Alunos e professores da Medicina dispensados e os velhos militantes fazendo a luta como sempre.
Dispensados das aulas pelo coordenador do Curso de Medicina,
estudantes e professores acorreram ao hall da reitoria da UFSC para defender a
adesão à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. Argumentavam que era
isso, ou o fechamento de vários setores do hospital, inclusive o da emergência.
Essa possibilidade estava sendo difundida à exaustão no curso como uma espécie
de chantagem, e não como um argumento sólido. Setores iriam fechar porque 130
funcionários serão demitidos, já que não é mais possível contratar por
fundação. Por conta da criação da nova estatal de direito provado, o governo
insiste que as contratações sem concurso público só podem ser feitas pela
EBSERH. Mas, em nenhum momento os dirigentes do Curso de Medicina colocaram as
possibilidades e as ações que já poderiam ter sido feitas para garantir a
contração de trabalhadores.
Segundo o professor Irineu Manoel de Souza, que participou
como membro de uma comissão que realizou um diagnóstico sobre o HU no início da
gestão das atuais reitores Roselane e Lúcia, muitos caminhos poderiam ter sido
trilhados para impedir que se chegasse a dezembro desse ano nessa encruzilhada.
São eles:
1. Cumprimento do Decreto Nº 7.232, DE 19 DE JULHO DE 2010.
Este decreto concede autonomia às universidades para abertura de concurso
público visando a reposição de vagas geradas por aposentadorias, demissão,
exoneração ou morte de servidores.
2. Contratação de profissionais da área da saúde para os
Hospitais Universitários com base no inciso IX do art. 37 da Constituição
Federal. Esse inciso possibilita a “contratação por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”;
3. Reposição dos cargos vagos anteriores ao ano de 2010 não
considerados no banco de equivalência; transposição dos cargos extintos por
cargos de níveis equivalentes, de acordo com a Lei no 11.091/2005.
4. Os recursos para o pagamento de pessoal e manutenção dos
hospitais deverão ser assegurados na LDO - Lei de Diretriz Orçamentária e na
LOA - Lei de Orçamento Anual, com base na constituição federal.
Mas, ao que parece, as coisas foram deixadas como estavam
para que, agora, dias antes da demissão dos 130 trabalhadores, a EBSERH fosse
empurrada de goela abaixo.
Não bastasse os caminhos legais que existem e deveriam ter
sido trilhados há o recurso político. Se o estado inteiro usa os serviços do
HU, prefeitos, vereadores, deputados e governador deveriam ter sido mobilizados
para que o governo garantisse os novos concursos para o HU, bem como os
recursos na LDO. Nenhum ato nesse sentido foi feito.
Agora, os setores de direção do HU e do Curso de Medicina
apavoram a população e os estudantes com a possibilidade do fechamento de
setores. Esse fechamento pode acontecer? Sim, pode. Pois, como já mostramos, as
ações que evitariam o caos não foram tomadas, ainda que, por anos, professores,
trabalhadores e militantes do Fórum Catarinense em Defesa do SUS e contra a privatização da Saúde tenham apontado as saídas
e as soluções.
No dia de ontem, tudo estava armado como uma batalha. Os estudantes
de medicina com os tambores, os professores com seus sorrisos, os dirigentes do
HU tutelando os manifestantes do “sim”. E, de outro lado, os defensores da
manutenção do HU sob a responsabilidade da UFSC, 100% público. Gritos de sim de
um lado, gritos de não do outro. Num primeiro momento os da medicina em
maioria, até porque foram recrutados pelo diretor do Curso.
Esses são momentos ímpares, pois se pode ver como as reações
sobre as manifestações tem classe e tem partido. A gritaria dos jovens de
branco era vista com alegria pelos professores do curso de medicina e alguns
funcionários do HU. Eles dançavam ao som dos tambores e aplaudiam, sorridentes.
Dentro do Conselho, o sentimento era o mesmo. Aquele era um protesto legítimo.
E por quê? Em que medida tinha mais legitimidade do que o dos defensores do HU
público?
O fato é que quando o protesto é de alunos negros, ou surdos,
ou economicamente empobrecidos, ou que defendam o público, a coisa muda de
figura. Não há risos nem aplausos. Eles incomodam e são ignorados, quando não
rechaçados pela segurança.
Mas, nessa terça-feira, o protesto parecia agradar. Tudo
estava tenso, pois essa foi a primeira vez que os alunos de medicina vieram
para um manifesto. Enquanto que os defensores do HU 100% público estão nessa
batalha há anos. Foram formados dois grupos bem distintos, com troca de
palavras de ordem. A porta do CUn foi trancada pelos estudantes e os
conselheiros tiveram de entrar pela porta lateral. Quando a sessão já ia
começar chegou um reforço de peso: os trabalhadores do campo da saúde estadual
e os militantes externos do HU 100% público. Nessa hora o grito de “sim à
EBSERH” foi abafado.
Quando a sessão começou a tensão cresceu, mas em poucos
minutos o relator do processo colocou água fria na fervura. Alegando que a
reitoria não tinha respondido os questionamentos que fez, apontou que não
poderia finalizar o parecer. Sem as respostas, sem parecer. Os alunos da
Medicina imediatamente se desmobilizaram, mas os defensores do HU 100% público
ficaram até o fim. No conselho, o debate acabou se centrando sobre o fato de o
coordenador do curso de Medicina ter usado o cargo administrativo para garantir
a pressão sobre o Cun. Segundo o conselheiro Paulo Pinheiro Machado isso abre
um precedente perigoso: “os alunos organizados, os sindicatos, os movimentos
tem toda a legitimidade de fazer suas lutas. Mas um dirigente não pode usar do
cargo para vir pressionar o conselho”.
O professor Maninho, buscando defender o curso de Medicina,
chegou a chamar de “animais” os alunos que estavam na porta do conselho, no que
foi lembrado por uma conselheira estudante de que os que estavam bloqueando a
porta eram os “brutamontes da Medicina”, classificando ainda de “assédio” o que
havia acontecido no curso.
Apesar de esquentados os ânimos no CUn o tema não prosperou
e nova sessão será chamada para discutir a adesão ou não à EBSERH. Sempre é bom
lembrar que a administração realizou uma série de debates no campus e ainda um
plebiscito para saber a opinião da comunidade. O resultado foi de 70% não à adesão,
tendo o não ganhado, inclusive, no Centro de Saúde, onde fica o Curso de
Medicina.
Para a sociedade catarinense o que fica é a sensação de que
ou se entra na lógica da empresa estatal de direito privado gerindo o HU, ou
ele fecha setores. Isso é uma meia verdade. A adesão à EBSERH só acontece nas administrações
que não querem atuar politicamente para garantir os recursos. É mais cômodo
abandonar o HU nas mãos de “gestores” que administrarão o hospital a partir de
metas, como se esse fosse uma empresa, tendo de dar lucro. Ora, o custo com a
saúde da população não é despesa. É investimento e é direito constitucional.
Como lembra o professor Irineu, a adesão à EBSERH, empresa
público de direito privado, além de ser inconstitucional, significará que a
UFSC estará atestando que não possui competência para administrar o HU
(hospital Escola). E, mais do que isso, a entrada de uma empresa na administração
do HU transformará o mesmo numa fábrica de doenças em vez de espaço de ensino e
saúde.
Essa é a batalha.
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