Causa profundo
constrangimento abrir a página do Sindicato dos Jornalistas de Santa
Catarina e não ver uma única linha sobre a operação Zelote, que
investiga o sumiço de débitos tributários, um desfalque homérico
aos cofres públicos, no qual está envolvida a mais importante rede
de comunicação do estado: a RBS, afiliada da Globo. Há suspeitas
de que a empresa dos Sirotzki tenha pago cerca de 15 milhões de
reais para que desaparecesse um débito seu com o estado, que pode
passar dos 150 milhões de reais. É dinheiro demais da conta. Quem
explica isso? E por que o sindicato dos jornalistas não abre a sua
boca?
Lembro que durante a
gestão do Rubens Lunge, foi feito um importante trabalho de denúncia
do oligopólio que é a RBS em Santa Catarina. Um trabalho difícil,
na medida em que contou com um sistemático boicote. Naqueles dias,
um procurador do Ministério Público Federal chegou a entrar com uma
ação pedindo a investigação do oligopólio (que tratava da compra
de vários jornais no estado), mas ele foi afastado da capital e as
coisas esfriaram. Ainda assim, o Sindicato dos Jornalistas, à época
dirigido por Rubens Lunge, fez vários atos públicos no centro da
cidade, recolheu assinaturas para um abaixo-assinado, buscou apoio
junto aos demais sindicatos. Mas, pouca ajuda veio e, finalizada a
gestão, os novos dirigentes não levaram adiante o trabalho de
denúncia. O resultado foi que a ação acabou julgada improcedente
pelo juiz
Diógenes Marcelino Teixeira, da Terceira Vara Federal de
Florianópolis. A
justiça se rendendo ao oligopólio.
Agora, quando as
notícias fervilham por todo o estado e até nacionalmente, com a RBS
envolvida em corrupção – enquanto ela mesmo posa de vestal da
moralidade denunciando a corrupção alheia – o que faz o nosso
sindicato de jornalistas? O mesmo que vê, todos os dias,
trabalhadores sendo explorados e demitidos sem justa causa por essa
empresa? Nada! Nem mesmo um texto de informe. É mesmo a morte do
sindicalismo e da própria política nesse campo de luta. Será que
os dirigentes do SJSC não percebem o tamanho da bomba que vem por
aí? Porque certamente tudo isso vai explodir no lado fraco da corda,
os trabalhadores. Certamente haverá cortes, demissões, mais
exploração. Esse é um tema que deveria estar na pauta do dia.
Lamentável.
E já que o SJSC não
faz seu trabalho, a gente ajuda. A operação Zelote tem uma
característica que escapa aos “moralistas” de plantão. Ela não
envolve políticos – os que são alvos fáceis e preferidos. Ela
envolve o sacrossanto setor empresarial. São os bonitinhos e
engravatados executivos das empresas que estão dando o calote no
estado brasileiro, deixando de pagar impostos. Não é só a RBS
envolvida, não. Estão sendo investigadas a Ford, a Mitsubishi, a
BR Foods, a Camargo Corrêa, a Ligth, Petrobras e pasmem, também os
Bancos. Estão na lista o Bradesco, o Santander, o Safra, o
BankBoston e o Pactual. Segundo os informes iniciais, essas empresas
teriam deixado de pagar aos cofres públicos a bagatela de 5,7
bilhões de reais. Eu disse bilhões.
Esse é um escândalo
que está sendo investigado pela Polícia Federal, a Receita Federal,
o Ministério Público Federal e a Corregedoria do Ministério da
Fazenda. Por certo haverá funcionários da Receita envolvidos pois o
esquema de sumiço dos débitos se dava desde dentro, no Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), mas é importante lembrar
que não há corrompidos sem um corruptor. Há notícias de que
existam pessoas – lobistas – especializadas nesses esquemas de
contestação administrativa de débito e as empresas se utilizavam
deles para fazerem os débitos desaparecerem do sistema.
Conforme as
investigações que estão sendo feitas desde 2013, dos 70 processos
investigados junto ao Carf, o total de tributos devidos chega a 19
bilhões de reais, sendo que 5,7 comprovadamente foram
“desaparecidos” de forma ilegal. Em alguns casos já está
acontecendo até a apreensão de bens, como carros de luxo
importados. Todas as empresas envolvidas responderão a inquérito
administrativo aberto pelo Ministério da Fazenda. A rede da Zelote
pegou gente demais. E o que é mais incrível, gente que até ontem
estava nas passeatas gritando contra a corrupção. São os que têm,
como popularmente chamamos, uma moral de cueca. Gritam contra seus
inimigos e não se preocupam com as travas que têm no próprio olho.
Na verdade, é uma gente que nada de braçada no mundo das finanças,
certa da impunidade.
Assim, agora, junto
com a operação Lava Jato, que investiga o rombo na Petrobras e
envolve PSDB e PT, as “renomadas” empresas e bancos privados
terão de prestar contas de seus maus feitos.
Em Santa Catarina, a
RBS tem uma história de expansão vertiginosa. Em pouco tempo de
ação no estado foi aos poucos acabando com praticamente toda a
imprensa regional. Comprou o “Santa”, de Blumenau, e o “A
Notícia”, de Joinville, que eram jornais de circulação estadual
e os transformou em tabloides locais, sem que houvesse qualquer
chance do aparecimento de uma voz dissonante no estado. A RBS passou
a ser a única voz de circulação estadual a partir do Diário
Catarinense. Não bastasse isso, foi estendendo os tentáculos também
na televisão e hoje abrange todo o estado com emissoras em cidades
chave. É um oligopólio e oferece ao estado um pensamento único,
sempre ancorado nos interesses da classe dominante, reservando aos
sindicatos, movimentos sociais e lutas populares a alcunha de
baderneiros, bagunceiros e criminosos.
A comunicação em
Santa Catarina está sob o controle majoritário dessa empresa que,
além de não pagar os tributos corretamente, como agora se anuncia,
ainda lucra sobre os trabalhadores, no geral superexplorados. A
multifunção é uma realidade denunciada todos os dias, com
trabalhadores tendo de cumprir jornadas exaustivas, cumprindo funções
de quatro ou cinco pessoas.
É fato que a
categoria dos jornalistas é de difícil abordagem e de pouca
participação nas lutas corporativas. No geral existe muito medo, e
não é para menos quando se vive num estado no qual praticamente
todo o mercado de trabalho é dominado por uma única empresa. Aquele
que reclama ou que luta fica marcado e as pessoas precisam ganhar a
vida.
Por isso o trabalho
de um sindicato é importante. Porque o sindicato pode falar,
denunciar, mostrar. Um sindicato tem as condições de atuar sem
medo. Infelizmente não o faz. Nem mesmo agora, quando a denúncia já
circula em nível nacional.
É hora dos
jornalistas cobrarem ação, se juntarem, participarem da vida
sindical. Nos tempos difíceis que virão, não será fácil
enfrentar sozinho. Haverá choro e ranger de dentes, mas isso não
acontecerá nas salas acarpetadas da empresa de comunicação. Se a
RBS tiver de devolver aos cofres o que tem sonegado, é na carne dos
trabalhadores que haverá o corte.
É hora de pensar
sobre o caso e começar a se mexer.
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