Alzheimer/Velhice

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Sobre obrigada e gratidão...



Já faz algum tempo que pessoas que vivem a minha volta incorporaram a palavra “gratidão” quando querem agradecer alguma coisa... Um dos argumentos, me disse um amigo, é o de que a palavra “obrigado”, dá um sentido de obrigação. E que as coisas que as pessoas fazem graciosamente por alguém não podem obrigar que o outro tenha de retribuir ou pagar. Por isso, gratidão. Eu, que tenho sangue e alma indígena, nunca gostei muito dessa explicação. Sigo usando o “obrigada”.

Explico o porquê disso. Na cultura dos povos originários de toda a franja oeste da América Latina existe um elemento fundante da cultura e do modo de ser que é a reciprocidade. Ou seja, a cada coisa que alguém faz para outro alguém, deve corresponder um ato recíproco. Isso quer dizer que o nosso “obrigado” deveria ser mesmo a promessa de uma obrigação. Fazer pelo outro algo tão bom quanto foi feito para nós. Porque na cosmovisão originária, a reciprocidade não é um ato de vontade individual, mas um dever cósmico, coletivo, que reflete a ordem universal da qual o ser humano é parte. Assim que a reciprocidade também deve existir  entre os humanos, os humanos e a natureza, os humanos e as divindades. É isso que determina o senso de justiça. A ética cósmica. Por isso que se dá pago à terra e se oferecem graças aos deuses e aos animais.

Assim que mais do que nos sentirmos agradecidos, sempre que alguém nos fizer algum bem, temos de nos sentir obrigados, sim... Obrigados a estabelecer uma reciprocidade com aquele “bem”, mantendo assim o equilíbrio no cosmo, na vida.

Falo isso porque hoje percebi que o facebook colocou um botãozinho de “gratidão”. E fico cá comigo pensando se isso não reforça esse absurdo individualismo que toma conta de nossa sociedade. Aceitar o “bem” sem que nos sentirmos obrigados a uma recíproca? Apenas fruir o que nos agrada sem se sentir obrigado a manter o equilíbrio cósmico? Talvez não, talvez sim... 

Sei lá, ainda prefiro a sabedoria ancestral dos meus  antepassados, que me é sussurradas na noites desse meu lugar. E, amorosamente, prefiro seguir com meu “obrigada”, sempre obrigada a retribuir, de alguma forma, todo o bem que me é dado, seja pelos humanos, pelos bichos, pela natureza, pelos deuses... Na corda bamba intergaláctica, equilibrando o cosmo.