Normalmente não gosto de festa de aniversário. Acho meio tolo ficar celebrando nosso decrepitar. Mas, já tinha pensado em juntar meus poucos amigos quando fosse começar a 60º voltinha em torno do sol. Afinal, entrar nos 60 é algo. Desgraçadamente não vai dar. O novo giro começa essa madrugada, em meio a uma pandemia, num país que decidiu entregar seu povo à própria sorte. Nessa hora noa – de profunda angústia – parece uma afronta celebrar o fato de estar viva quando mais de 400 mil pessoas já morreram no carreirão da incompetência e da maldade. Não me compraz festejar em meio a tanta dor.
Eu nasci na madrugada do dia 14 de maio, no interior de Uruguaiana, no Toro Passo. Era uma noite de chuva, raios e relâmpagos. Iansã abençoava, por certo. Meu pai saiu pela noite atrás da parteira, a Dona Maria, que trazia ao mundo toda a gente por ali. Eram duas e meia da manhã quando ela chegou, encharcada, conduzindo sua carroça, e suas mãos abençoadas me receberam. Cheguei assim, nessa tormenta, bem no meio do nada, na campanha gaúcha. Talvez por isso as tempestades da vida não me amedrontem.
Sempre fui uma criança quietinha, de olhos graúdos e curiosos, disposta a sorver tudo que a vida pudesse oferecer. Apegada a bichos, seres extraterrestres e livros, perdida em meio a letras e histórias. Nunca fui birrenta, mas sempre tive opinião. Adolescente, preocupava mais com a humanidade do que comigo mesma. Tive um amor de colégio a quem amei e esperei até os 21 anos, quando então soube de seu casamento. Aí me soltei, disposta a viver todos os amores. Vivi mesmo, sem freio, até encontrar o homem que hoje me aninha e me faz feliz.
Hoje, entrando nos 60, me assombro. Jamais pensei que pudesse chegar tão longe. Mas, ao mesmo tempo, parece que foi tão rápido, tão pouco. A primeira infância em Uruguaiana, depois em São Borja. A migração para Minas Gerais, Belo Horizonte, Pirapora, Arinos, João Pinheiro. A passagem por São Paulo: Bauru, Marília. A volta para o Rio Grande: Caxias, Uruguaiana, Passo Fundo. A vinda para Florianópolis. Faço a lista dos amores, os perdidos, os achados. Os amigos, tantos... As aventuras dizíveis e indizíveis, os segredos escondidos, os sonhos realizados e os que ainda guardo nos planos escritos em papéis amarelados. As viagens pelo mundo, pela minha América Latina. Os lugares ainda não visitados, mas muito anhelados. Quanta vida... quanta beleza... quanta superação. Eu realmente vivi à larga. Agradeço aos deuses e deusas.
Gosto que meu nascimento tenha sido no outono, essa estação tão linda, quando tudo parece que fica mais claro. Na manhã de 14 de maio desse ainda aterrador 2021 despertarei – espero - no mais puro espanto. De saber que ainda ando sobre a terra, que vivo, respiro, amo, encontro pessoas, faço coisas boas. Olharei no espelho e verei uma mulher madura, ainda charmosa, carregada de bonitezas. 60 anos. Uma vida boa demais, carajo. Não haverá churrasco, nem tilintar de copos, só a vidinha ordinária com o pai, os cachorros, os gatos, o Renato, o Pedro. Um almoço melhorado, talvez, uma cervejinha e, à noite, uma pizza, porque afinal sou filha de deus.
A festa fica para quando der, quando não houver mais pandemia, quando não houver mais esse cavaleiro do inferno a conduzir o país... A festa virá, ah... virá, porque é merecida...
Um comentário:
Parabéns!!!
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