechados no que for de
interesse dos empresários.
É por isso que só a luta mesma pode mudar a cara do processo
do Plano Diretor, definindo um modelo de cidade para as pessoas que aqui vivem
e não para os turistas que passam aqui suas férias. Florianópolis se
verticaliza, cresce de maneira desordenada, perde seus espaços de preservação,
não consegue definir parques e praças, pois a intenção é sempre mais e mais
moradias de alto luxo, voltadas à especulação e ao turismo.
Aos moradores fica relegada a periferia, longe do local de
trabalho, sem transporte de qualidade, e com aluguéis cada vez mais fora da
realidade dos trabalhadores. No sul da ilha, uma casa com três quartos, para
abrigar uma família pequena, não sai por menos de dois mil reais. Quem pode
bancar isso? Em outros bairros, a construção de monstros de cimento, também vai
descaracterizando a cidade que perde, inclusive, aquilo que deveria ser o
chamariz para o turismo: sua beleza natural, sua simplicidade.
No plano traçado pelos empresários do cimento, Florianópolis
deverá ser uma cidade de altos prédios, com apartamento de alto padrão, para
“pessoas de bem”, que no dicionário deles quer dizer “ricos”. Basta ler a
coluna de um dos jornalistas porta-voz dessa camarilha, que frequentemente
repudia a chegada dos turistas sem dinheiro, dizendo que eles fazem é
atrapalhar a vida da cidade.
Os endinheirados não estão procurando uma cidade para morar.
Eles vivem em qualquer lugar, têm todas as condições para se mover daqui para
ali sempre que as coisas não forem do seu agrado. Mas, os que vivem aqui, e que
trabalham na cidade, gerando a riqueza, esses não tem mobilidade, não têm o
direito de ir e vir. Precisam vender sua força de trabalho cada vez mais barato
e estender a jornada para pagar o aluguel e dar de comer aos filhos. Esses
querem e precisam de uma cidade de verdade, para morar e para viver. E é para
essa gente que um governo deveria governar.
Mas, claro, isso é um sonho... Que pode virar realidade se a
população participar e virar o jogo. Unidas, as gentes têm poder e podem
garantir uma cidade boa de viver.
O primeiro passo é ir à audiência e erguer a voz. Dia 23 de junho, Alesc, 19h.
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