quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Ação de graças



Final de tarde, barra do dia se escondendo e eu fui dar uma espiada nas redes sociais, ver as notícias, saber o que está acontecendo e essas coisas. Com surpresa reparei várias postagens de gente saudando o Dia de Ação de Graças. Estaquei, cabelo em pé. Já não basta a tolice de festejar o halloween, uma festa gringa que nada tem a ver com nossos mitos? Agora essa? Festejar o "thanksgiven", outra festa típica dos Estados Unidos.  Então, talvez por conta de outras tantas dores represadas, chorei. Chorei até mais não poder.

O dia de Ação de Graças tem sua origem mais remota numa festa da colheita realizada pelos colonos recém chegados na terra nova. O primeiro desses festivais foi celebrado em 1620, em Plymouth, Massachusetts, por migrantes ingleses. Eles agradeciam pela boa colheita que tiveram depois de terem passado por alguns desastres no enfrentamento com os povos nativos durante o processo de invasão do território. Naquela colheita específica, eles contaram com a ajuda dos índios e com eles compartilharam a comida. Mas, tão logo a festa acabou, a guerra sem quartel continuou para "limpar a terra prometida dessas criaturas perniciosas", como atestam os escritos da época.

E é justamente por conta desse aspecto histórico que os povos originários dos Estados Unidos realizam nesse mesmo dia o "Dia do Luto". Eles recordam aos que invadiram suas terras que a boa colheita celebrada pelos colonos de Massachusetts só aconteceu porque eles levaram a cabo a destruição da vida daqueles que já viviam naquelas paragens, seja por morte, por contaminação de doenças ou escravidão. Por isso, fazem questão de jejuar e lembrar do genocídio que ainda não acabou.

Mas, apesar dos protestos no mundo indígena, a festa de ação de graças segue sendo o feriado mais importante do país, superando inclusive o natal. A data virou feriado em 1863, por decreto do presidente Abraham Lincoln.  

Tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá, o Dia de Ação de Graças é um dia de encontro familiar. Quem mora longe aparece para o jantar e o peru enfeita todas as mesas. Também é nessa semana que o comércio aproveita para fazer suas mais quentes liquidações, aproveitando para garantir bons lucros.

Em outros países esse dia também é celebrado, com outras motivações, mas sempre buscando agradecer pelas dádivas recebidas. No Brasil ele também é celebrado desde 1949 porque Joaquim Nabuco, que foi embaixador nos Estados Unidos gostou da festa e quis reproduzi-la aqui.

Hoje, quando o movimento indígena busca recuperar seu território e fazer respeitar sua cultura, esse ainda é um dia de dor. Enquanto alguns agradecem por terem conseguido conquistar uma nova terra e fazer dela uma das nações mais poderosas do mundo, os povos originários que seguem confinados em reservas, sem terra e eternamente vítimas de preconceito e discriminação, lembram a conquista e tudo o que ela significou de sofrimento, dor, miséria e morte. Séculos se passaram desde aquele 1620, quando brancos e índios sentaram na mesma mesa. Essa partilha amorosa não se concretizou na vida cotidiana.  Por isso, os indígenas não tem nada para agradecer.


Alguém vai dizer que nós estamos sempre reclamando e que temos de dar o direito às pessoas que querem celebrar. Tudo bem. Direito concedido. Mas os que tiveram seus antepassados assassinados e toda sua vida cortada também têm o direito de protestar.   

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