segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Gravidade


Mexo com comunicação, então, preciso estar sempre antenada com o que rola da indústria ideológica, nome dado por Ludovico Silva àquilo que os frankfurtianos chamavam de indústria cultural. Nome bem mais adequado, no meu entender, uma vez que o que rola no cinema, TV e outros meios do chamado campo cultural, têm muito mais de ideologia que de cultura. Mas, enfim. Tudo isso é uma breve introdução para falar do filme que foi o sucesso da indústria do cinema nas últimas semanas, o Gravidade, estrelado por Sandra Bullock e dirigido pelo incensado Alfonso Cuarón, roteirista, produtor e cineasta mexicano.

De alguma forma o filme me surpreendeu. Tirando um ou outro momento de tensão espetacular, a narrativa é lenta e arrastada, fora do padrão roliudiano de carros batendo, gente se socando, tiros, sangue e tudo mais que caracteriza o espiral de violência típico dos filmes de ação. Quando ele termina deixa bailando na cabeça pelo menos quatro grandes reflexões: a solidão, o altruísmo, deus e o presente precioso. E vai bem além da ideologia de propaganda de uma nação acostumada a fomentar a guerra. Talvez porque tenha sido feito por um mexicano.

A solidão é o que caracteriza a mulher que protagoniza o filme. Rayan tem nome de homem porque o pai queria um menino. Ela perdeu um filho e sua vida não tem sentido algum. Segundo ela mesma, desde que a criança se foi ela só "dirige", toca em frente, sem um lá-na-frente onde chegar. Apenas anda, como um autômato, e desde aí foi parar no espaço, consertando um telescópio. Estar viva ou morta, pouco se lhe dá. Isso é solidão. Estar vazio. E, ao longo do filme, é bonito ver como ela vai "se enchendo" de sentido. Está sozinha no meio do nada, mas não mais em solidão. Ficou bem narrado esse caminho feito pela mulher. deixa a gente pensando, pensando...

O altruísmo é um elemento praticamente inexistente no mundo moderno. Fazer algo realmente grande por alguém, chegando até o ponto de prejudicar a si próprio. Pois isso assoma no filme, aparecendo na figura do comandante da missão, o lindo George Clooney. É tocante a cena em que ele, depois de se desprender da colega, caindo no espaço vazio em direção a morte, ainda consegue animá-la e conduzi-la para dentro da estação. Divertido, caloroso, o astronauta que lidera a missão passa a impressão de que tem uma vida plena, cheia de sentido. E é ele o que decide morrer para salvar a colega, vazia e só. Momento de pura beleza. 

Mas, a cena mais bonita, para mim, foi a da presença de deus, ou do sagrado, ou de algo que não tem nome, que é aquele momento único em que nos deparamos com o essencial, o que nos move para a vida, apesar de todas as desesperanças. Rayan está na nave auxiliar, sem combustível, sem saber como chegar ao local que a salvaria. Ela se entrega, não se importa. Fecha os olhos e aceita a morte, de certa forma esperada desde quando perdeu o sentido viver. Então, (sonho ou realidade?) lhe aparece o colega despegado (o que devia estar morto), entra no módulo e lhe ensina (a faz recordar o que já sabia) um pequeno truque para que possa sair dali. O diálogo é lindo. E, a partir desse "encontro" ela aceita a ideia de que a vida pode ser boa, simplesmente por ser, sem qualquer grandiosa razão. A mão cavando a areia, o gosto da água, a brisa na beira-rio. A vida e sua permanência. Incrível momento humano. Esplendorosa lição. O presente, precioso, como momento capaz de ser suficiente para dar sentido à vida. 

A viagem da mulher em peripécia pelo espaço funciona como uma metáfora de cada um. Andando sempre tão longe para entender que o que realmente importa está diante de nós. Mas, para que cheguemos a isso, temos de vivenciar esses momentos-chave, cutucões dolorosos, experiências marcantes. A mulher que sobrevive e chega a seu destino não é a mesma que começa o filme, vazia de si e de tudo. Ela volta cheia, gorda de belezas, de sentimentos de gratidão, de estupefação com o presente precioso.

Eu que amo histórias de ficção saí da experiência cheia de encantamento. E havia muito tempo que um filme de roliude não me tocava tanto. Afinal, quem se descobre pode caminhar, enfim, para projetos coletivos. Valeu, Cuarón!

Um comentário:

Gilberto Motta disse...

Querida Elaine,
há uns 20 dias fui ver aqui em Chapecó o Gravidade. Depois escrevi algo em meu Feicibuqui...e na mesma linha das tuas impressões (sentimentos "chasquiados") presentes nesse lindo texto acima. Grandíssimo filme, MESMO! Não por ser fora do padrão roliudi, de Guaron (ou principalmente por tudo isso). E os dois atores estão perfeitos, iluminados. Extamente como a mulher Ryan, também sai do cinema "mexido" e, com certeza, ampliado em meus sentimentos e sentido de vida. O momento do sonho, devaneio (a indiferença de nã0-viver, a falta de qualquer sentido de vida) nos remete mesmo a uma possível percepção profunda, metafísica (deus?)..."a presença de deus, ou do sagrado, ou de algo que não tem nome, que é aquele momento único em que nos deparamos com o essencial, o que nos move para a vida, apesar de todas as desesperanças"(pincei de teu texto). É isto; um filme para toda a vida. Raro e fundamental (Gilberto Motta Chapecó/SC...ou de alguma parte perdida no espaço sideral...). Beijão!