Vereador se diverte em frente ao computador
população tenta passar sua mensagem
Fotos: Mateus Bandeira Vargas
Em menos de dois dias, a Câmara de Vereadores de
Florianópolis votou um projeto de Plano Diretor, alterado por quase 700
emendas. Todos os ritos foram patrolados, nada impediu que, entre sorrisos de
mofa, os vereadores fossem aprovando uma a uma, as emendas que continham os
interesses dos grandes empresários. Alguns dos nobres edis davam claros sinais
de que sequer sabiam do que se tratavam as emendas. É que não estava em questão
o conteúdo e sim o princípio: fazer a vontade do capital.
Uma cidade como Florianópolis é como uma galinha de ovos de
ouro para as empresas do ramo turístico. Quarenta e duas praias, clima
agradável, um bom verão. Assim, se considerarmos que no sistema capitalista
tudo é espaço de conquista de lucro, não haveria razão para se pensar que no
espaço da cidade isso fosse ser diferente. Afinal, qual a razão de se aumentar
o gabarito (numero de andares edificáveis) na região do Estreito, se ali já
existem prédios de 15 andares? Ora, foi construída uma beira-mar continental,
que hoje tem na sua margem uma série de imóveis velhos, de costas para o mar.
Ali, agora, poderão se erguer espigões. Os donos dos prédios estão esfregando
as mãos, suas propriedades dobraram de valor. E as construtoras que erguerem
ali as torres habitáveis, também vão auferir lucros estratosféricos. Um
apartamento a um milhão. Façam as contas.
E assim, cada alteração de zoneamento, cada alteração de
gabarito, foi milimetricamente pensada para gerar lucros. Seja para os que ora possuem as
propriedades ou para os que as possuirão. É um azeitado jogo de interesses no
qual os que saem perdendo são aqueles que querem um mundo diferente, que não
seja esse, capitalista, baseado no lucro. O filósofo britânico, David Harvey,
que esteve há pouco na cidade, deixou isso bem claro, quando falou da
transformação das cidades em espaços especulados: " Para construir uma
cidade diferente, é preciso ser anticapitalista". E nessa terra nossa,
quem é?
Assim que a luta que se travou nos dias de votação da Câmara
de Vereadores já tinha um vencedor bem antes de o plano entrar na casa. Todo o
jogo de cena de que a população havia construído o plano por sete anos,
divulgado pela mídia, que a discussão tinha acontecido, que as pessoas sabiam
muito bem do que se tratava, era o manto da ilusão necessário para enganar a
maioria. Numa cidade de quase quinhentos mil habitantes, com um movimento popular
desarticulado e alquebrado, a opinião pública que se formou foi a de que o
plano é bom e vai ajudar a cidade a progressar.
Quem viu o puxa-saquismo da RBS na entrevista com o prefeito
nessa quinta-feira sabe bem do que estou falando. Quem, em sã consciência pode
ficar imune aos discurso de que as praças públicas estão cheias de gente
drogada, que os parques só servem para juntar marginais e que a falta de
marinas e hotéis de luxo vai fazer faltar emprego? Para aqueles que sofrem a
cidade diuturnamente, na falta de mobilidade, na insegurança, no desemprego,
esses anúncios de vida melhor soam como cantos de sereia. Essas maiorias que
passam 70% do seu dia tentando sobreviver, não tem tempo para estabelecer os
nexos entre as promessas feitas na televisão e o seu completo descumprimento na
vida real. Há que levar o leite para casa.
Para que a população pudesse desvelar as mentiras teria de
existir um movimento popular e comunitário atuante e, principalmente,
anticapitalista. Não tem. Temos vários grupos lutando na cidade por questões
bem específicas. Passe livre, ciclovias, saneamento, mulheres, negros,
homossexuais, sindicatos. E cadê que esses movimentos debatem junto com suas pautas
específicas os destinos da cidade, como um projeto de espaço coletivo de
vivência? Cadê que esses movimentos circulam pelas comunidades descortinando o
véu do engano que a mídia comercial ajuda a disseminar? Cadê que eles articulam
as variadas lutas num projeto anticapitalista de fato?
É que a luta pela cidade é a luta contra o capital. Não há
espaço para meio-termo. O passe-livre sozinho não desescraviza o trabalhador. O
saneamento sozinho não garante bem-viver, mover-se melhor na cidade não
significa que se possa ir onde se quer. Tudo isso fica perdido se não for para
libertar as pessoas da sociedade do consumo e do lucro. É só a tentativa de "humanização"
do capital, obra inútil porque inalcançável. É da natureza do sistema a
destruição do ambiente e do homem.
A batalha travada na Câmara pelo plano diretor já começou
com um vencedor. Os lutadores que lá se fizeram presente, em torno de 100
almas, sabiam muito bem o que estavam enfrentando. Entre eles, ainda se podia
observar um pequeno grupo de pessoas puras, que estavam realmente indignadas
com toda a farsa promovida pelos vereadores e com a burla de todas as leis. Muitos
acreditavam que a presença ali, em protesto e gritos de alerta pudesse mudar o
resultado de um jogo já acertado no tapetão. Não podia.
Entre os militantes calejados, anticapitalistas por
convicção, não existia ilusão. O sistema capitalista tudo aplasta e não está
preocupado com nada além do lucro. Nesse processo, ainda estão os serviçais,
que conseguem arrebanhar as migalhas do banquete. Qualquer lucro é bem vindo,
porque essa é a essência. E foi o que se viu. Nos votos contra a entrega da
cidade para a especulação, quatro vereadores resistiram. Os demais estavam de
acordo, cada um por sua razão.
E enquanto a vida de todos era vendida por 30 dinheiros, a
população seguia seu curso, na correria para pegar o ônibus, assistindo a um
recital, participando de uma reunião qualquer para amenizar alguma dor, ou
garantir algum pequeno avanço. Muitas pessoas assistiram a "confusão"
causada pelos "de sempre", os "anti-progresso", na
televisão e balançaram a cabeça em desaprovação. No gabinetes, os donos do dinheiro celebraram
com champanhe. Não estão preocupados com ambiente, vida boa, saúde, equilíbrio.
Tudo o que querem é muitos zeros na conta bancária.
Daí que, para terminar, o que podemos dizer é que só há uma
alternativa para os que lutam: reforçar a batalha contra o capital, contra o
modo capitalista de organizar a vida. Ou isso, ou seguiremos afogados pelo
desejo de consumo fomentado pelo sistema. Não dá para ser ingênuo acreditando
que pequenas reformas nos levarão ao céu. O poder do capital dá o que quer dar.
E nesses dias deixou bem claro: a cidade é dele e ponto final. Qualquer
concessão que veio ao encontro dos desejos das comunidades está amarrada em um
interesses econômico maior.
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