quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Quem se importa com a cultura?

Jana Gularte, representante do Coletivo Ética na Cultura, fala na Assembleia Legislativa


Estamos aí a poucos dias de uma eleição gigantesca, na qual elegeremos presidente, governador, senador, deputado federal e deputado estadual. Uma eleição que define praticamente todos os rumos da nação, dependendo do projeto que passar, garantindo àqueles que farão as leis e os que a executarão mudar ou manter tudo o que aí está. 

Depois de dois anos sob golpe e o país estraçalhado, com a aprovação de uma PEC que congela os investimentos públicos em 20 anos, o que podemos esperar dos novos eleitos? No geral, os candidatos não representam a maioria da população. Boa parte deles, financiados por grupos poderosos, estarão a serviço de interesses muito particulares e quando chegarem no poder, a esse gente servirão. 

Nas propagandas eleitorais o que vimos? As mesmas velhas caras que se revezam no poder desde há anos. Os mesmos programas enganadores. “Vamos investir na saúde, na educação, no transporte, na segurança”. As mesmas velhas promessas que seguem sem se cumprir. 

Em Santa Catarina a impressão que se tem é que vivemos num paraíso, isolado do resto do Brasil. Aqui, os candidatos, que estavam ontem no poder dizem que fizeram isso e aquilo, que o estado é o melhor colocado, que ganhou isso e aquilo. Mas, a realidade mesma não aparece assim. Nos hospitais sem leitos, nas escolas que estão sendo fechadas sem dó nem piedade, na universidade que propõe diminuir o salário dos professores, na criminalidade crescente, na violência, no enxame de drogas, no atraso cultural, na exploração dos trabalhadores do campo e da cidade aparece a verdadeira cara do poder estadual. E ela não é bonita. 

Mas, mesmo assim, vemos os mesmos velhos políticos, com suas caras de pau, aparecer na televisão prometendo maravilhas. Elas não virão. Pelo menos não para nós, os simples mortais. As maravilhas são guardadas para pequenos grupos, os de sempre, que enchem os bolsos enquanto a maioria agoniza.
Hoje, em Santa Catarina, em meio a todas essas faltas no campo da saúde, educação, segurança e moradia, um pequeno grupo de artistas trava uma luta renhida pela justiça na distribuição de verbas da cultura. Alguém poderia dizer: mas, que tolice! Falta-nos tanta coisa e esse povo preocupado com cultura. 

Pois é! Falta-nos tanto, e principalmente cultura. É o acesso à cultura que nos permitiria desvelar a cara de pau de toda essa gente que hoje se apresenta como salvador do estado tendo estado o tempo nele, destruindo o que é nosso. Mas, em Santa Catarina, quando se fala em cultura, o que aparece são os “big” eventos: a Oktoberfest, o Festival de Dança de Joinville, as demais grandes festas gastronômicas, as grandes orquestras. Esses conseguem grandes financiamentos e seguem cada vez maiores. Já os pequenos grupos de teatro, os músicos, os projetos culturais de regiões menos turísticas, esses precisam mendigar, com o copo na mão, entre empresários surdos e governo desinteressado. 

Um exemplo é o edital Elisabete Anderle, nascido para financiar projetos culturais no estado, depois de longas lutas da classe artística. Pois esse ano o edital não foi lançado, ainda que exista uma lei que obriga o Estado a apresentá-lo. A resposta do presidente da Fundação Catarinense de Cultural a um pedido de explicações da deputada Luciane Carminatti (PT), foi de que o fundo para o edital não teria verba suficiente, e que a FCC estaria com apenas a metade do valor correspondente ao que fora disponibilizado no ano passado, o que seria algo em torno de cinco milhões de reais.  Essa mesma explicação foi dada no Conselho Estadual de Cultura. Assim, já que não havia a verba total para o edital, a FCC decidiu liberar, sem licitação, um milhão e 500 mil reais para a Orquestra Filarmônica Camerata de Florianópolis, e mais um milhão de reais para o Festival de Dança de Joinville.  

Essa decisão levou os artistas catarinenses a questionar de maneira veemente os motivos que levam a Fundação de Cultura a privilegiar dois grandes projetos em detrimento de centenas de outros artistas do Estado. O movimento cresceu e agora formou-se o Coletivo Ética na Cultura, que já realizou um importante ato público denunciando o governo do estado, por liberar verbas da cultura sem licitação, e exigindo que, pelo menos o edital mais importante do campo da cultura, seja viabilizado. 

No ano passado, o Elisabete Anderle teve 1.803 inscritos, com artistas de todas as regiões do Estado, mostrando o quanto existe de proposta e projetos culturais em Santa Catarina, para além dos grandes eventos. Destes, 175 foram premiados e puderam levar adiante suas propostas, espalhando a cultura pelo Estado, inclusive em pequenas cidades.   Isso, por si só já mostra a importância desse edital. Segundo Jana Gularte, cantora e uma das articuladoras do Coletivo, o orçamento para a cultura em Santa Catarina tem sido de 0,06% nos últimos anos. Vejam bem o número. É uma miséria. E ainda assim, as relações seguem clientelistas, privilegiando pouquíssimos grupos. 

O coletivo Ética na Cultura não discute o mérito e a importância dos grandes projetos e dos eventos já consagrados, mas insiste que a cultura catarinense é muito mais do que os “big shows”. E, por isso, insistem que o edital seja lançado. 

Tem sido uma batalha gigante a que travam os artistas catarinenses, porque a cultura não é vista como prioridade. No mundo capitalista, o que vale é o mega negócio, o que gera lucros estrondosos. Nada a ver com cultura mesmo, visto que a maioria das gentes tampouco consegue chegar a esses eventos. Por isso que os pequenos projetos culturais, que se fazem nas cidades, nos bairros, com projetos modestos, são tão importantes. Porque eles chegam na maioria, eles se fazem nas praças, nos pequenos teatros, nas ruas da cidade, nos bares.  

Agora, no dia 22 de setembro, o Coletivo Ética na Cultura realiza mais um ato público, um ato-festa, ato-cultura, ato-protesto. Será na Travessa Ratcliff, em Florianópolis, importante espaço de resistência cultural no centro da cidade. 

Apesar de parecer algo “inútil” a cultura é base de uma nação. Isso é algo que todos deveriam entender. É pela via da cultura que tem se imposto uma forma de viver, é através da cultura que se fortalecem valores. E, no Brasil, desde há muito tempo temos uma cultura colonizada, que dá mais valor e visibilidade ao que vem de fora, da Europa ou dos Estados Unidos, escondendo o que temos de belo e forte, que são nossas raízes, nossa própria cultura. Por isso que fortalecer os artistas locais que trabalham com a cultura popular, brasileira, garantir sua multidiversidade, fazer chegar aos trabalhadores e trabalhadores, é coisa muito importante. Porque é através da arte que podemos compreender as dores da vida material e, a partir daí encontrar os caminhos para superá-la.

Que a luta dos artistas não se limite a esse momento da conjuntura, que ela siga firme e forte, garantindo que a arte e a cultura chegue a todos os cantos do estado, cultura brasileira, cultura local. E que possa desvelar a dura luta de classes que vivemos, na qual para que um viva outro tenha de morrer. 


Nenhum comentário: